Corações sincronizados

Em sua coluna de estreia, Diego Fortes fala de “O Casamento da Filha do Palhaço"

A experiência de assistir a um espetáculo ao vivo pode ser o antídoto para um mundo cada vez mais perdido na virtualidade e irrealidade – é o que defende Ayad Akhtar, dramaturgo norte-americano, ganhador do Pulitzer em 2013. A afirmação faz menção à descoberta de neurocientistas da University College London em que ao monitorar as pulsações de alguns expectadores de uma mesma sessão de um musical, descobriu-se que elas se igualavam conforme o espetáculo avançava.

O experimento poderia ter sido comprovado na peça “O Casamento da Filha do Palhaço”, que esteve em cartaz nas últimas três semanas no Teatro José Maria Santos. Com texto de Luiz Andrioli e direção de Laura Haddad, o espetáculo recorre a um romantismo nostálgico para contar a história da transição do circo de lona para o pavilhão em resposta à chegada da televisão no país. Pontuado pelo romance de Juliana – a filha do palhaço do título – e Paulinho Pereira – um moço rico de uma cidade que o circo visita -, a relação de amor de maior importância para a trama revela-se a dos artistas e seu ofício.

Haddad lança mão de recursos cênicos no propósito de maximizar a aproximação com a plateia e uma fruição aberta para os mais diversos públicos, incluindo diferentes gerações com um número considerável de espectadores crianças.

“O Casamento da Filha do Palhaço”. Foto: Maringas Maciel.

A encenação começa com uma breve cena de palhaçaria nos fundos do teatro com o posterior deslocamento do público através do palco até as poltronas, conta com música ao vivo, elementos cenográficos bastante descritivos e interpretações marcadas com intenções que passam longe de qualquer ambiguidade.

Mas um dos grandes acertos da acessibilidade promovida pela produção é o de disponibilizar os ingressos de forma gratuita. A volumosa plateia acompanhava atenta e agradecida pela experiência, se não rara, pouco habitual de compartilhar aquele espaço e aquele tempo com os artistas.

O elenco forma um conjunto sólido, mas as cenas com os atores Mauro Zanatta, Edson Bueno e Maurício Vogue têm uma qualidade quase hipnótica. Veteranos da classe artística curitibana, são também diretores, dramaturgos e professores. Cada um deles tem espaço próprio na cidade onde realiza suas obras. É certamente um privilégio vê-los atuar juntos e uma grande ideia da diretora em chamar os três.

O espetáculo, que finalizou sua temporada no último domingo, demonstra muito do que o teatro pode promover: a empatia que só um encontro frente a frente consegue criar. Num momento em que parte da população desconfia da arte e seus realizadores, essas desconfianças se dissipam conforme os batimentos cardíacos entram mesmo ritmo.

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