Análise dos empreendimentos de mobilidade urbana em Curitiba na Copa de 2014, sob a ótica do Estudo de Impacto de Vizinhança

No Brasil, o planejamento ainda é um instrumento pouco utilizado na comparação com os países desenvolvidos

O processo de desenvolvimento da Copa do Mundo de 2014 se iniciou em 2007, com a escolha do país para hospedar o evento. Em 2009, foram selecionadas as cidades-sede, fechando-se um ciclo operacional de candidatura e organização, culminando em janeiro de 2010 com o documento oficial Matriz de Responsabilidades. Esse documento apresenta os valores a serem investidos no evento, assim como o papel do governo federal, estadual e municipal, além da iniciativa privada, na liberação de recursos e na execução das ações.

A Matriz de Responsabilidades passou por diversas revisões, o que evidenciou a dificuldade na execução de projetos e a falta de um cumprimento adequado no cronograma inicial. Também ficaram patentes os desafios burocráticos e institucionais a serem superados num país como o Brasil, onde o planejamento ainda é um instrumento pouco utilizado na comparação com os países desenvolvidos, mais acostumados com megaeventos e grandes regenerações que envolvem a gestão urbana.

Para que Curitiba fosse uma cidade-sede da Copa do Mundo de 2014, o município teve que se comprometer em fazer diversas obras. Incorporadas ou não nos compromissos oficiais presentes na Matriz de Responsabilidade, elas resultaram em impactos físicos e sociais que sobrepujaram estudos aprofundados para os cidadãos envolvidos. As razões para isso emanaram de decisões advindas da esfera federal, que buscaram soluções horizontais de comando e as justificativas nacionais para os investimentos de grande porte. Outra motivação veio da necessidade de se concretizar as obras num período curto de tempo, comprometendo fases de discussão e planejamento.

No Brasil, a ideia de planejamento urbano democrático é delimitada legalmente pelo Estatuto das Cidades. Entre os objetivos das diretrizes da política urbana definidas pelo Estatuto das Cidades, o inciso IV, do artigo 2.º, estabelece a necessidade de “planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente.”

Uma forma de concretizar o estabelecido nesta diretriz é o instrumento de planejamento municipal denominado Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV). O Estatuto das Cidades, define que este estudo deve abordar os efeitos positivos e negativos do empreendimento ou atividade em questão, quanto à qualidade de vida da população residente na área de intervenção e suas proximidades. Esta legislação exige que o EIV deve considerar minimamente as seguintes questões:  adensamento populacional; equipamentos urbanos e comunitários; uso e ocupação do solo; valorização imobiliária; geração de tráfego e demanda por transporte público; ventilação e iluminação; e paisagem urbana e patrimônio natural e cultural.

Para tratar de temáticas tão diversas, é necessário que a equipe responsável pela elaboração do EIV seja interdisciplinar, de forma a promover o diálogo entre as diversas interfaces deste estudo. Todavia, cabe ressaltar a importância do papel do arquiteto e urbanista na condução deste estudo.

À luz do Estatuto das Cidades, caberia a um arquiteto e urbanista verificar se o EIV do empreendimento sob análise promove o urbanismo sustentável, à medida em que atende aos controles de processos econômicos ligados à utilização do solo urbano, ou seja, ao zoneamento. Também seria função desse profissional observar se tal empreendimento traz benefícios a todos os moradores, de forma que não seja uma fonte geradora de gentrificação da população de menor renda nas áreas mais vulneráveis do espaço urbano, onde, teoricamente, concentra-se o urbanismo de risco. Os projetos contemplam obras no aeroporto, mobilidade urbana, segurança pública e a construção do estádio para o evento, além de melhorias em centralidades de apoio ao evento.

Para Curitiba, os projetos previstos foram o corredor Aeroporto-Rodoferroviária; a reforma da Rodoferroviária e seus acessos; a requalificação da Avenida Marechal Floriano; o BRT, extensão da Linha Verde Sul; a reforma e ampliação do Terminal do Santa Cândida e as vias de Integração Radial Metropolitana. Nota-se que todos os projetos são referentes à mobilidade urbana.

Concomitante às obras oficiais da Matriz, ocorreram intervenções que intensificaram as ações nas regiões citadas. São projetos que contemplaram o ambiente criado para o evento. Dentre eles, destacam-se: o Parque da Imigração Japonesa; o empreendimento hoteleiro Bristol Portal do Iguaçu; a construção da trincheira na rua Arapongas em São José dos Pinhais e o viaduto estaiado Francisco Heráclito dos Santos.

Para avaliar a sustentabilidade dos projetos de mobilidade urbana, desenvolvemos indicadores de desempenho das principais obras da Copa na capital paranaense. Os indicadores ambientais propostos remetem à redução das emissões de poluentes. Desta forma, eles induzem à melhoria da qualidade de vida da população e à redução de despesas com congestionamentos e problemas de saúde da população.

Os indicadores sociais possuem o propósito de avaliar a melhoria das condições de deslocamento da população no espaço urbano, melhorar o acesso às oportunidades de trabalho e estudo e, por fim, conduzir a população aos direitos básicos de lazer, saúde, comunicação, conhecimento, entre outros. Por fim, os indicadores econômicos utilizados na avaliação medem a eficiência dos meios utilizados para a priorização das metas sociais e ambientais decorrentes da implantação dos projetos.

O que se conclui, portanto, é ser imprescindível que uma equipe muldisciplinar coordenada por um arquiteto seja responsável pela condução do EIV, e esteja munida de uma visão holística. Ela também necessita possuir critérios, a exemplo de um sistema de indicadores, que avaliem de forma objetiva os reflexos do empreendimento estudado em relação às questões ambientais, sociais, econômicas e, até mesmo, políticas. Com isso, espera-se que os resultados de sua implantação proporcionem maiores benefícios à população desta e das futuras gerações, que aqueles propostos para a Copa de 2014 na RMC.

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