Um diálogo sobre inclusão

Laura Kaiser, do Projeto Ver com as Mãos, conta um pouco sobre a sua experiência nos espaços culturais, sobretudo na tentativa de transformá-los em espaços verdadeiramente acessíveis

Laura Kaiser é uma jovem de 21 anos, estudante de graduação em Letras Português e Espanhol/ Bacharelado em tradução na UFPR, Custumer Experience Analyst JR EBANX e integrante do Projeto Ver com as Mãos, voltado à inclusão de pessoas com deficiência visual em atividades artístico-culturais. Ela tem olhos claros, cabelos castanhos cacheados e um lindo sorriso. Como a própria me ensinou, é muito importante iniciar esse texto com uma descrição sua, de forma que ele seja acessível para todas e todos.

O projeto Ver com as Mãos, do qual a Laura participa, foi idealizado pela professora Diele Pedrozo Santo, que após a graduação em Artes passou a dedicar sua pesquisa e prática docente ao universo da educação inclusiva. Como professora, Diele conta que nas primeiras experiências com seus alunos nos museus, estes perceberam que, em sua maioria, os espaços não estavam preparados para receber e incluir efetivamente as pessoas com deficiência visual.

Em 2006, a questão dos museus já se tornava uma problemática, mas a formalização do projeto ocorreu seis anos depois, com o auxílio dos jovens e crianças como a Laura, os quais resolveram não esperar mais uma iniciativa ou preparação dos espaços culturais.

“Esse processo só existe quando as pessoas com deficiência estão presentes nesses locais, sendo este um dos objetivos do projeto: formar e informar os profissionais envolvidos para receber o público com deficiência visual de forma adequada”, explica Diele. Tendo acesso à Arte e Cultura, esses jovens se tornam protagonistas de um processo de inclusão efetiva.

“Sempre me interessei por museus e arte, apesar de não ter sido tão comum visitá-los com minha família durante a infância. Com 12 anos, comecei a frequentar os museus com o projeto, aprendendo mais sobre o universo artístico e da acessibilidade”, afirma Laura. “Estando nestes espaços, passamos a entender como eram os espaços dos museus, justamente no intuito de transformá-los. Foi bastante frustrante no início, uma vez que na maioria das exposições era proibido tocar no que estava exposto e nem sempre tinha descrição de todas obras”, completa.

De acordo com Laura, isso acontecia porque “apesar de ouvir a explicação do mediador, eu não tinha de fato acesso à obra da mesma maneira que uma pessoa que enxerga e pode estar ali observando a obra”. Com o desenvolvimento do projeto e das mudanças propostas pelos alunos, ela passou a ter vivências mais significativas em museus, o que a permitiu apreciar as visitas a esses espaços.

Ainda assim, a estudante conta o que ocorre quando se depara com diversas exposições que não garantem uma experiência acessível. “Procuro entrar em contato com a instituição responsável, conhecer mais sobre o museu, criando um vínculo de aproximação com os mediadores e trabalhadores para juntos desconstruir essa questão”, comenta.

Aprendi com a Laura uma noção fundamental de inclusão como conceito universal: “para falar de acessibilidade precisamos falar de inclusão – o espaço precisa ser para todos e em todos os momentos, não da forma distorcida como muitos imaginam ser esse processo”.

Incluir um piso tátil, apesar da sua importância, não é suficiente para que todos tenham realmente uma interação com aquele espaço cultural. “O objetivo é que a pessoa com deficiência, o cego, a pessoa com baixa visão, possa chegar no dia e horário que quiser, sem se preocupar se naquele dia especifico a exposição vai estar acessível”, explica Laura.

“Precisa ser um momento em que a pessoa possa ir com a família nas exposições, ou sozinha, não necessariamente em um grupo de pessoas que sejam portadores da mesma deficiência que ela”, afirma. Nesse sentido, a adaptação física dos espaços prescinde uma mudança no que entendemos por acessibilidade e inclusão.

Por fim, perguntei sobre a experiência da Laura no Museu do Holocausto de Curitiba: “Sempre foi muito positiva, percebei isso frequentando outros espaços culturais em Curitiba e analisando a recepção das pessoas que trabalham e coordenam as atividades dos museus. Sempre pude me expressar sobre como se sentia com relação ao espaço, o que poderia ser feito para melhorar. E esse é o ponto principal: estar ali para ouvir e entender. Fazer com que aquilo seja acessível e inclusivo para aquele grupo de pessoas quando você escuta esse grupo de pessoas”.

Em setembro de 2020, o Museu do Holocausto de Curitiba lançou o material educativo “Nada Sobre Nós Sem Nós: perseguição às pessoas com deficiências durante o Holocausto”, com o apoio do projeto Ver com as Mãos e do projeto Letras Libras da UFPR. Dentro de uma perspectiva de universalismo da Shoá, a iniciativa dialoga com a realidade contemporânea de invisibilidade e exclusão social da pessoa com deficiência.

Entender o processo de extermínio de pessoas com transtornos mentais e deficiências físicas, sensoriais e intelectuais pelo regime nazista é etapa fundamental de um processo de conscientização, informação e formação: de cidadãos, mediadores, colaboradores e visitantes. Nas palavras da Laura, fazer com que algo seja acessível e inclusivo para um grupo de pessoas é, sempre e necessariamente, escutar e dialogar com esse grupo.

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