A delicadeza das paisagens disfarçadas de Adriana Brzezinska

Artista expõe "Embaixo da pele, em cima da areia" no museu Guido Viaro

Ao entrar na exposição “Embaixo da pele, em cima da areia”, percebe-se, quase imediatamente, a delicadeza das telas de Adriana Brzezinska. Mas a segunda impressão que se tem é a vontade do toque. O tátil está tão presente na obra de Brzezinska quanto a sutileza das formas. E olhando mais de perto, percebe-se que, o que se achava quase sem matéria é, na verdade, uma sequência de camadas bem variadas, mas dispostas com tal delicadeza que elas somente saltam aos olhos dos observadores mais atentos. Para entender melhor as sutilezas de suas obras, esta coluna entrevistou a artista.

Adriana Brzezinska é formada em Pintura pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Filha de pais artistas e professores de arte, trabalha com arte e educação desde 1996. Realizou exposições individuais e em grupo e recebeu prêmios como Prêmio Governo do Estado, 3º Salão de Artes Plásticas de Paranaguá (1999): Salão de Artes Iguaçu (2000). Segue atuando como artista e se interessa pelo papel humanizador da arte na sociedade.

Queria começar sabendo um pouquinho mais sobre sua trajetória, como você chegou até esse mundo da arte?

A arte em casa sempre foi arroz com feijão, a minha mãe foi aluna do meu pai, ela começou a Escola de Belas Artes em São Paulo, veio para cá, foi aluna do [meu] pai e os dois acabaram se casando, e então [arte] era assunto de todo dia. Mas jamais pensei em fazer Belas Artes, me inscrevi em desenho industrial, tinha feito CEFET, fui para Belas [Artes] a contragosto dos dois. Nunca tinha feito nada em casa, só treinei para Belas bem de bobagem. Não sei, foi bem no susto, uma amiga me falou: “P que você tem? Tá tão bem hoje?”. Matei a federal [risos], pensei “vou continuar fazendo”, mas sempre pensando ou vou pro teórico, vou dar aula, vou fazer alguma coisa assim. Insegura. bastante com trabalho porque tinha referencial bom em casa.

É sempre mais difícil quanto tem esse ponto de comparação né…
Adriana: Sim, sim, só que também corajosa, minha mãe [dizia], “você não tem nada, como você vai mandar para salão?” e eu “hmmmm”, andava de ônibus, pegava uns trabalhinhos, punha debaixo do braço e ia tentar exposição, daí consegui, “opa”, tentava outra vez e ia indo. Aí um dia entrei no prêmio Philips, e eu “opaa”, já era no MASP, já era uma coisa legal, aí foi indo.

Quais as principais influências para o seu trabalho?
Bom, sou apaixonada pela Taps, pelo Kiefer, de arte paranaense sou apaixonada por todos, pelo [Antonio] Arney muito. O Bakun, gosto muito do trabalho do Bakun. Mas referencial a gente tem demais, então é difícil ver influência em um ou outro, mas é paisagem em geral, para mim é paisagem.

Seu trabalho tem muito de paisagem?
É uma paisagem, é uma paisagem disfarçada, e às vezes é figura humana, mas figura humana eu não sei bem da onde que é, é muito Helena Wong.

A gente vai carregando tudo o que a gente olha…
A gente vai se alimentando…

Se alimentando e isso fica tão intrínseco, tão dentro da gente que algumas referências a gente não sabe.
Uma vez eu estava fazendo um curso de desenho de grandes dimensões lá no Festival de Inverno de Antonina, não sei se você chegou a participar já? Era muito legal, era com a Lígia Borba, e meu desenho era grande, era uma pintura, e lembro que tinha que subir no andar de cima para poder espiar o desenho e ver como tava ficando, para mexer em alguma coisa. Aí o Luciano Buchmann subiu comigo para ver, ele olhou assim e “nossa parece desenho do teu pai dos anos 60”, aí olhei assim e “mas eu não conheço” [risos]

Você nem lembrava.
Mas tava ali, de algum jeito eu devo ter visto, claro que vi, mas eu não lembrava.

Você usa algum método de trabalho? Imagino que sim, qual o seu método de trabalho?
Posso dizer que começo por esboço, por linha. É diferente quando vou fazer um trabalho separado ou quando vou fazer uma exposição como agora. Então a galeria pede um trabalho, é de uma maneira que vou fazer, daí começo por um esboço. Agora, quando já é uma exposição, é um pouco diferente, aí vou começar por um texto, vou tentar ver um conteúdo mesmo.

Em uma exposição você pensa em uma narrativa. Um fio condutor, uma linha.
É, uma narrativa! Vem tudo. Daí puxo todas as outras exposições para ver “e agora onde eu to indo”. Olho para trás no meu trabalho para ver onde vou.

E seu trabalho como tinha comentado antes, é de uma delicadeza, pelo menos eu vi uma delicadeza enorme. Quais as técnicas que você mais utiliza nas suas produções? Quais materiais?
De material eu procuro usar quanto mais natural possível, porque eu peguei uma vez na época da faculdade ainda, um dia fui para casa com uma “cara de tomate” por causa da tinta óleo e eu fui para o médico mais perto, porque já não estava mais respirando. Então eu quase morri mesmo. Eu dormia no quarto que estava a tinta óleo e usava muito, meus aguados eram com terebintina, e muito aguado, era muita camada, aquele cheiro de solvente.

Daí tentei usar aguarrás que é menos tóxico, e fui parando de usar o óleo, fui parando, parando.. Hoje em dia eu uso tudo a base d’água, mesmo assim nessa exposição foi muito forte para mim a tinta acrílica, mesmo sendo ainda muito tóxica pra mim. Então eu uso o mínimo de tinta, comecei a usar os pigmentos, os óxidos, eu uma época estava usando muito o CMC no lugar da tinta, nessa exposição não tive coragem de usar porque testei muito pouco tempo e teve muitos trabalhos que não deram muito certo. Então essa vez eu não usei, quero fazer mais testes, mas só para trabalhos meus, não vou mais em trabalhos de vendas.

CMC é uma cola comestível, cola de papel de parede, eu tenho um professor que depois foi fazer o doutorado comigo, professor Alan Hanke, professor da Belas, ele disse que CMC poderia usar tranquilo, mas não sei se a proporção ou o que eu fiz, mas teves trabalhos que não deram certo, daí fiquei com medo.

E essa textura do seu trabalho?
A textura normalmente é pó de mármore, de mica, e textura que eu compro pronta, tem uma textura da Corfix que compro, mas não gosto porque é muito plástica. Eu gosto de aquarela, mas aquarela na tela não dá certo, ela repele, daí para conseguir dar porosidade eu colo pó de mármore ou mica, mas mica dá brilho então não dá para por em tudo [risos].

E como surgiu a ideia desta exposição especificamente?
Eu tô pintando o meu sobrado, eu me separei, voltei a morar na casa da minha mãe e no meu sobrado, eu to indo e vindo, e voltei para umbanda. Meu ex-marido era super contra, agora voltei e me puseram para cantar engoma, pois tinha anos de umbanda e ninguém sabia cantar nessa minha gira e daí fico cantando errado os pontos de umbanda. “Sobrado de mamãe é debaixo d’água, debaixo d’água em cima da areia, de noite, de dia, um diamante que me alumeia”, daí vai indo. Fica ponto de umbanda e daí as águas, e eu poxa vida, sou filha de Ogum com Iemanjá e joguei meu adjunto pela primeira vez esse ano, que eu sou de Iemanjá mesmo, quis fazer uma homenagem para ela e eu só ouvindo música de Iemanjá e Oxum, então as águas doces.

Você viu na exposição um trabalho bem denso, bem escuro, nunca pensei que teria coragem de expor um trabalho assim, e é um trabalho para terminar, levou uns 15 anos. Eu pinto rápido normalmente, quando eu vejo que vou estragar, viro ele de costas. Essa obra tentei trabalhar uns dois anos no ateliê, quando vi que não tava dando certo, virei ele de costas e ficou abandonado, aí estragou o chassi, tomou chuva, sabe Deus o quê aconteceu. Mas, no início da pandemia, ninguém ficou bem, e eu não estava bem também. Uma exposição que estava para acontecer em Joinville não aconteceu, e eu tava triste. Peguei uma lixadeira elétrica com uma lixa bem grossa e ataquei aquele trabalho, porque ele já tava muito denso e muito escuro e com uma camada que eu não gostava, ataquei e fui. Daí eu abri, fiz uma janela nele para conseguir colocar mais matéria, e daí que veio, não sei se o que você conhece de Orixá, Nanã.

Nanã o que é? São as águas morenas, então daí a transmutação, foi a junção dessas três águas que me deu a exposição, foi o balanço, Nanã, Oxum e Iemanjá. E sem querer no dia do índio, eu fui parar na biblioteca e tava lendo Pierre Vergé em uma das viagens dele chegando no Brasil, e daí ele dizendo do cheiro do fundo de corda, ai fui imaginando e deu aquela coisa da exposição, aquela coisa, eu sou bem nacionalista, aquela pegada brasileira mesmo.

Fantástico saber disso, eu acho que as pessoas vão gostar de saber também, de onde veio, porque visitar exposição sabendo um pouco mais é sempre mais legal.
Eu sempre fui contra essa coisa de a arte ter que ser explicada, sempre aquela coisa poética de o trabalho ter que falar sozinho, normalmente coloco tudo sem título, mas nessa exposição coloquei título. Tem um que é Delicadeza dos Confins que é mais ou menos isso, você vai viajar, quando você viaja, tem um olhar mais cuidadoso para a paisagem, do que você no seu dia-a-dia, um olhar até para você mesmo, então essa coisa do em cima da pele, por baixo da pele, essa brincadeira, essa coisa de se olhar no espelho, que a paisagem para mim no meu trabalho é isso, a paisagem fora e a paisagem dentro.

Pra gente fechar, o que você gostaria de falar para quem está começando.
Eu acho que é importante acreditar que a arte é vida e que todo mundo tem direito de ser artista.

A exposição “Embaixo da pele, em cima da areia” fica aberta até dia 17 de setembro no Museu Guido Viaro.
Horário de funcionamento: de terça à sábado, das 14h às 18h.
Endereço: Rua XV de Novembro, 1348, Curitiba, PR.

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