Tempos bicudos – hoje, ontem, anteontem…

Francisco Camargo relembra que o medo do comunismo sempre foi usado pelos poderosos de plantão para continuar no comando do país

No livro Folclore Político, Sebastião Nery conta uma envolvendo o Barão de Itararé. O texto, inclusive, foi transcrito pela Revista de História da Biblioteca Nacional, na página Almanaque, edição de julho de 2012. Título: Café fora da lei. O episódio:

O jornalista e mestre do humor Aparício Torelly (1895-1971), Barão de Itararé, acabou preso pela ditadura do Estado Novo  (1937-1945). Motivo, e não poderia ser outro: sátiras que fazia ao regime. Em 1938, foi interrogado pelos juízes do terrível Tribunal de Segurança Nacional.

Aparício Torelly, o Barão de Itararé.

“O senhor sabe por que está preso?”

“Sei, sim. Porque desobedeci minha mãe.”

“Não entendi.”

“Muito simples, doutor juiz. Eu sempre gostei muito de café. Minha mãe reclamava: meu filho, não tome tanto café que um dia você vai se dar mal. Eu desobedeci e continuei tomando café. No mês passado, estava eu com alguns amigos tomando cafezinho na Galeria Cruzeiro, chegaram os homens da polícia e me levaram. Minha mãe tinha razão: eu ainda ia me dar mal por causa do café. E me dei.”

O interrogatório foi encerrado.

Agora, o tchutchuca

Já o caso do ministro Paulo Guedes, da Economia, chamado de tchutchuca durante audiência sobre a Reforma da Previdência, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, levou algumas pessoas (nada afeitas à internet) a se socorrer no Aurélio – na vã tentativa de decifrar a dita cuja palavra. Embora o deputado Zeca Dirceu (PT-PR) tenha deixado bem claro que o ministro age como tigrão em relação a aposentados e tchutchuca com a “turma mais privilegiada do nosso país”.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, bate-boca com o deputado Zeca Dirceu (PT-PR) durante audiência sobre a Reforma da Previdência. Crédito da foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr

E há quem tenha recorrido até ao Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Morta – Palavras Que Sumiram do Mapa, de Alberto Villas, Editora Globo, 2012.  Mas também sem sucesso. Valeu a pena, porém, já que a obra, 302 páginas, traz exemplos da “mutação vernacular”. Exemplos:

– Abafar = fazer sucesso.

– Barão = notas de 1 cruzeiro, 5 cruzeiros e mil cruzeiros.

– Baratinha = carro conversível.

– Tranchan = chique, elegante.

– Víspora = bingo.

– Velocípede = brinquedo infantil.

– Borocoxô = triste, cabisbaixo, desanimado.

– Bebê Johnson = criança bonita.

– Meia soquete = meia de cano curto.

E há palavras que nunca saíram do dicionário, ou seja, nunca foram utilizadas de maneira corrente, em conversa informal, descontraída. Notadamente em papos de boteco. Alguns casos: o adjetivo escorreito. Sem defeito ou lesão. Apurado, correto.

Nefelibata: s.m. e s.f. – Pessoa que busca se esquivar da realidade; quem vive nas nuvens.

Onicofagia: sf, Roedura habitual de unha.

Aziago – adj. Agourento. V. Infausto.

Aluir – vtd. Fazer vacilar; abalar; pôr abaixo, derribar. É, derribar existe, sim.

Palavras têm vida

Ainda a propósito das palavras, a revista Pesquisa, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), publicou artigo com o título “A vida das palavras”. Assinado por Igor Zolnerkevic (edição de julho de 2011), o texto informa que físicos e linguistas examinam a evolução do vocabulário de comunidades. E admitem: ninguém sabe exatamente quantas palavras nascem a cada momento, mas têm certeza de que “a imensa maioria delas é raramente usada, geralmente esquecida”. Tal qual crianças órfãs.

É que existem muito mais palavras do que um único ser humano conseguiria aprender ao longo da vida. A revista informa ainda que “o serviço de busca Google registrou 13 milhões de palavras distintas em língua inglesa e usadas pelo menos 200 vezes em páginas na internet até 2006, enquanto pesquisadores estimam que o tamanho do vocabulário de um adulto com bom nível educacional não ultrapassava 100 mil palavras”.

No mais, há quem lamente que a revista Pesquisa, da Fapesp, tenha deixado de circular no velho esquema do papel, virando  site.

Eleição? Só promessa

Estado Novo foi o período em que Getúlio Vargas (1882-1954) governou o país de 1937 a 1945. Um governo ditatorial. A promessa era de que em janeiro de 1938 haveria eleições presidenciais. Mas, sob a alegação de que havia um suposto plano comunista (Plano Cohen) e aproveitando o momento de instabilidade política pelo qual passava o país, Getúlio deu um golpe de estado em 10 de novembro de 1937. Vargas contou com o apoio de grande parte da população (principalmente da classe média com medo do comunismo) e dos militares.

Plano Cohen: um documento revelado pelo governo brasileiro que continha um suposto plano para a tomada do poder pelos comunistas. No dia 30 de setembro de 1937, o general Góes Monteiro (1889-1956), chefe do Estado-Maior do Exército, noticiou, pelo programa radiofônico Hora do Brasil (que em 1971 passaria a se chamar A Voz do Brasil), a descoberta de um plano cujo objetivo era derrubar o presidente Getúlio Vargas. Segundo o general, o Plano Cohen, como passou a ser chamado, tinha sido arquitetado, em conjunto, pelo Partido Comunista Brasileiro e por organizações comunistas internacionais. Anos mais tarde, porém, ficaria comprovado que o documento foi falsificado com a intenção de justificar a instauração da ditadura do Estado Novo, em novembro de 1937.

Góes Monteiro foi o responsável por noticiar o suposto plano comunista de tomar o poder, o chamado Plano Cohen.

Com “ajuda” da Hungria

Em 1945, com o Estado Novo já em crise, o general Góes Monteiro isentando-se de qualquer culpa no caso, revelou que o Plano Cohen não passara de uma fraude produzida oito anos antes, para justificar a permanência de Vargas no poder e reprimir qualquer tipo de ameaça comunista. Para garantir mais veracidade ao plano, a cúpula militar responsável pela “descoberta” do documento deu-lhe o nome de Cohen, numa referência ao líder comunista Bela Cohen ou Béla Kun (nascido Béla Kohn em 20 de fevereiro de 1886, Szilágycseh, atual Cehu Silvaniei, Transilvânia, Romênia, e falecido em 29 de agosto de 1938, na União Soviética). Cohen foi um político comunista húngaro judeu que governou a Hungria entre março e julho de 1919.

De acordo com o general Góes, o documento tinha sido escrito pelo capitão Olímpio Mourão Filho (1900-1972), na época, chefe do serviço secreto da Ação Integralista Brasileira (AIB), partido de apoio ao governo Vargas. Mourão Filho, por sua vez, admitiu ter elaborado o documento a pedido de Plínio Salgado (1895-1975), dirigente da AIB, afirmando, porém, tratar-se de uma simulação de insurreição comunista, apenas para efeito de estudos e utilizado exclusivamente no âmbito interno da AIB. No entanto, uma cópia do documento chegou ao conhecimento da cúpula das Forças Armadas, que, por intermédio do general Góes Monteiro, anunciou o Plano Cohen como uma ameaça iminente.

Plínio Salgado teria sido o criador do Plano Cohen, a deixa para Getulio Vargas decretar o Estado Novo.

E o mundo continuou tangido por muitas lambanças.

 

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