A capacidade educacional dos quadrinhos de Marcelo D’Salete

Recentemente, li a HQ “Mukanda Tiodora”, novo trabalho lançado pela Veneta do quadrinista Marcelo D’Salete. Caso você não conecte o nome a pessoa, ele já é uma figura conhecida no meio da nona arte nacional. Fez, por exemplo, “Angola Janga” em 2017, também pela Veneta, em que venceu o prêmio Jabuti na categoria de quadrinhos. Além disso, “Cumbe”, da mesma editora, conquistou o prêmio Eisner na categoria de Melhor Edição Americana de Material Estrangeiro. Tudo isso em 2018.

Mas não é sobre essas vitórias já antigas de D’Salete que gostaria de comentar aqui. A minha ideia é falar de um aspecto bem específico de suas obras, e que se repete nessa nova obra: a educação pelas HQs. Em todos os quadrinhos citados nesse texto, o autor vai abordar a história negra no país sob diferentes perspectivas históricas. Em “Janga” através do Quilombo dos Palmares e de seu líder, Zumbi. Em “Cumbe” em um olhar similar, através da história de escravizados que resistiram. No caso de “Mukanda”, podemos traçar um paralelo, só que aqui acompanhos, para o fio de tudo, uma trama individualizada. No caso, de Tiodora, uma escravizada na São Paulo cafeeira do século XIX que manda cartas através de um escravizado letrado em busca de encontrar o marido e o filho.

Apesar de gostar de trabalhar os aspectos históricos mais reconhecidos nos seus roteiros e até mesmo no pensamento estético dos desenhos, D’Salete traz algo peculiar em querer falar sobre os personagens menores. Sim, aqueles em que, na maior parte das vezes, são renegados dos livros de História. Com o quadrinista não, eles ganham vez e são chaves para falar sobre toda uma construção racista do Brasil ao longo do tempo. Por isso, Marcelo deixa claro que quer transformar o leitor como alguém parte desse universo que está, além de se divertindo, também aprendendo algo da própria realidade nacional.

Neste sentido, talvez “Mukanda Tiodora” seja seu trabalho que tenha essa visão mais abragente já que, além da personagem principal citada, também irá falar sobre as diferenças da escravidão na cidade e no campo e também da intelectualidade negra que surgia a época, com nomes como Luiz Gama. Todo esse universo está dentro das páginas, que fundamentam um maior entendimento sobre uma vida brasileira que, na maior parte dos casos, não ouvimos falar. Apesar da proximidade de tempo e geográfica com boa parte de nós – já que se passa no Sudeste -, parece algo distante no tempo. O autor faz isso ser próximo, ser discutido e, acima de tudo, ser observado em outros campos de visão.

O mundo dos quadrinhos nacionais atualmente tem trazido cada vez mais HQs que exploram nossa construção da identidade. Para além dos livros teóricos de História (ainda extremamente importantes), a arte faz seu papel de ser uma espécie de aliada, e conseguer conectar ainda mais o leitor, que pode até ler de uma forma meio desprevinida. De todo jeito, Marcelo D’Salete é um carro chefe nessa turma, sabendo deixar quem folheia suas páginas escritas e desenhadas praticamente boquiaberto. E também, ao fim do último quadro, com vontade de querer saber ainda mais.

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