Arthur do Val e o MBL são a face perversa da antipolítica

A antipolítica de grupos como o MBL é despolitizante. O grupo surgiu e brilhou nas mobilizações pelo impeachment de Dilma Rousseff e se consolidou como protagonista político promovendo e incentivando ataques a escolas, universidades, manifestações artísticas e movimentos sociais

Outubro de 2016. Arthur do Val, youtuber, influencer de direita, dono do canal Mamãe Falei e um dos mais midiáticos líderes do MBL, invadiu o Colégio Estadual do Paraná, câmera em punho, para gravar um vídeo em que zombava e provocava as e os estudantes que, há mais ou menos uma semana, decidiram ocupar a escola.

Aquele foi apenas um dos muitos episódios de violência protagonizados, durante as ocupações, pelos militantes do MBL, primeiro contra secundaristas e, depois, também nas ocupações na UFPR e, especialmente, na UTFPR. Mas dessa vez, Arthur do Val importunou sexualmente uma estudante, de 17 anos, enquanto assediava outras.

O caso foi parar na Delegacia de Proteção à Mulher, mas a denúncia acabou arquivada pela Promotoria por “falta de provas”. Um relato sobre o episódio pode ser lido aqui mesmo, no Plural, que publicou, ontem, matéria sobre o episódio.

Março de 2022. Vazam áudios do deputado estadual em São Paulo Arthur do Val, em que ele se refere às mulheres ucranianas como “fáceis, porque são pobres” e, entre outras coisas, compara a fila de refugiadas – “de 200 metros ou mais, só deusa”, diz a certa altura – à “fila da melhor balada do Brasil, na melhor da época do ano”.

Renan Santos, do MBL: idas frequentes ao leste europeu no que chamava de tour de blond. – Foto: reprodução/YouTube.

O deputado estava na Ucrânia supostamente para uma “missão humanitária”, acompanhado de outro dirigente do MBL, Renan Santos – que também esteve na invasão ao CEP, em 2016 e que, segundo o próprio Val, costumava frequentar o leste europeu para o que ele, Renan, chamava de tour de blond.

Diferente de 2016, o vazamento dos áudios provocou um estrago provavelmente irreversível na trajetória de Arthur do Val: perdeu a namorada, que rompeu publicamente com ele; se afastou do MBL; retirou sua pré-candidatura ao governo de São Paulo; teve sua desfiliação anunciada pelo seu partido, o Podemos; e enfrenta 12 pedidos de cassação (até agora) na Alesp.

Embora afirme que lutará para defender seu mandato na Alesp, em vídeo publicado em seu canal no YouTube, onde anuncia sua desfiliação do MBL, o deputado parece ciente de que tem seu destino, ao menos no curto prazo, selado: entre demonstrações de tristeza e um mise-en-scène de arrependimento, afirma: “acho que é o fim”.

Mas o caso repercute e compromete também as pretensões políticas do MBL, que vem se esforçando em uma insistente e histérica defesa de seu agora ex-dirigente. Com a ruína de Arthur do Val, a entidade perde não apenas seu candidato ao governo de São Paulo, mas vê maculada sua tentativa de reabilitar a imagem, apresentando-se como uma alternativa viável no campo político institucional.

Sim, as leitoras e os leitores provavelmente lembram a mea-culpa do MBL em 2019, quando a entidade admitiu sua responsabilidade na polarização do debate público e sua agressividade retórica. Tão sincero quanto editorial d’O Globo reconhecendo o erro de ter apoiado a ditadura, a admissibilidade de culpa veio junto com a promessa de tentar “sanar a discussão política” que a entidade ajudou a deteriorar.

Teve quem acreditou. Mesmo no campo progressista, muita gente defendeu ano passado, a participação da esquerda nas manifestações contra Bolsonaro encampadas pelo grupo, sob o pretexto de que era preciso unir forças em uma “frente ampla” para derrotar o bolsonarismo. As manifestações “floparam”, o que já era um indicativo de que a entidade havia perdido parte da força que adquiriu em 2015, quando protagonizou as manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff.

Kim Kataguiri, líder do MBL. Foto: Agência Brasil.

Política e antipolítica

Há uma antipolítica de esquerda. Ela tensiona a política institucional na medida em que cria outros espaços, práticas e experiências que ampliam as possibilidades de participação e denunciam os limites da democracia liberal, radicalizando-a.

Anticapitalista, ela se opõe e se insurge contra o mercado e o Estado, e informa experiências como as manifestações de junho de 2013 e de 2014, contra a Copa; as ocupações estudantis; os chamados “novos movimentos sociais”; e as manifestações culturais das periferias, como o slam poesia, por exemplo.

Em certa medida, ela também se desdobra em mudanças institucionais, como as candidaturas de representantes das “minorias” e as candidaturas e mandatos coletivos, que ganharam força a partir, principalmente, das eleições de 2014.

E há a antipolítica de direita. Ela surge da rejeição à política tradicional consolidada principalmente a partir da Constituição de 1988 e da “Nova República”. Congregando duas tendências aparentemente opostas, o conservadorismo moral e o ultraliberalismo, ela rechaça nossas pálidas conquistas democráticas e sociais em nome de um retorno aos “verdadeiros valores nacionais”.

O discurso moralizante dessa forma de antipolítica molda, por exemplo, as guerras culturais em curso há alguns anos, e a pauta de costumes do atual governo, ambas marcadamente reacionárias. Mas ela legitima, igualmente, as políticas econômicas neoliberais que fragilizam o papel do Estado como responsável por impulsionar e garantir direitos sociais mais amplos.

O resultado é o desmoronamento das redes de proteção social, o esgarçamento de laços mais amplos de solidariedade, e o esvaziamento da política pela sua moralização ou ainda a desqualificação e criminalização descriteriosa de suas práticas.

Se a antipolítica defendida por anarquistas e coletivos autônomos é politizante, a antipolítica de grupos como o MBL é, pelo contrário, despolitizante. A trajetória do grupo é lapidar nesse sentido. O MBL surgiu e fez fama embalado pelo descontentamento com os governos petistas, brilhou nas mobilizações pelo impeachment, e se consolidou como protagonista político promovendo e incentivando ataques a escolas, universidades, manifestações artísticas e movimentos sociais.

Sérgio Moro ganhou o apoio do MBL. Foto: Pablo Valadares / Câmara dos Deputados.

Não por acaso, em sua guinada institucional, apoiou a candidatura de Jair Bolsonaro, um fascista que representava a possibilidade de levar para dentro do governo a mistura de reacionarismo político antidemocrático e a agenda neoliberal defendida pelo grupo. Nada mais coerente com o MBL, afinal, que um candidato que celebra ditaduras, faz elegia de torturador, que chama a própria filha de “fraquejada” e que não estupra porque não merece, e não merece, “porque é feia”.

Tampouco é casual o recente apoio do grupo ao ex-juiz Sérgio Moro, uma tentativa desesperada de dar uma face “humana” ao bolsonarismo. Como o MBL, também o lavajatismo contribuiu não apenas para a eleição de Bolsonaro – de quem Moro foi ministro –, mas também para a erosão do debate público e da política no Brasil.

Não há muito que comemorar nesse episódio, além da possível cassação do mandato de Artur do Val. “Mamãe falei” sai de cena, mas ainda há muitos como ele sentados à mesa, e outros tantos dispostos a ocupar o lugar agora vago. Estamos longe do fim.

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