Fui ali, já volto

Relatos da capital portenha

Estou em Buenos Aires para um doutorado. Mentira, estou em Buenos Aires pelo vinho. Mentira, estou pelo churrasco.

Mentira, não sei o porquê de estar aqui, mas sei apreciar os bares que fecham uma da manhã. Aliás, tudo fecha uma da manhã até sorveteria. Isso é uma benção para quem tem arroubos criativos as dez da noite. A capital da Argentina é boa para os boêmios de alma esportista como eu que bebem uma garrafa de vinho a noite e saem correr as seis da manhã. Mentira, não tenho corrido tão cedo e a culpa é de todos esse lugares que teima em não fechar cedo.

Isso e também o amor que não tem me deixado dormir em Buenos Aires. É que quando bebo vinho entro em modo existencial profundo de ser e acabo indo atrás de bar de tango — que também não fecha cedo — para com minha câmera fotográfica registrar novos amigos recém feitos e juntos falarmos sobre amor desconhecido de fronteiras linguísticas e culturais. Assim, depois de umas taças choramos bêbados lágrimas em espanhol cantando por una cabeza que é o único tango que sei de-coração. Em Buenos Aires se pode chorar com qualidade.

Sim, o choro aqui é de primeira. Me refiro aquele nascido no Brasil. Pixinguinha aqui é ídolo. Quem dirá Chico e Caetano. Há choro para se amar chorando, alegrias para se fazer bebendo e amigos pra entornar fotografando. Um amigo fotógrafo me disse que a fotografia nos une como amigos. Diria hoje que a fotografia é linguagem capaz de unir amigos em qualquer língua.

Buenos Aires é boa para se autorizar aos amores, mas também às sofrências dos males brasileiros. O descaso do governo atual com a herança iluminista da humanidade já estava me deixando deprimido e aqui tenho a felicidade de ver a arte sendo tratada como coisa séria pelo Estado e as grosserias anticiência sendo tratadas como crime. No elevador do meu prédio há um adesivo que diz ‘use máscara ou alguém vai chamar a polícia’. Como seria bom fazer com que os idiotas brasileiros servissem apenas ao papel de loco de boteco ao invés de papel de ministros.

Estou em Buenos Aires para o choro, mas acabou chorare. Sobrou o vinho, a carne. Tudo lindo. Trocar de aires faz mesmo bem. Amare é dádiva dos boêmios. Tanguear com desconocidos no boteco requer vinho e uma câmera, mas sobretudo um bar com horários incertos para fechar.

Vim pra Buenos Aires pra um doutorado. Mentira, vim viver.

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