Como Matar a Besta traz horror onírico

Coprodução entre Brasil e Argentina é estreia de Agustina San Martín nos longas-metragens com filme que mistura tema LGBT, surrealismo e vida na fronteira

Os filmes de horror têm algo em comum. Quando não são feitos apenas para causar sustos e espalhar pipoca pelos multiplex de shopping, eles carregam consigo alegorias. As histórias de terror são contadas desde nossos primórdios, desde as fogueiras, passando pelas mais diversas religiões, até a literatura e o cinema. Porque elas foram criadas para nos educar. O medo sempre foi um modo eficaz de fazer o ser humano andar na linha. E é sobre isso o longa-metragem de estreia da argentina Agustina San Martín, o intrincado Como Matar a Besta.

No filme, a jovem Emilia (Tamara Rocca) chega a uma cidadezinha na fronteira entre Argentina e Brasil, um lugar no meio do quase nada. Ela chega a esse lugar a procura do irmão que não tem dado notícias. Enquanto tenta encontrá-lo, se hospeda na casa de sua tia Inés, uma senhora solitária e dona de um pequeno hotel.

As conversas sobre se estar na fronteira se repetem ao longo da trajetória onírica que o filme propõe, entre dois países há “apenas uma linha imaginária”, alguém afirma. Assim, caminhamos entre o português e o espanhol, entre realidade e sonho, fato e ficção, medo e arrebatamento, o real e o surreal. Emilia tem dezessete anos e está ela também na fronteira para a vida adulta. Descobre sua sexualidade consciente de que os limites de seus desejos são imposições arbitrárias, tais como as linhas imaginárias que povoam os mapas. Acaba por se tornar um filme com o carimbo da luta LGBT, mas sem os panfletarismos que vem assolando o gênero.

Nas ruas do lugarejo, homens e mulheres procuram uma besta que os vem assustando. Aos gritos, como que caçadores de bruxas, armados de lanternas (não são tochas porque o tempo é o hoje), avisam que a besta está solta e precisa ser achada, que diversas mulheres a viram nos últimos dias. Caçam-na todas as noites.

Emilia, um tanto assustada, atravessa os dias tentando entender a si e o desaparecimento de seu irmão, deixando recados em sua secretária eletrônica, tal como quando ela canta a antiga cantiga que aprendeu com a avó, a música do boi da cara preta, essa também uma pequena história de terror. O boi da cara preta e a besta atravessam gerações e amedrontam as crianças e os adultos.

É sobre isso o filme e Agustina San Martín compõe um clima soturno para falar desses medos que estão sempre presentes. Confecciona uma cidade imersa na penumbra e na névoa, com um destaque importante para todo o trabalho sonoro de Mercedes Gaviria Jaramillo. São camadas e camadas de texturas criadas para gerar um clima de mistério e melhor emoldurar esse conto fantástico. A fotografia, por outro lado, muitas vezes funciona como um arremedo hollywoodiano de gênero, tentativa canhestra de nos aproximar do imaginário de fábulas tão onipresentes em filmes como os da Disney. Infelizmente, é um artifício que mais afasta do que compõe a experiência do espectador. Erro menor, porém, frente a uma obra tão repleta de sutilezas.

E a sutileza maior em Como Matar a Besta é a de falar sobre como é importante parar de temer nossos medos, principalmente quando são criados de forma arbitrárias, feito linhas no mapa.

O filme estará nos cinemas a partir de 28 de abril, sendo exibido pela Sessão Vitrine a preços reduzidos.

Como Matar a Besta – 2021, FIC, 79 min.

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