O lado sinistro da$ seringa$ – ontem e hoje

Vale lembrar que, em 1904, no Rio de Janeiro, o “remédio” contra a varíola também fazia parte de um plano para remover favelas e, assim, embelezar e valorizar certas áreas da então capital do país

A saúde do povo é a suprema lei. A frase é bonita, mas será mesmo a suprema lei? Um texto publicado aqui, no dia 9 de dezembro do ano passado, abordou a chamada revolta da vacina. E merece, mesmo que tardiamente, uma ressalva. Foi no Rio de Janeiro, em 1904, que a vacinação tornou-se obrigatória para combater a varíola. E o projeto foi aplicado de forma autoritária, com pouca informação a respeito: agentes sanitários invadiram casas e vacinaram pessoas à força, provocando reação popular, que entraria para a história como uma (estranha e desconcertante) rebelião.    

Afinal, grande parte dos habitantes não sabia do que se tratava a substância e até temia ser infectada pelo vírus a partir da injeção. E havia ainda, entre favelados, o medo de que alguém, aproveitando o momento de ninguém em casa, ou por perto, promovesse furtos em seus casebres.  

Revolta contra a obrigação da vacinação contra a varíola. Foto: reprodução.

Viver é (mesmo) perigoso  

Aí, depois de ler o Plural, há quem tenha mantido outro hábito altamente recomendável: comprar um exemplar da revista Aventuras na História, da Editora Caras. E temos em sua edição 220, como assunto de capa, Os 20 anos do 11 de setembro. Poderia ser diferente, mas, como se trata de uma publicação de primeira linha, há quem tenha sido fisgado por uma pequena chamada na capa, que o remeteria a outro assunto: Vacina: a revolta que tomou as ruas do Rio de Janeiro. Horas depois, durante a leitura, ficou meio nocauteado com um registro. Isso em função do que aprendeu na escola e foi reforçado, depois, por livros de história.  

Removendo os pobres  

Rio/cidade doente é o título do texto de Celso Miranda. E aí temos que Rodrigues Alves assumiu a presidência em 1902 prometendo trazer o país para o novo século – e viu naqueles cortiços um obstáculo a ser removido. A ideia era abrir novas avenidas, ruas e praças e, ao mesmo tempo, afastar do centro da cidade os moradores pobres

Tal inspiração vinha das obras realizadas alguns anos antes, em Paris: “o barão Haussmann havia conduzido uma reforma geral que acabara com grande parte das antigas vias e construções medievais. Grandes avenidas e parques tomaram o lugar dos bairros operários”. 

Rodrigues Alves. Foto: reprodução.

Dos tumbeiros aos morros  

Por que a grande maioria dos favelados do Rio de Janeiro não descia para a cidade? Porque os favelados viviam (sobreviviam) num espaço ocupado por miseráveis, a tal ponto que, se deixassem momentaneamente os morros, seus casebres certamente seriam invadidos e saqueados por alguns vizinhos. Seria a lei da sobrevivência, tanto que os navios negreiros que transportavam africanos até o Brasil passaram a ser chamados de tumbeiros porque, com fome e sede, grande parte da mão de obra escrava morria durante a viagem. Mas isso não tinha importância para aos donos do poder.  

PS: E a CPI da Covid? Entre (muitas) outras irregularidades já denunciadas está uma transação cujo preço acertado pelo governo, para um imunizante, ficou 1000% mais caro do que o valor inicial. Outra: para o transporte de insumos, foi recomendado um pagamento de 18 vezes o valor estabelecido pelos técnicos do Ministério da Saúde. E isso é só a pontinha da(s) agulha(s).  

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