A sub-representação feminina na política paranaense

A ALEP teve a sua primeira deputada somente em 1947, trata-se de Rosy de Macedo. Instituição essa que foi fundada há quase 100 anos antes desta data, em 1854. Quando analisamos a representação feminina na Mesa Diretora, a situação se acentua

Os dois primeiros textos desta coluna foram a respeito da renovação política e, como demonstrado, os números são elevados. Não obstante, esta renovação ainda não foi suficiente para melhorar a condição das mulheres na política brasileira, da qual é precária. Tanto que nos últimos anos temos visto esforços de políticos em melhorar essa situação com criação de cotas tanto para chapas eleitorais quanto para o financiamento e até discussão de reserva de cadeiras.

Os dados levantados pela ATENEA em 2020 – projeto para acelerar a participação política das mulheres na América Latina com informações sistemáticas e periódicas – dão bases sólidas a estas afirmações, colocando o Brasil apenas em 9º lugar entre 11 países avaliados. Estes dados são organizados em oito eixos, e o Brasil se destaca na pontuação baixíssima em relação à efetividade da lei de cotas no país, seguida pelos compromissos institucionais brasileiros em relação à igualdade de gênero; além do reduzido número de deputadas federais representadas em 15% no parlamento.

Quando se fazem as análises a nível local, a situação piora. Os municípios, no ano da pesquisa, contavam com 11,5% de prefeitas e 13,5% de vereadoras. Nos cargos executivos estaduais os números são vergonhosos, há apenas uma governadora, Fátima Bezerra (PSB) do Rio Grande do Norte, e as mulheres ocupam apenas 15,5% cadeiras nas Assembleias Legislativas.

No estado do Paraná a situação é crítica, também. Esta coluna fez um breve levantamento numérico das deputadas. A ALEP teve a sua primeira deputada somente em 1947, trata-se de Rosy de Macedo. Instituição essa que foi fundada há quase 100 anos antes desta data, em 1854. Quando analisamos a representação feminina na Mesa Diretora, a situação se acentua. Em 168 anos, apenas três mulheres estiveram presentes na mesa executiva. Estas deputadas foram Cida Borghetti no período de 2007-2010 pelo PP, Arlete Caramês no período de 2003-2006 pelo PPS e Vera Antônia Agibert no período de 1987-1988 pelo PMDB. Atualmente possui apenas cinco deputadas (9,25%), sendo que nenhuma está na mesa diretora, e nas comissões permanentes só são presidente ou vice-presidente de duas (Defesa dos Direitos da Criança, do Adolescente, do Idoso e da Pessoa com Deficiência e a de Defesa dos Direitos da Mulher).

Para melhor compreender como estes dados refletem no dia-dia das políticas brasileiras, conversamos com duas parlamentares paranaenses atuantes na causa: Mabel Canto (PSDB), deputada estadual em primeiro mandato, ex-candidata à prefeitura de Ponta Grossa e uma das autoras do projeto da Bancada Feminina na ALEP; Maria Leticia (PV), vereadora de Curitiba em segundo mandato, pré-candidata a deputada estadual e procuradora da mulher.

Iniciamos com a pergunta sobre o Projeto de Resolução 05/2022, de autoria de todas as deputadas estaduais femininas, que busca criar a Bancada Femininana ALEP, 21 anos depois da criação desta mesma bancada na Câmara Federal. O projeto já começou a incomodar alguns parlamentares, entre eles o deputado estadual Homero Marchese (Republicanos) que atacou a proposição na CCJ e em seu discurso no plenário – ela está correndo entre as comissões e logo deve chegar ao plenário para votação.

A respeito do projeto e seus possíveis resultados práticos, as parlamentares comentaram:

MABEL CANTO: “Como nós sabemos, infelizmente somos poucas aqui dentro, de 54 somos apenas 5 mulheres, isso tem um impacto direto na tramitação de projetos em prol das mulheres. Eu quando cheguei aqui na Assembleia, as próprias deputadas me relataram que havia uma certa dificuldade nestes projetos. Realmente isso foi muito perceptível durante todo mandato. Esse próprio projeto da liderança feminina, nós apresentamos ele e encontramos alguns obstáculos aqui dentro. Mas, conseguimos aprovar na CCJ e agora ele está tramitando. Penso que será aprovado com o voto, senão de forma unânime, da grande maioria, ainda mais em ano de eleição. Acho que ele contribui, pois dá essa voz à mulher diretamente. Uma mulher ser líder da bancada feminina mostra que nós temos representatividade, temos esse empoderamento da mulher, somos a maioria lá fora e esperamos que nas próximas eleições, a gente consiga inspirar cada vez mais mulheres não só a participar na política diretamente, mas também de votar nas mulheres. Penso também que as mulheres não defendem só as pautas das mulheres, elas defendem pautas sociais que são bem importantes em todo contexto político. Então, a gente espera que ainda neste ano consiga aprovar o Projeto de Liderança Feminina, passe em plenário e seja sancionado.”

MARIA LETICIA: “Deixa eu primeiro contextualizar que nos municípios e estados há sempre um atraso nas ações que as mulheres fazem no país. A Procuradoria da Mulher existe na Câmara Federal desde 2009, e trouxemos o projeto em 2019, eu apresentei aqui na Câmara [Municipal de Curitiba] e a [Deputada] Silvestri, que é procuradora do estado, apresentou junto comigo, quantos anos depois da Câmara Federal? Na mesa [diretora] é muito pior. Aqui na Câmara temos hoje uma 2ª Secretária mulher, porque conseguimos articular isso, vejo aqui que tenho meus créditos nisso, na composição da mesa eu participei com o bloco e nós conseguimos colocar a [vereadora] Josete na 2ª Secretária. É uma coisa excepcional em todas as razões, a Josete está no quinto mandato e é a primeira vez que ela vai para a mesa. Foi a primeira vez que tivemos uma mulher nessa posição da mesa, nos demais anos, eu mesmo ocupei a 4ª Secretária, me lembro que a [vereadora] Noemia Rocha ocupou a 4ª Secretária, a outra vereadora Julieta Reis, também. Então são sempre cargos sem poder de decisão, sem poder discutir na mesa. Ter essas frentes é fundamental até para fazer um movimento de pressão, já que existimos e estamos nos organizando – é o que precisamos fazer nós mulheres, não só na política mas de modo geral. Eu acompanhei o projeto lá [na ALEP], ele acabou sendo aprovado, mas tiveram que recuar e não conseguiram aprovar as cotas [para a Mesa Diretora], só aprovaram as presenças das mulheres, quer dizer que podemos continuar na 4ª Secretária da mesma forma. Então, houve uma articulação, na minha opinião, que não foi favorável às mulheres, acabamos de certa forma recuando no momento mais importante, devia ter mantido posição para garantir cotas. Qual o problema de ter 30% de mulheres na mesa né? Mas nesse mundo machista que enfrentamos…”

Deputada estadual Mabel Canto (PSDB). Foto: Pedro Oliveira/ALEP.

As eleições estão vindo, e para termos uma melhor concepção de como as candidaturas femininas estão sendo coordenadas para o pleito deste ano, perguntamos à deputada e à vereadora se neste período pré-eleitoral, elas têm observado as movimentações das pré-postulantes aqui no Paraná e se haverá uma maior mobilização, inclusive, por parte dos partidos. Elas comentaram o seguinte:

MABEL CANTO: “Nós temos mulheres realmente inspiradas a entrar na política, motivadas, vendo trabalho de outras mulheres e se inspirando para estar nesse meio. Por outro lado, nós temos aquele velho lado da política de engajar mulheres de forma laranja, justamente para atingir as cotas dos partidos, é muito perceptível e a gente tenta combater isso a todo momento, mostrando para as mulheres que elas têm que estar nesse espaço, sim! E não podem ser usadas por ninguém para esse objetivo. Acho que os partidos estão se organizando. Nós, por exemplo, no PSDB estamos com uma questão feminina muito forte, temos eu e a deputada Cristina Silvestri, você veja, das cinco deputadas, duas estão no PSDB. Estamos tentando motivar cada vez mais as mulheres a entrarem na política. Então, é importante que a gente busque inspirar essas mulheres. Como te falei, é um trabalho que a gente faz durante todo o mandato, engaja, faz reuniões. Eu fui candidata em Ponta Grossa à prefeita, antes mesmo de eu ser candidata, nós já estávamos fazendo esse trabalho para ter mais mulheres disputando a Câmara de Vereadores, e a minha chapa foi a que mais teve mulheres na época. Então isso é gratificante, ver que as mulheres estão engajadas e inspiradas a ocupar esse espaço, também.”

MARIA LETICIA:Eu acredito nisso. Talvez, seja um pouco de fé e esperança. Mas, acredito que sim, vai ser uma eleição diferente. Tenho acompanhado a candidatura de várias mulheres aqui em Curitiba para os cargos estaduais e federais. Na última eleição para a Câmara Municipal já tinha visto boas candidatas que ficaram muito próximas de ocupar cadeiras, fizeram excelentes votações, porém, acabaram não se elegendo porque não estavam em um melhor partido para aquele número de votos, afinal, tem meninas que chegaram a fazer muito mais votos que vereadores que estão aqui. Então eu vejo isso com clareza, o número de mulheres que têm vontade de participar aumenta, bons nomes estão começando a surgir e a gente já viu na vereança uma eleição que apontou mulheres interessantes. Agora, eu vejo a mesma movimentação, elas estão se organizando.”

Vereadora Maria Leticia Foto: CMC.

Por fim, também perguntamos como as parlamentares acreditam ser os melhores caminhos para efetivar a participação feminina seja amplamente alcançada, quem sabe chegando a condições de igualdade com a masculina. O que elas acreditam:

MABEL CANTO: “Olha se fosse para pensar de fato assim, criaria uma lei para acabar com o machismo totalmente [risos], porque infelizmente a mulher ainda não está inserida totalmente no espaço político, muito por conta do machismo, por conta das funções que as mulheres têm ocupado na sociedade. Uma mulher é mãe, dona de casa, trabalha fora e tem uma dificuldade de entrar – justamente por conta dessas questões sociais – no ambiente político. Eu por exemplo, vou e volto para Ponta Grossa todos os dias, chego na minha casa e tenho dois filhos para cuidar, sou esposa, também e, por mais que tenha alguém que me ajude, a casa tem os olhos da mulher. Então, não é fácil ser mulher na política e infelizmente a gente enfrenta muitas barreiras. Quantos homens olham para as mulheres e acham que elas não são competentes para ocupar cargos de relevância? Então se eu pudesse mudar uma coisa, seria justamente esse machismo estrutural na sociedade, impondo à mulher um papel secundário e não um papel de protagonismo. Mas, com a união das mulheres, a gente está conseguindo mudar um pouco essa situação. Estamos com mais mulheres engajadas no ambiente político e em outros setores, estamos cada vez mais alcançando esse espaço que é de direito de todas nós.”

MARIA LETICIA: Bom, acho que nós já estamos trabalhando nesse sentido. Essa igualdade, esses espaços ocupados não dependem só das mulheres, a gente tem que criar uma consciência comum entre homens e mulheres na sociedade para que isso seja claramente percebido. “Por que é legal termos mulheres na política?”, tem que ter essa percepção e entendimento para trabalhar a favor disso. Então, é cultural de médio e longo prazo. A gente sabe que quanto mais mulheres vierem, mais igualdade e espaços elas vão ocupar. Não é só cargos eletivos, essa questão atinge um horizonte enorme e eu já vejo melhoras, vou te dar um exemplo: eu sou médica há 36 anos, na minha época éramos seis mulheres e o resto tudo homem, essa semana fui dar palestra numa turma de medicina no Pequeno Príncipe, tem um punhadinho de homens, o resto é todo de mulheres. Então, acaba que, organicamente, se inverteu, essas meninas conquistaram esse espaço legitimamente. Nós sabemos das capacidades das mulheres, muitas são incríveis mas não têm oportunidade, e aí alguns homens medíocres são favorecidos por articulação e outros fatos políticos, e estão ocupando os espaços. Então, isso faz com que as mulheres ainda não tenham espaço, porque a desigualdade não está na capacitação da mulher, está na falta de oportunidades que ela tem de disputar em condições de igualdade. Mas é isso, nós somos mulheres capacitadas que não tem oportunidade, e é preciso que mulheres votem em mulheres, pois assim temos mais chances.

As parlamentares estão em constante ação para aumentar a participação feminina na política, seja em âmbito municipal ou estadual. Ambas convergem em uma ideia: o aumento da participação feminina passa por todos os eleitores, independente do gênero. Nós, pensando em uma situação melhor para as mulheres na política, não devemos nos restringir na discussão por reformas institucionais com normas mais inclusivas, mas sim, ir à prática, tal como, dar maior atenção às candidaturas femininas na hora de decidir o voto!

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