Medo, angústia, ansiedade. O sofrimento mental no rastro do coronavírus

Grande parte das pessoas afetadas padece com ansiedade, angústia, depressão, transtorno do sono, pesadelos, insegurança e dificuldade para retomar a rotina anterior

Chegou o momento mais esperado desde o longínquo março, quando fui para o confinamento e trabalho remoto, devidamente catalogada no grupo de risco da pandemia. O momento esperado era o da volta ao trabalho presencial, ao retorno gradual à normalidade. Só que ao receber a chamada pelo WhatsApp, invés de alívio e comemoração, o que me sobreveio foi pânico, coração acelerado, tremor, suor frio, insegurança, choro.

Esse medo imenso e paralisante tem acometido pessoas que se recolheram em casa, em trabalho remoto, durante mais de seis meses. E cito essa minha experiência pessoal apenas como mote para entrar no tema da Covid-19 e a saúde mental, que é a pauta do momento.

Conversei com as psicólogas Flávia Caroline Figel, da divisão de Saúde Mental da Secretaria Estadual da Saúde, e Jeanine Rolim Meier, coordenadora do serviço de Teleatendimento Psicológico do governo do Paraná.  Elas me falam da complexidade desta realidade.

“Medo de adoecer, de perder pessoas queridas, sentimento de impotência diante do perigo, o desemprego, a queda na renda, famílias falidas e endividadas. Essa multiplicidade de fatores estressantes e o número imenso de pessoas atingidas por eles fazem deste momento uma experiência até então inédita na história”, diz Jeanine.

Grande parte das pessoas afetadas, observa Flávia Figel, padece do que se define como sofrimento mental. Ansiedade, angústia, depressão, transtorno do sono, pesadelos, insegurança e dificuldade para retomar a rotina anterior. “Esse quadro não é necessariamente patológico e na maior parte da população provavelmente não se tornará. Mas quando os sintomas são muito frequentes ou intensos, e quando se tornam paralisantes, requerem maior atenção, precisam de uma avaliação profissional. O sofrimento mental requer prevenção, acolhimento, cuidado. A doença mental exige atendimento especializado”, ela explica.

O sistema de saúde pública está em alerta. No Paraná, a Secretaria da Saúde, via suas regionais, reforçou o apoio aos municípios com ações como capacitação e melhoria no fluxo de atendimento. “O que se busca é capacitar mais profissionais nessa temática para que nos municípios, próximo de onde moram, as pessoas sejam acolhidas e tenham direcionamento adequado para tratamento”, explica Flávia. Muitos municípios criaram seus próprios serviços de teleatendimento para ampliar o suporte à demanda.

Recentemente, o Paraná formalizou junto ao Ministério da Saúde solicitação de apoio para melhor aproveitamento de unidades hospitalares do Estado na área de psiquiatria, reforço nas equipes multiprofissionais e contratação de médicos especializados nos municípios.

Nos últimos dias, enquanto no Brasil os números de casos e mortes indicam uma fase de desaceleração da pandemia, na Europa se confirma uma segunda onda, talvez ainda mais letal, a atingir pessoas, sistemas de saúde e governos já fatigados.

Não é possível ainda mensurar em quanto tempo esse processo coletivo deverá retroceder para um equilíbrio mínimo que se tinha antes da pandemia. O atendimento psicoterapêutico, lembra Jeanine, é ainda inacessível para uma grande parte da população, a mais pobre e vulnerável.

O que se evidencia, segundo a psicóloga, é que esse momento deu uma sacudida no que se refere à saúde mental, sobre como se cuidar e como o poder público deve se preocupar. “Mais que nunca, é preciso voltar os olhos à saúde integral”, afirma.

O relacionamento social – família, amigos, vizinhança – se constitui em suporte poderoso. A pessoa precisa estar ancorada, se sentir abrigada, confortada. Jeanine Rolim Meier fala da validação dos sentimentos: se permitir o medo, o choro, o pessimismo. “Muitas vezes escondemos a vulnerabilidade por um julgamento equivocado de fraqueza. Não é. É coerente sentir medo. Faz sentido estar triste. Acolher-se a si mesmo e aos seus sentimentos trará paz interior.”

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