Saudade das coisas complicadas

Precisamos re-complicar o Brasil. Fazer lugar para a dúvida outra vez. Deixar o eficiente para abraçar o desnecessário

O debate técnico e científico nunca está em jogo no fascismo, é claro, pois isso é coisa da democracia. Na democracia se discordamos vamos para a luta na arena política onde se pode arrebatar apoiadores. No autoritarismo, não. As questões são primeiro hipersimplificadas. Conceitos como nação, país, privatizar, lucro, são dados extremamente simplistas para problemas extremamente complexos. Entretanto, o ato de simplificar é capaz de produzir o substrato necessário à sectarização que predispõe um lado certo e um errado. Esse maniqueísmo expulsa todo o debate aprofundado, fazendo o debate técnico passar a ser moral, que por sua vez também inviabiliza a arena política, pois ela precisa da oposição de ideias para extrair da realidade concreta a melhor solução para todos.

Peguemos o governo Bolsonaro de exemplo: Houve efetivamente projetos de melhora ao país que fossem debatidos pela viés da eficiência ou da melhoria real? Não, o que vimos foi o debate moral tomando o lugar da eficiência pública e a divisão provocada por uma visão de mundo peculiar que se fez crivo para tudo e qualquer coisa. O crivo no caso seria o Deus pentecostal, a pátria armada, a família hétero-burguesa, e claro, a economia neoliberal fanática. Quando foram levados pela oposição à arena política não foi possível manter o crivo da ciência e do pacto civilizatório para fundar os argumentos para o debate saudável, pois a moral tosca do fascismo entrava no jogo sempre.

Uma seita religiosa tem que simplificar o mundo que não consegue simbolizar e tenta se apresentar como ruptura do mundo. Ora, mas que mundo esse que não aceitam se não aquele de sua própria visão humanamente torpe, empobrecida de profundidade e carente de cultura? Precisamos re-complicar o Brasil. Fazer lugar para a dúvida outra vez. Deixar o eficiente para abraçar o desnecessário. Perseguir o crivo que se altera todo dia, mas nem por isso deixa de ser constante. Temos que ser o o país que coloca à sua criatividade em prol da ciência – mesmo que isso não gere lucro, a nação onde a arte não precisa se encolher para dizer apenas o já foi dito.

Temos que voltar a analisar tecnicamente sobre a utilidade dos inutensílios, sobre o lucro da poesia e sobre os malefícios de se privatizar corações. Precisamos falar dos ódios comuns e debater os amores coletivos. Vamos fazer democracia, os fascistas não suportam democracia — é um conceito muito complexo para eles.

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