Inúteis e desocupados

A corrosão do setor artístico sob o governo atual

Há uma estratégia bolsonarista para diminuir as forças progressistas atuais, entre elas a arte e a cultura. Uma espécie de dividir para conquistar aplicado fora da legalidade e sem constrangimento direcionado às iniciativas artísticas. Isto é visto na forma em que a Secretaria de Cultura foi montada e como a arte e cultura são referidas sempre de forma odiosa explícita — inclusive com palavras de baixo calão.

O bolsonarismo faz colar o rótulo de desocupado e desnecessário a todos que defendam a pauta. Como isso é feito fora da legalidade e da ética, alguém tem que se manifestar pela legalidade e este papel coube à esquerda.

Arte e cultura, cuja participação ativa injeta bilhões na economia, e pela qual obtemos crescimento intelectual e criativo difíceis de serem mensurados, são vergonhosamente atacadas sem sentido crítico.

Se alguém sai publicamente em sua defesa é a esquerda. Nessa hora, a estratégia bolsonarista entra em cena rotulando seus defensores como pessoas que gastam o dinheiro público com inutilidades e que roubam o dinheiro da saúde para interesses próprios. Essa postura ensina a população a odiar todo o setor e acaba afastando a discussão do mais importante: a geração de trabalho, emprego, saúde mental, criatividade e pensamento crítico advindos das atividades criativas nacionais.

A estratégia bolsonarista está em afastar a pauta real colando o sentido de inutilidade à esquerda. Regredimos muitos passos para trás, gastamos tempo explicando o óbvio para gente brutalmente absurda até perder a empolgação sobre a melhora dos processos cognitivos, ampliação da capacidade de pensar e a sensibilização humana. Enfim, descemos o nível até a lama.

Então o que podemos nós os progressistas? Não abandonar a pauta e lembrar que nossa energia vital vem do fato de que lutamos contra o obscurantismo representado pelo antiarte e cultura — que é parente da anticiência. Nossa pauta é dar um não à burrice cega, à maneira seita religiosa de ser e à lavagem cerebral oriundas de uma sociedade sem pensamento crítico que acabam por eleger monstros como os da famiglia Bolsonaro.

A destruição da arte e da cultura não é cega, tão pouco fruto de idiotas despreparados e incompetentes. Pelo contrário, é projeto de poder com orientações precisas, que visam desconstruir a herança iluminista da humanidade, bem como o uso autônomo e critico da razão.

O que quer que tínhamos com o ex-Ministério da Cultura, foi e está sendo erodido e corroído por uma razão dogmática formada pela ofensiva orquestrada de uma aliança de projeto de poder entre setores reacionários de confissão protestante nas suas vertentes mais fundamentalistas. Um núcleo duro formado por neopetencostais e pela direita católica com objetivo de difundir uma visão de mundo que não coaduna com a herança cultural da humanidade. Essa visão tenta buscar uma conformação familiar e moral através de uma concepção de mundo anacrônica, sem espírito de humanidade, que desenha da sensibilidade, das formas de criação e do desenvolvimento da imaginação. Na perspectiva de fazer disso um poder constituído por diretriz a ser aplicada em nível nacional como grande projeto de poder que arrebanha neófitos, tal conformação é apresentada como diretriz que permeia todos os níveis humanos. O dogmatismo anacrônico quer ganhar as esferas sociais e por fim congelar mentes e corações.

Esse é o governo que não apenas fecha ministérios da cultura, mas também fecha conselhos científicos e desmonta cadeias produtivas complexas, priorizando projetos de arte simplistas e desconectados com o pensamento crítico contemporâneo.

A arte e a cultura no Brasil de hoje resumem em sua pauta a essência do combate ao obscurantismo. Se ela é assim tão importante, uma estratégia lógica das forças antiprogressistas seria a de tratar o assunto a como algo inútil e secundário.

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