A Curitiba de hoje, ontem e anteontem

Muitas coisas antigas ainda têm forte presença na cidade e continuam à disposição de um público cada vez maior

Deixando de lado a Boca Maldita, famosa nos velhos tempos, há quem, de volta a Curitiba depois de alguns anos, tenha ficado meio surpreso – mas contente. A Casa do Fumo, inaugurada em 1956, continua firme no pedaço. Bom atendimento e, para quem utiliza isqueiro Zippo (Premium Lighter fluid, clean burning, fast ignition, low odor) e precisa renovar o estoque de fluído, pavio e pedrinhas de isqueiro, ela continua lá – com o mesmo atendimento 100%, na Rua Saldanha Marinho, bem ao lado da Catedral.

Criada por Fritz Meissner, um descendente de alemães, passou a ser comandada por um antigo funcionário, João Alves Antunes. E, mesmo justificando plenamente o nome, passou a incluir nas vendas imagens de santos, velas e peças de gesso. Temos agora uma tabacaria recheada de artesanatos – a arte e técnica do trabalho manual não industrializado, realizado por artesão, e que foge da produção em série, com finalidade ao mesmo tempo utilitária e artística.

Um paiol (antes) perigoso

E o Teatro Paiol? Continua lá, depois de um período de total abandono. Um paiol vazio. Quando construído em 1874 para abrigar pólvora, não se imaginava que quase 100 anos depois iria servir para uma finalidade totalmente diferente: palco para abrigar shows musicais e peças de teatro.

O Governo Provincial do Paraná entregou o tal paiol no dia 5 de janeiro de 1874, com assistência do presidente da Província Frederico José Cardoso de Araújo Abranches, do Engenheiro Francisco Antônio Monteiro Tourinho e de outras autoridades. À época, estava localizado “no vale do ribeirão do Água Verde, a 2 kilometros da cidade”. Ribeirão: um curso de água maior do que um regato, mas menor que um rio, em terreno próprio para a lavra de minas de diamante. Lavra é um termo que pode ter diferentes significados: extração e beneficiamento de metais, na mineração; já na agricultura é a ação ou efeito de lavrar, ou seja, de preparar a terra para o cultivo.

E, na arte, é a ação de bordar, forjar, cunhar ou realizar ornamentos em diferentes materiais. Junto com o paiol foi entregue também outro edifício, que serviria como depósito de artigos bélicos: armas, munições, granadas, facas e baionetas.

O circo e a Boca Maldita

Mais uma coisa famosa: o Circo Irmãos Queirolo. Fez história, como a Boca Maldita, que, no final da XV de Novembro, também teve seu tempo áureo. Surgiu, ou foi batizada, em 1956. Hoje, no entanto, com a enxurrada de celulares e mais o facebook, as conversas em grupo tomaram outro rumo. A Boca Maldita era uma confraria organizada por um grupo que se reunia na antiga Avenida João Pessoa, atual Avenida Luiz Xavier, no centro de Curitiba, para conversar e trocar ideias a respeito do desenvolvimento da cidade e do cenário político local e nacional. Sempre com certa dose de maledicência.

Ou seja: fofocas, difamações, fuxicos, mexericos, mordacidades… Maledicência se refere à prática de falar mal ou difamar alguém, geralmente de forma injusta e mal-intencionada. Também conhecida como calúnia ou difamação, envolve a disseminação de informações negativas sobre uma pessoa, com o objetivo de prejudicar sua reputação ou causar danos à sua imagem. Mas, e não em poucos casos, ela vem a calhar e é altamente recomendável. Basta lembrar a tal gripezinha…

Um jornalismo de fato

Marcou época também o jornal Última Hora, com sucursal em Curitiba. Tremendo sucesso. E no dia 16 de em 1984, reuniu no Hotel Slaviero jornalistas e amigos da UH, mais precisamente 31 pessoas – tanta gente que, para posar para foto do encontro, a metade ficou em pé e os demais agachados ou deitados no chão… E eu, ainda um piá, estou na foto – é que, office boy (menino de escritório) na sucursal da Última Hora em Curitiba, no Edifício Asa, meu primeiro emprego, era bem tratado pelos jornalistas. Minha rotina: entregar as faturas para os anunciantes e, depois, receber o pagamento dos anúncios. Fornecendo o devido recibo.

A lamentável última edição

Em 25 de abril de 1971, a Última Hora rodou sua última edição. O jornal, criado pelo jornalista Samuel Wainer, começou a circular no dia 12 de junho de 1951. Com perfil marcadamente político e favorável a Getúlio Vargas, evidenciando as realizações do seu governo. Samuel foi trabalhar por um breve período no Domingo Ilustrado, de seu antigo concorrente Adolpho Bloch, e, depois, foi para a edição de São Paulo da Última Hora, que havia sido vendida para a Folha da Manhã S/A. Seu último trabalho foi como editor-assistente da Carta Editorial e da Editora Três, que conciliou com um posto de colunista da Folha de S. Paulo, onde assinava texto com as iniciais SW.

O triste fim de Samuel Wainer

Samuel Wainer, em russo Самуил Хаимович Вайнер, nascido Samuel Haimovich Wainer (Edineț, 19 de dezembro de 1910 — São Paulo, 2 de setembro de 1980), imigrou para o Brasil com 6 anos de idade, junto com seus pais (Dora e Jaime), judeus russos da região da Bessarábia. Foram morar na capital paulista, no bairro do Bom Retiro. Ao longo da vida, Samuel se afastou da religião judaica, chegando a se casar com mulheres não-judias, para desgosto da mãe. Seu pai, diferente de boa parte dos demais imigrantes, não prosperou como comerciante e, até o fim da vida, vivia de negociar bugigangas e móveis usados. Morreu em 1958, quando foi encontrado caído em uma rua de São Paulo em estado de coma.

Óculos escuros no trabalho

Por não ter sido alfabetizado em português, Samuel tinha dificuldades com o idioma. Seus primeiros trabalhos como jornalista foram em publicações israelitas de baixa circulação no Rio de Janeiro. Foi também vendedor de óleo lubrificante e leiloeiro de tapetes persas falsificados e outros objetos de má qualidade, trabalho do qual tinha vergonha e que executava de óculos escuros para não ser reconhecido. Na época, pobre, morava num pequeno apartamento no centro de São Paulo, onde dormia num sofá-cama e mantinha sua máquina de escrever em cima de uma cadeira pela falta de uma mesa…

De volta a Curitiba

Cidade Sorriso? Curitiba ganhou do jornalista e caricaturista sergipano Hermes Fontes o cognome “Cidade Sorriso”, em 1929, em uma visita à capital. O título contradizia a fama de uma população fria e distante. Da mesma forma, um levantamento feito pela revista Bula em 2020 elegeu Curitiba como uma das cidades mais felizes do Brasil.

E o nome Boca Maldita foi dado pelo jornalista Adherbal Fortes de Sá, um dos grandes nomes da imprensa paranaense até hoje. E a máxima do Adherbal pegou:

– Se a Boca falou tá falado…

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