A cilada da simplificação do “votou com o governo” no Congresso

Os votos no Congresso envolvem diversas variáveis, e análises meramente numéricas levam a erro

Quem está acompanhando o debate em torno das eleições deve ter visto recentemente uma crítica direcionada a candidatos que teriam um ‘‘alto alinhamento ” com o governo Bolsonaro no Congresso Federal. Vemos críticas voltadas à presidenciável Senadora Simone Tebet (MDB-MS) que consta com uma taxa de governismo de 85% (Radar do Congresso), mesmo essa fazendo declarações contra a atual gestão, além da atuação na CPI da Pandemia. Mas afinal, o que é essa “taxa de governismo”? E qual o problema de utilizá-la rigorosamente, sem levar o lado crítico, para atacar um adversário político?

Primeiro vamos olhar os números apresentados por duas plataformas que trazem esses dados: o Basômetro, mantido pelo jornal Estadão e o Radar do Congresso, mantido pelo site Congresso em Foco.

Como dissemos anteriormente, segundo o Radar do Congresso, a presidenciável e senadora Simone Tebet possui uma taxa de governismo de 85% e sofre críticas devido a este dado, mas é importante ressaltar que a média no senado é de 82%, e o senador Randolfe Rodrigues (REDE-AP) possui a menor taxa com 62%. Lembremos que ambos foram abertamente críticos ao governo e ativos na CPI da COVID-19.

Olhando para a Câmara, vemos um alinhamento de 74% com o Governo, o que levaria a pensar que ele a tem na mão, o que, como podemos ver no noticiário, é exatamente oposto. A Câmara, principalmente aqueles do “centrão”, é quem pautam o governo Bolsonaro, que permite para garantir a sua permanência no cargo. Tanto, que propostas mais sensíveis ao governo na “era Maia” na Câmara de Deputados foram, em muito, alteradas ao que se propunha, como a reforma da previdência ou o auxílio-brasil.

O Basômetro por outro lado, diferente do Radar, possui apenas dados da Câmara, porém é possível observá-lo desde o primeiro governo Lula. Segundo o site, o alinhamento com o governo Bolsonaro é acima da taxa histórica de 75%, porém se olharmos os governos anteriores, todos ficam acima dessa média, com exceção do segundo governo Dilma, que teve uma taxa de 65%. Olhando para os partidos, e como era de se esperar, existe uma alta taxa de governismo nos partidos do “centrão” em todos os governos.

Ou seja, ambas plataformas demonstram uma alta taxa de governismo no atual governo (Radar e Basômetro) e em governos anteriores (Basômetro), mas qual é o problema de se utilizar apenas desses números para tecer críticas a parlamentares?

Para entendermos como funciona e o problema do cálculo da taxa de governismo dos parlamentares, primeiro precisamos entender a figura do Líder do Governo e o encaminhamento de voto. O Líder do Governo é um parlamentar escolhido para representar os interesses do Poder Executivo no Congresso Federal, sendo um Deputado para a Câmara e um Senador para o Senado, uma de suas funções é o encaminhamento de voto – uma recomendação a ser seguida pelos parlamentares integrantes da base do governo -, ou seja, caso o Poder Executivo esteja interessado na aprovação de uma proposição, o Líder de Governo irá encaminhar para que o voto da base seja pela aprovação!

Mas qual a metodologia destas medições? O Radar do Congresso em Foco não deixa muito clara a sua metodologia (se falhamos em encontrar, notificaremos na próxima coluna), no máximo cita brevemente em seus textos, como quando analisaram o governismo do Deputado Federal Tiririca, observando quantas vezes o parlamentar seguiu com a liderança do governo.

Quanto ao Basômetro do Estadão, este é mais claro, todavia, ao que tudo indica, é semelhante à medição do Radar, ou seja, mede o governismo dos deputados e partidos na Câmara, calculando quantos votos seguiram a orientação do líder do governo, percentualmente. Por exemplo, caso a indicação seja “sim”, apenas votos “sim” são considerados governistas. Todos os demais (“não”, “obstrução” ou “abstenção”) são considerados votos oposicionistas. Quando o governo não registra uma orientação e libera o posicionamento da bancada, os dados relacionados são descartados. Assim, as taxas de governismo e assiduidade dos parlamentares são calculadas levando em consideração apenas as votações em que o Executivo assumiu posição explicitamente.

Esta fórmula possui o seu valor e, muitas vezes, nos sugere algo, porém, é ainda muito incompleta. É preciso saber se estas medições distinguem a natureza que está sendo votada. Muitas vezes uma proposta de autoria do governo ou de um determinado parlamentar, pode ter sofrido severas emendas ou até mesmo uma emenda substitutiva, e o seu teor ter sido completamente alterado. Caso isso aconteça, o projeto sendo aprovado, serão considerados governistas aqueles que votaram a favor, depois das mudanças – ainda mais quando o governo acaba por votar ao contrário, invertendo todo o jogo?. Ademais, há propostas que o líder encaminha que não necessariamente sejam norteadoras das ações de seus colegas (independente de suas posições), às vezes esses encaminhamentos a favor de tal proposta pode ser fruto de articulações dos congressistas, seja oposição ou governo, que os forçaram a tal situação que “pegaria mal” se o governo votasse contrário. Neste último caso, ao invés do congresso estar sendo “governista”, é o governo sendo “congressista”, não?

Por fim, é importante ressaltar que não estamos trazendo uma defesa da candidata às críticas, apenas estamos levantando uma problematização na utilização de uma análise puramente quantitativista das votações no Congresso Nacional.

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