Bancada negra cresce e vereadores de Curitiba têm dificuldade em lidar com isso

Desde a chegada de vereadores militantes do movimento negro, tem sido comum que atitudes antes comuns sejam expostas e o uso do termo "racista" se tornou mais comum na Câmara

A presença de uma bancada negra mais significativa está levando a Câmara de Curitiba a debates importantes sobre questões étnicas da cidade e colocou os vereadores numa situação antes inusitada, em que posições que eram facilmente aceitas agora são rebatidas à altura. Com isso, vários integrantes da Câmara foram chamados recentemente de racistas e se irritaram com isso.

Embora continue longe de representar a diversidade étnica da cidade, a Câmara hoje tem três vereadores negros e um de origem oriental – os outros 34 são brancos. Mas embora estejam em minoria, os vereadores da bancada negra, especialmente os dois ligados ao PT – Carol Dartora e Renato Freitas – têm levantado bandeiras do movimento negro e discutido temas raciais em termos inéditos na Câmara.

Um dos casos por exemplo ocorreu quando Dartora propôs cotas para negros e indígenas nos concursos públicos municipais. A vereadora Amália Tortato (Novo) apresentou uma proposta de substitutivo em que sugeria a troca das cotas raciais por cotas sociais, no que foi aplaudida por outros vereadores. Dartora acusou a vereadora de não entender o suficiente da questão e de estar promovendo uma política que favorece o racismo – Amália respondeu dizendo que acusá-la de racismo era um crime.

Renato Freitas também causou polêmica, principalmente por sua postura mais agressiva em relação a certos temas, como o questionamento de colegas da bancada evangélica. Ao chamar pastores de “picaretas”, o vereador virou anátema na Câmara e foi tratado como “moleque”. Quando Freitas foi detido e humilhado pela Guarda Municipal dias depois, seus colegas mantiveram um silêncio que fala muito sobre sua postura, se recusando a prestar apoio ao petista.

Nos últimos dias, a situação vem se tornando cada vez mais acirrada. O vereador Marcelo Fachinello (PTB) passou a barrar diversos projetos ligados à causa negra nas comissões, muitas vezes com relatórios que apontam justificativas questionáveis. Num dos casos, foi contrário à tramitação de um projeto que cria no calendário oficial da cidade o Julho das Pretas, dizendo que já há comemorações parecidas no estado.

Nesta semana, um outro projeto que Fachinello tentou barrar gerou confusão. A vereadora Dartora apresentou proposta para nomear a fonte onde fica a estátua de uma mulher que carrega uma lata d’água na cabeça, na Praça Generoso Marques. O vereador afirmou que a resposta do município foi que a estátua já tem nome, e que a forma certa de lidar com isso seria reunir assinaturas para trocar o nome do conjunto todo (teria inclusive se prontificado a assinar). O movimento negro contesta a informação, e foi à Câmara tentar dialogar com os vereadores.

Depois da visita a alguns gabinetes, o vereador Éder Borges (PSD), que já teve o mandato cassado em primeira instância e espera o julgamento das instâncias superiores ainda no cargo, foi às redes sociais dizer que seu gabinete dizer que seu gabinete foi “invadido” por militantes negros, e afirmou que junto com eles havia assessores de Dartora.

A vereadora rebateu dizendo que, sim, seus assessores são negros, mas que não foram eles que estiveram no gabinete dos demais vereadores – afinal, nem todos os negros são a mesma pessoa. Éder não se rendeu e disse que seus assessores foram filmados e que tinha receio de eles serem expostos como racistas. Denian Couto (Podemos) disse que é preciso ver quem liberou a entrada do movimento negro na Câmara.

A sessão da terça-feira foi ainda mais acalorada porque Borges, bolsonarista que foi afastado do MBL por suas posturas radicais, apresentou duas moções de repúdio a Conselhos Municipais de Londrina. A causa era a seguinte: um outro vereador com o mesmo perfil, chamado Santão, tirou sarro em plenário da linguagem neutra usada para proteger pessoas LGBTQI e foi alvo de críticas pelos conselhos municipais. Borges, embora não seja vereador por Londrina, resolveu desagravar Santão.

O clima estava tão ruim que mesmo vereadores que diziam ser contra a ideia de se meter numa confusão de outra cidade acabaram tomando as dores de Borges por acharem que essa história de chamar os opositores do movimento negro e do movimento LGBTQI de racistas ou preconceituosos estaria, na opinião deles, indo longe demais.

Com isso, num gesto inédito, Curitiba decidiu aprovar uma moção de repúdio contra dois órgãos públicos que não são da cidade nem têm nada a ver com a política local. Apenas nove vereadores se opuseram à esquisitice.

É válido lembrar que a presença de vereadores negros na Câmara de Curitiba é recente. Dartora, por exemplo, é a primeira mulher negra eleita para um mandato em Curitiba. Em legislaturas recentes, um vereador já foi pego contando piadas sobre negros – inclusive para um dos poucos negros da Casa na época, Mestre Pop (PSC). 

A ausência de negros levou inclusive a decisões históricas contra projetos que tentavam alguma reparação pelas injustiças cometidas contra os negros escravizados que ajudaram a construir a cidade. A proposta de criação de um feriado para o Dia da Consciência Negra, por exemplo, foi arquivada porque, entre outras coisas, a Associação Comercial do Paraná disse que isso traria prejuízos para os lojistas. Hoje, provavelmente, essa discussão não teria terminado tão rápido, nem sem argumentos bem mais contundentes do outro lado.

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