Em nome da demagogia, Assembleia vai acabar com passaporte sanitário no PR

Forçar as pessoas a se vacinarem é o único jeito de encerrar a pandemia, mas deputados preferem o discurso fácil e eleitoreiro

Quando o governo brasileiro decidiu implantar a vacinação obrigatória contra a febre amarela no Rio de Janeiro houve uma revolta popular. Mas até mesmo grandes intelectuais da época se opuseram à inoculação forçada. O trecho mais famoso de retórica antivacina foi dito por Rui Barbosa na tribuna do Senado. “Assim como o direito veda ao poder humano invadir-nos a consciência, assim lhe veda transpor-nos a epiderme.”

Quem olha a Assembleia Legislativa do Paraná agora pensa que somos uma terra de novos Ruis. Na reunião da CCJ desta terça (15), quase todos os deputados discursaram contra o passaporte sanitário, que nada mais é do que a forma encontrada pelos governos para forçar as pessoas a se vacinarem. Não quer tomar a vacina? Tudo bem, então tem essa e essa consequência.

Mas sabemos que nossa Assembleia não é exatamente formada por grandes juristas. Em 1904, quando Rui Barbosa foi à tribuna se revoltar contra a vacina, a coisa fazia certo sentido. Mais de um século atrás, a segurança do procedimento era menor e as informações da ciência por trás da imunização talvez fosse mais difícil de compreender. O que na época poderia parecer sabedoria hoje soa como pleno absurdo. Uma bobagem demagógica que só serve para gente populista garantir votos com base em falsos argumentos.

A segurança da vacina hoje é garantida, ponto. Quem contesta isso só pode estar mal-informado ou de má fé. E o argumento de que a liberdade individual garante o direito a não se medicar beira o absurdo, porque nesses casos como já ficou estabelecido no caso da febre amarela e da varíola, mais de cem anos atrás) não se trata do bem individual apenas. Quem não se vacina se transforma em uma placa de petri para propagação de mais vírus e variantes.

A única forma de combater um vírus letal como esse é a vacinação em massa. Quem se nega a colaborar com isso precisa ser punido. É simples. É mais ou menos como se estivéssemos todos num buraco mantendo silêncio para escapar de assassinos e alguém dissesse: mas eu tenho o direito de continuar falando alto, cadê minha liberdade individual?

Os deputados paranaenses jogam para a torcida, sabendo que há muita gente que, por ignorância e por má influência de “influenciadores” que se disfarçam de jornalistas, teme a vacina. Fossem minimamente corajosos, diriam que a vacina é segura e que as pessoas precisam tomá-la. Preferem ganhar uns votinhos, ainda que isso custe vidas, sofrimento e dinheiro.

No final da sessão, apenas os deputados Tadeu Veneri e Cristina Silvestre se negaram a aprovar na CCJ a proposta que proíbe o uso de passaporte sanitário no estado. Agora o projeto segue para outras comissões e depois vai a plenário. Com a bancada da demagogia ocupando 80% das cadeiras, é evidente que vai passar. E seria tolice esperar um ato de coragem de Ratinho Jr. (PSD).

Com isso, a Assembleia vai acabar com os passaportes nas universidades e nos municípios que adotaram a medida, e vai encher as salas de aula de negacionistas que podem estar multiplicando a doença por aí. Tudo bem: a reeleição deles está encaminhada, e é isso que conta.

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