Aline Kominsky-Crumb não deveria ser olhada apenas como esposa de Robert Crumb

Morreu nessa última terça-feira (dia 29), a cartunista e artista Aline Kominsky-Crumb, aos 74 anos. Foi o fim de uma das trajetórias mais importantes do meio dos quadrinhos underground dos Estados Unidos e, especialmente, das HQs feministas, algo pelo qual ela foi uma das principais vozes durante muitos e muitos anos. Porém, próximo ao fim da vida, Aline era muito mais lembrada como a esposa de Robert Crumb, do que realmente pelos seus feitos e carreira pessoal. Infelizmente.

A trajetória de Aline começa ainda nos anos 1970. Foi nesse período que ela, já com gosto pelo mundo da nona arte, entrou no coletivo da revista “Wimmen’s Comix”. Era um conjunto de mulheres que produziam narrativas em quadrinhos para mulheres, falando desde sexualidade, política, até mesmo sobre causos do dia a dia. Ela contribuiu em três dos 17 volumes publicados até o fim da publicação. Mas foi, pelos contatos que fez nessa época, que conheceu Robert Crumb, que já despontava como grande nome do mundo underground na época. Eles se casaram em 1978.

Kominsky então passou a participar de diversas produções colaborativas feministas de forma recorrente, chegando até a editar algumas edições. Entre elas estão o “Dirty Laundry Comics” e o “Twisted Sisters”. Tudo isso ainda nos anos 1970. Essas realizações foram fundamentais para sedimentar toda a produção da cartunista Alison Bechdel com a série “Dykes to Watch Out For” a partir dos anos 1980 – que revolucionou quase por completo o universo dos quadrinhos feministas.

Na década seguinte, sua contribuição foi mais acentuada nas páginas da revista “Weirdo”, que fazia junto com o marido. Foi editora também e escreveu alguns de seus melhores trabalhos ali. Na época, ainda era marcada por ser a pessoa que trazia nomes femininos na revista, como Diane Noomin, Julie Doucet e Phoebe Gloeckner.

Nesse período, construiu, com Robert, uma série de tiras chamada “Aline and Bob’s Dirty Laundry” e que ganhou o título no Brasil como “Desenhados Um Para o Outro”, em uma coletânea com todas as histórias publicada pela Companhia das Letras. Ainda no nosso país, foi lançado por aqui, em 2011, “Essa Brunch é um Amor”, pela Conrad, que reunia várias publicações de 1972 até 2005.

Falando nos anos 2000, foi quando Aline Kominsky-Crumb passou a ser mais reconhecida pelos trabalhos no início de carreira. Várias galerias ao redor do mundo – valorizando a produção underground e independente dos quadrinhos dos Estados Unidos -, compraram originais e peças suas, exibidas atualmente em coleções do MoMA, do Carnegie Museum of Art, entre outros. Não a toa, passou a se envolver mais com o universo das artes visuais e criar, na França, a Galerie Vidourle Prix.

É claro que fica difícil não vincular a arte de Kominsky com a do marido, especialmente pelas colaborações que tiveram ao longo dos anos. Contudo, o pioneirismo e invencionismo da artista nos faz precisar observar ela com outros olhos. Olhos esses mais amáveis, para quadrinhos que fizeram tanta história em um mercado que precisava ser explorado no período. Vá em paz, Aline.

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