Os sucessos e as superações de Gloria Gaynor

Gloria Gaynor. (Foto de: Divulgação/Cult! Produções.)
Conheça os traumas que a dona da voz do hit “I will survive” venceu ao longo da carreira; a cantora se apresenta em Curitiba no mês de setembro

Ser a vencedora de um Grammy exclusivo, derrotar Michael Jackson na mesma premiação, emplacar sucessos do disco ao gospel e ter seu hit abraçado por diferentes comunidades ao longo de quatro décadas são alguns dos feitos da cantora Gloria Gaynor. De carreira prolífica e marcada por superações, passando por abusos, paralisia e renascimentos simbólicos, a cantora retorna ao Brasil após dez anos, com apresentação no Rock in Rio. A passagem pelo país se estende a Curitiba em 23 de setembro, no Teatro Positivo. A realização é da CULT! Produções e da Polarize Eventos, com ingressos já disponíveis a partir de R$ 100.

“A Gloria representa a história viva da música disco. Aos 80 anos, ela nos mostra que os grandes hits sobrevivem e passam de geração em geração. Tê-la em Curitiba, para uma única apresentação, é motivo de grande alegria”, afirma o diretor da CULT!, Ramon Prestes.

A volta ao país é a chance de cantar mais vezes “I will survive”, “I am what I am”, “Can’t take my eyes off you” e outros sucessos, além de descobrir mais da trajetória da cantora. O resgate também coincide com o lançamento do documentário sobre a vida e obra da cantora (“Gloria Gaynor: I will survive”), exibido em fevereiro nos cinemas dos Estados Unidos e em planos de ser distribuído internacionalmente ainda neste ano.

Talentos e traumas de família

Gloria vem de uma família extensa e de incursões musicais. Seu pai, Daniel Fowles, cantava em uma pequena banda de Newark, Nova Jérsei, em bares e boates locais. Dos cinco irmãos homens, três faziam parte de uma banda gospel nos anos 1960, da qual Gloria era proibida de participar. A mãe, Queenie Mae Proctor, também era apegada a música, cantando para os sete filhos durante as longas ausências do pai e que culminariam em abandono, justamente quando carregava Gloria no ventre.

O gosto pela música que presenciava em casa e ouvia no rádio resultariam no interesse em seguir carreira musical. Ainda jovem, sua mãe passou por uma cirurgia na garganta, que custou o alcance das notas com a voz. Foi a partir daí que Gloria passou cada vez mais a ser estimulada a cantar dentro de casa, inclusive para crianças às quais servia de babá.

Antes que tivesse chance de emplacar a carreira e se descobrir como cantora, Gloria enfrentou da pior forma o desamparo familiar: fora abusada sexualmente dos 12 aos 17 anos, primeiro pelo padrasto e depois pelo namorado de uma prima. O acúmulo de traumas seria reprimido durante a adolescência, passando a ser refletido por ela e suas músicas no futuro. “A gente internaliza toda essa loucura”, revela a artista no documentário.

Primeiros sucessos

Ainda na década de 60, Gloria integrou o grupo de jazz e R&B “The soul satisfiers”, se apresentando em clubes de Nova Jérsei e pequenos shows em outras cidades. A parceria durou cerca de um ano e meio, criando sua própria banda, “City Life”. Com o novo grupo, Gloria percorreu alguns estados do leste e centro-oeste americanos, quando chamou a atenção do produtor Johnny Nash e passou a fazer parte do selo Jocida, em 1965.

O talento da cantora a levou para um contrato com a MGM Records no mesmo ano, onde gravou parte de seus principais sucessos. Em 1975, Gloria estoura nas rádios com a regravação de “Never can say goodbye”, do Jackson 5. O álbum com o hit que levava o mesmo nome emendava mais três músicas, uma seguida da outra: “Honey Bee”, a faixa-título e “Reach Out, I’ll Be There”. Sem interrupção entre as faixas, os 19 minutos de álbum agitavam as pistas e garantiam a entrada da música disco nos clubes e nas paradas de sucesso.

“Havia uma necessidade de músicas que as pessoas pudessem dançar […]. O mundo precisava de uma forma barata de liberar a tensão e a frustração diante dos problemas econômicos que viriam a seguir. O disco era um lugar comum para pessoas de todas as idades, nacionalidades, credos e raças”, afirmava Gloria, então considerada a “Rainha do Disco” pela imprensa especializada.

Ascensão, queda e auge

Com a carreira já pavimentada por grandes sucessos, Gloria estava prestes a conhecer a fama como nunca. Antes disso, no entanto, a diva passaria por novas provações e obstáculos a serem superados.

Em 1978, havia cerca de dois anos de contrato assinado com a Polydor. Gloria vivia seu auge até então, com a agenda lotada de shows e participações em programas de TV. Durante uma apresentação em Nova York, a cantora desfilava pelo palco quando caiu de costas sobre um monitor de som, entre o tablado e a plateia. Inconsciente, despertaria somente no dia seguinte, já no hospital, mas paralisada da cintura para baixo.

Foram três meses internada e uma agressiva cirurgia em sua coluna, além de vezes em que ouviu que não seria possível recobrar o movimento das pernas. Mais três meses de recuperação e Gloria somava meio ano longe dos palcos. Passou a sentir dores que até hoje a acompanham. Todo metro andado era uma vitória.

A ausência de shows, as terapias e novas cirurgias levaram Gloria à bancarrota. Perdera a mãe no ano anterior e o apartamento durante a internação. Estava prestes a ter o contrato rescindido com a gravadora, como era informada ainda na cama do hospital. “Mas eu sabia que sobreviveria”, afirmou em entrevista ao The Daily Telegraph, em 2017. E como sobreviveu.

Os executivos haviam mudado de ideia. Em uma nova ligação, pediam que Gloria voasse até Los Angeles para gravar uma nova música, “Substitute”. A cantora odiou a composição, mas a gravou conforme o pedido, ainda vestindo um corretor de postura das costas ao pescoço e se movimentando pelos corredores sobre uma cadeira de rodas.

Os produtores também tinham em mente uma outra gravação, mas para o lado B do disco. Perguntaram que tipo de músicas Gloria gostava de gravar. “Músicas que tenham significado, com boas letras e que toquem o coração das pessoas”, disse.

Dino Fekaris e Freddie Perren entregaram a ela uma composição própria, de resiliência e superação baseadas na conturbada demissão de Fekaris da Motown Records. “Vocês querem enterrar isso no lado B? Isso é um sucesso!”, exclamou Gloria enquanto repassavam a letra a ela. Tratava-se de “I will survive”.

“No início eu tive medo/ Fiquei paralisada.” A música, que relatava a superação de um término de relacionamento, abria com versos de cunhos metafóricos e literais para a cantora. “Foi por isso que eu pude cantá-la com tanta convicção”, contou Gloria à Billboard, em 2009.

Gravada em cerca de 35 minutos e com boa parte da melodia improvisada, a música foi mesmo lançada no lado B do disco, sob protestos da cantora. O então agente e futuro marido de Gloria, Linwood Simon, passou a distribuir os discos a DJs de Nova York, com dois pedidos: 1) repasse a seus amigos e 2) toque o lado B.

A canção foi um sucesso instantâneo nas discotecas. Um ano havia se passado desde o lançamento arrebatador de “Os embalos de sábado à noite”. A música disco vivia seu auge, e sua rainha estava de volta ao trono. A música faturou um prêmio exclusivo, nunca dado antes ou depois de 1980: o Grammy de “Melhor gravação disco”. Gloria e sua “I will survive” derrotaram ninguém menos que Michael Jackson, que concorria com “Don’t Stop ‘Til You Get Enough”, e Rod Stewart e sua “Da Ya Think I’m Sexy?”.

O ápice da música disco foi breve. A virada para a década de 80 mudou também a tendência das casas de show e os interesses do público. Apesar disso, a canção de Gloria sobreviveu. Até os dias de hoje, “I will survive” vendeu 14 milhões de cópias e foi reproduzida incalculáveis vezes nas rádios do mundo todo. Geração atrás de geração, comunidade depois de comunidade, voltam a tocar a música, reapropriando sua letra e vibrando ao ritmo intenso da composição.

A música virou um hino de empoderamento, seja para mulheres, pessoas LGBTQIA+, ativistas e qualquer vítima de desamparo. Nos últimos anos, Gloria chegou a retomar a composição em sua jornada gospel, tamanha universalidade da letra. A canção entrou para o Hall da Fama do Grammy, em 2012, e para o Registro Nacional de Gravações da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, em 2016.

“A cada década que vivo, há uma razão nova pela qual as pessoas se relacionam com a música”, afirma Gloria no documentário. “Esse é um presente que me foi dado e que posso compartilhar com as pessoas.”

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Sobrevivendo no limite

Gloria e seu agente se casaram no fim de 1979, durante o ápice de sua carreira. Linwood se mostrava um marido abusivo e um agente de más decisões. Foi dele a ideia e a pressão para que a carreira da artista fosse direcionada à Europa, onde teve considerável sucesso em intermináveis turnês, mas em baixa produtividade criativa.

O retorno para os Estados Unidos nos anos 1990 foi motivado pela breve revitalização do disco. Novas pessoas passavam a descobrir os ritmos do gênero e a adotar “I will survive” como lema de vida e canção nas pistas. Gloria passou a ser convidada especial em programas de TV e teve a chance de apresentar a música a mais e mais jovens, perdurando até hoje como fenômeno cultural.

Em 2002, Gloria voltou aos estúdios depois de 15 anos sem novas gravações e quatro trocas de gravadora. O álbum “I wish you love” teve sucesso entre o público e garantindo boas posições para a cantora nas rádios. Mas foi em 2005 que ela obteve seu maior êxito daquela década: a separação de Linwood.

O abuso de drogas, má gestão comercial e “falta de amor” por parte de Linwood a motivaram a encerrar o casamento de 26 anos. O relacionamento não gerou filhos, desejo da artista negado pelo ex-marido. “Aquelas cicatrizes antigas”, referindo-se aos abusos de infância, “permitiram que essas coisas acontecessem”, conta Gloria no filme.

O renascimento de Gloria Gaynor

Sem companheiro e sem agente, Gloria retomou o caminho do sucesso com a assistente Stephanie Gold. Contratada logo após a separação, a artista precisava de um novo gerenciamento de carreira. Queria também realizar o antigo sonho de gravar um álbum gospel, desejo cultivado desde a década de 1980, quando se converteu ao cristianismo.

A mudança não foi fácil, mesmo com 19 álbuns gravados e sucesso em todos os cantos do mundo. Então sexagenária, era difícil que uma artista em determinada altura da carreira fizesse um giro tão grande em suas produções. “A gente passou de gravadora em gravadora e nenhuma achava que Gloria devesse mudar para o gospel”, revela Stephanie no documentário.

A resistência encontrada foi superada com o autofinanciamento do álbum “We will survive”, de 2013. Na mesma época, aos 71 anos, Gloria conquistava o diploma em Psicologia, pela Universidade de Walden, e as gravações do filme eram iniciadas para acompanhar a nova jornada artística da cantora.

Sua determinação a levou ao álbum “Testimony”, de 2019. De volta às gravadoras, agora pela Gaither Music Group, Gloria retomou o prestígio da crítica e do público com composições inteiramente novas. Exatos 40 anos após o primeiro Grammy, ela conquistava seu segundo prêmio, agora por “Melhor álbum gospel”, aos 75 anos. A música “Talkin’ ‘Bout Jesus” foi indicada ao prêmio de “Melhor música gospel”.

Ao avaliar as gravações do documentário sobre o processo criativo do álbum, Gloria afirma que “precisava contar o suficiente para ajudar as pessoas a entenderem pelo que passei, e que não só sobrevivi como também prosperei”. “Quero que as pessoas saibam que elas podem fazer o mesmo”, afirma em tom inspirador no filme.

Gloria Gaynor em Curitiba

Quando: 23 de setembro de 2024 (segunda-feira)

Onde: Teatro Positivo (Rua Prof. Pedro Viriato Parigot de Souza, 5300)

Abertura: 20h. Show: 21h.

Vendas: DiskIngressos (a partir de R$ 100)

Realização: CULT! Produções e Polarize Eventos

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