A (des)graça de Bolsonaro

A anulação restitui o livre exercício dos direitos, não em razão da improcedência da ação, mas pela condição de inocente que todos nós compartilhamos até que se prove o contrário

Escutei na Jovem Pan um comentarista político que ora destila a mais pura ignorância ou incorre em altas doses de desonestidade intelectual.

Diz o sujeito que a anulação da condenação do Lula no STF, ao afastar os efeitos primários e acessórios da pena, traria justo paralelo com a Graça concedida ao Daniel Silveira, no sentido de também afastar os efeitos secundários da condenação, qual seja fundamentalmente da inegibilidade do sujeito.

Para quem não tem nenhum tipo de capacitação jurídica, isso pode soar razoável, mas sem sombra de dúvidas não o é. Explico: a anulação da sentença, essa sim, inviabiliza totalmente qualquer ablicabilidade de prejuízo de Direito ao então réu. É verdade também que anulação e improcedência são institutos distintos, entretanto, todos somos inocentes até comprovado o contrário, o que torna, para todos os fins, livre ao pleno exercício de direitos aquele que não tenha sido condenado, quer seja porque o devido processo legal rendeu a improcedência ou porque o indevido processo legal rendeu a anulação.

A contrário senso, não somente a validade da Graça é alvo de ADPF, ou seja, terá sua validade apreciada pelo pleno do STF, como também, ainda que válida seja, consiste em instituto jurídico totalmente distinto da natureza da improcedência ou anulação.

Verdade seja dita que a avaliação da Graça está embargada de imenso ineditismo, entretanto, acredito que as aventadas ADPFS hão de prosperar em razão do flagrante desvio de propósito e inadimplemento dos preceitos da coisa pública.

Foto: Ricardo Stuckert.

Paralelo seja feito com o então suposto desvio de propósito da nomeação de Lula à Casa Civil, proposta por Dilma e impedida por Gilmar Mendes. Impedimento esse que, na oportunidade, detinha imensa razoabilidade pelo contexto. Veja que ambos, concessão da Graça e nomeação de ministros, pertence ao hall de discricionaridade da chefia federal do executivo, mas ambos – em seus respectivos momentos – não coadunavam com as diretrizes e interesses da administração pública.

Voltando: a anulação restitui o livre exercício dos direitos, não em razão da improcedência da ação, mas pela condição de inocente que todos nós compartilhamos até que se prove o contrário, haja vista que a sentença condenatória, mesmo desfavorável ao réu e ratificada em segunda instância, não observou o devido processo legal e trouxe a conclusão inaplicável.

A Graça, caso o STF venha a aceitá-la, não afasta os efeitos secundários judiciais e extrajudiciais da pena, mas sim o cumprimento dos efeitos principais da condenação, novamente única e tão somente caso o STF compreenda como improcedentes as ADPFS.

Observem ainda que a concessão de mérito favorável à ADPF não desafia a autoridade da Presidência da República: ao contrário, devolve equilíbrio entre os poderes, demonstrando que a chefia do executivo não detém competência revisora do STF, mas sim legitimidade em sistema de freios e contrapesos, em regime de máxima exceção, de conceder a Graça ou Indultos conforme parâmetros que obedeçam os princípios democráticos e constitucionais da República.

Não de outra forma podemos concluir que cargos eletivos majoritários detém imenso poder institucional, mas não a liberdade plena para agir em desfavor do interesse público, albergando golpistas e perdoando aqueles que efetivamente colocam a democracia em risco.

É nesse sentido que me soa extremamente indevida a alegação de polaridade entre Lula e Bolsonaro. Observe que somente um deles oferta efetivo risco ativo às instituições e também para própria democracia.

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