Só essa vida não basta

Notas sobre arte, psicanálise e política

O percurso da arte para mim se deu como chamado ao desejo. Nada se colocava à favor das minhas intenções de criar arte, mas, ainda assim, o desejo de criar continuava como uma voz sussurrante através de minha adolescência e começo da vida adulta. Não foi sem resistências superegóicas que dei o passo em direção a um lado mais profundo de minha própria natureza. Este passo nunca se concretizou como um antes e depois, pelo contrário, é algo que continuamente acontece. Cada novo trabalho é uma afirmação individual de minha subjetividade contra as demandas internas e externas que fazem força contra.

Em 2015 ajudei a produzir um projeto artístico cultural em um hospital infantil, onde realizamos oficinas de desenho e fotografia com crianças internadas. Enquanto estava lá via em cada criança uma afirmação poderosa de desejos nos meros punhados de passos que separavam a sala da oficina de seus leitos no hospital. Era uma afirmação de vida, de desejo, de intenção, contra a doença, o internamento, o medicamento debilitante.

Pensando bem, todo projeto artístico cultural que realizei foi uma afirmação de vida, de encontro, de potenciais. Cada exposição, livro ou ação era um desejo manifesto de transformação da vida para melhor. Hora pela celebração, hora pela crítica.

Percebi cedo que as afirmações dos desejos se davam primeiro na solidão do ateliê e depois na coletividade, que por sua vez, encontrava na percepção da arte uma saída para si mesma, para as demandas do mundo enquanto se afirmava viva contra um mundo pautado pela eficiência, pela pecúnia, pela produtividade. Afinal, qual o lucro da arte? O que se ganha indo à uma exposição? Ou participando de um projeto cultural? A solução está para além da resposta lógica: Fazemos arte, pois só essa vida não basta.

Foi com esse interesse que me tornei psicanalista. Me perguntava sobre aquilo que está além dessa vida e como a arte pode ser um passaporte até lá. Hoje encontro a resposta amparada pela ciência e pela pesquisa: arte e ciência andam juntas e unidas surpreendem pelas perspectivas que anunciam no horizonte um futuro mais poético e belo.

Por isso quando fiquei sabendo que o Ministério da Cultura foi extinto sofri uma tristeza de morte, uma angústia de perceber uma força antivida instalada no governo do país. Agora quando vejo a arte e a ciência sendo atacadas pela estratégia de minguar seus meios de financiamento, sei imediatamente que não é mais sobre política que estamos falando, mas sim de vida. É sobre desejos que se afirmam diante das adversidades e fazem projetar para além dos horizontes. Uma vida sensível de pensamento artístico e cientifico que não se contenta com pouco e se recusa a deixar as coisas como estão. É essa vida que eles não querem, mas assim não basta. É pouco. É boba. É feia. Somos maiores do que isso.

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