Meus 30 dias

Talvez eu tenha tido a experiência mais próxima do ideal de um internamento psiquiátrico

Eu estava absolutamente certa quanto à necessidade de realizar um internamento psiquiátrico. E eu fiz questão de introduzir o tema dando voz a outras histórias pois a minha em nada se parece com elas.

Primeiro, porque a decisão do internamento partiu de mim. Eu percebi que não estava dando conta, que o perigo me rondava e eu não queria, de forma alguma, obrigar meu pai a passar por tudo que ele já havia passado. Chega um momento em que se entende que, por mais incrível que sua rede de apoio seja, se faz necessário um auxílio médico. O olhar e a atenção de alguém que não esteja envolvido emocionalmente com a tua dor e que saiba tecnicamente o que fazer. E se eu não contasse com apoio intensivo naquele momento, o risco de eu me machucar novamente seria grande.

Segundo, porque o hospital no qual fiquei também em nada se compara aos horrores dos “chiqueiros psiquiátricos”, usando as palavras de Austregésilo Carrano Bueno. Os quartos não têm porta e é possível circular livremente entre eles e por todo o saguão da ala. Durante todo o dia, os pacientes são livres para circular pelo hospital e há uma lista consideravelmente grande de coisas para se fazer. Claro que existem regras, códigos de conduta, horários e tarefas a cumprir. Não é um resort e não se vai lá passar férias.

E, finalmente, porque eu e meu pai fizemos um acordo. Se, por qualquer motivo, eu decidisse que não queria ficar, eu ligaria para ele. Era minha saída de emergência. Mas essa possibilidade não passou pela minha cabeça nos 30 dias em que fiquei lá. Pelo contrário, eu ligava para ele dando boas notícias, quase todos os dias.

Talvez eu tenha tido a experiência mais próxima do ideal de um internamento psiquiátrico, aquela que toda pessoa portadora de transtornos mentais merece. Sei que o fato de eu saber o quanto estar internada era importante e de querer estar lá foi fundamental para que eu pudesse fazer valer os meus 30 dias. Nesse período, alguns dos meus medicamentos foram trocados e suas doses ajustadas. Minha alimentação voltou a ter horários, meu sono 

foi controlado e eu voltei a praticar exercícios. As conversas constantes com os médicos, enfermeiras e com a psicóloga foram incrivelmente importantes. A ideação suicida se desfez. 

E houve algo de muito extraordinário, que eu jamais imaginei que aconteceria: pela primeira vez em muito tempo eu estava entre iguais. Eu podia falar abertamente – na sala, no quarto, no refeitório, no pátio e na terapia em grupo – sobre o que eu sentia. Não precisava sussurrar. Não precisava esconder que a dor já tinha sido mais forte do que eu. Eu podia falar e podia ouvir histórias de depressão, de borderline, de TOC, de esquizofrenia e tantas outras. Eu não me sentia mais uma aberração. Eu não era “a louca”. Eu era só mais uma delas. De diversas formas, eu pertencia àquele grupo. 

Que sensação maravilhosa. Liberdade é o nome. Justamente ali, naquele espaço confinado, eu me senti livre. Livre para chorar, para sentir, para rezar, para ajudar e para dividir. Livre para fazer duas grandes amigas “de confinamento” que viraram amigas de vida.

Livre para voltar para casa me sentindo bem, com a certeza de que o internamento foi extremamente eficaz naquele momento. 

E, ainda, convicta de que se um dia for preciso, eu me internarei novamente. Para poupar a minha rede de apoio. Para me poupar, para não colocar a minha vida em risco. E para ficar por quantos 30 dias forem necessários.

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