Um apelo às escolas particulares

O ensino on-line não pode ser mais uma obrigação de pais sobrecarregados. A escola tem que ser parceira, não antagonista dos pais neste momento

Hoje as aulas dos meus filhos “recomeçaram”. Tenho uma filha no maternal e outro menino no 2º ano do ensino fundamental. As atividades mal começaram, então não posso ainda avaliar o que vem por aí. Mas antes mesmo de instalar aplicativo, arrumar um espaço e um computador para o mais velho estudar, uma reflexão foi amadurecendo. Aqui está:

Estamos numa situação peculiar. Não podemos mandar nossos filhos para a escola, nem sabemos quando isso voltará a ser possível. Estamos tentando conciliar o cuidado com eles com a necessidade de trabalhar e a manutenção da limpeza e organização doméstica.

Tudo isso sob a sombra do que estamos vivendo, que convenhamos, não está sendo bolinho.

Todo mundo está tendo que se adaptar. Há famílias enfrentando sérios problemas financeiros, tendo tido sua fonte de renda interrompida de uma hora para outra. Outras estão tentando dar conta de um volume de trabalho que não diminuiu com crescentes obrigações domésticas.

Junta-se a isso, agora, a adaptação ao ensino escolar on-line, algo que nem os professores, nem pais, muito menos alunos, haviam previsto para este ano escolar. No caso da educação infantil e do ensino fundamental, não é nem uma prática que estava prevista.

Como disse, é uma situação sui generis. Quem poderia prever que estaríamos enfrentando uma pandemia mundial?

Mas a situação está aí. E ela é complexa. Há demandas financeiras, de tempo, sociais, sem falar no preço emocional e de saúde que tudo isso está nos cobrando.

Ouvindo pais, mães e escolas (como mãe e professora que sou, não como jornalista), percebo que muitos estão ainda tentando manter um certo apego ao que estava planejado, mesmo que num formato diferente, o que é louvável, mas convenhamos, não é muito realista

E a realidade é a seguinte:

  • as aulas não devem ser retomadas tão cedo. Numa previsão otimista elas devem ficar suspensas por, pelo menos, mais dois meses. Ou seja, um trimestre letivo inteiro
  • se é esse o caso, não haverá condições para que este ano letivo seja concluído até dezembro, mesmo com a suspensão de dias letivos promovida pelo governo
  • seja a quarentena mantida ou não pelo governo, quem está bem informado e tiver condições de manter a família em casa não vai mandar seus filhos para a escola
  • a quarentena está tendo um GRANDE impacto financeiro em empresas e nas famílias
  • EaD não é uma solução ideal para o ensino fundamental, especialmente nos primeiros anos
  • o EaD simplesmente não é viável para a educação infantil
  • as crianças precisam, sim, de algum apoio e de algum contato com amigos, colegas e professores
  • cerca de 30% da força de trabalho de Curitiba está diretamente ligada a educação, seja nas escolas regulares, universidades, cursos etc. Deixar mesmo parte desses profissionais sem renda por dois, três, cinco meses seria uma tragédia social e econômica para a cidade
  • a mensalidade das escolas incluem inúmeros serviços além das aulas que simplesmente NÃO SERÃO CUMPRIDOS, como alimentação

Temos ainda um agravante extra para quem está em casa com os filhos trabalhando: a escola nesse formato on-line está se tornando mais uma demanda numa rotina que já está sendo muito difícil de gerenciar.

O fato é que trabalhar em casa com crianças não é muito produtivo. Na realidade, é bem pouco produtivo, porque crianças demandam atenção e nem sempre entendem que o pai e/ou a mãe que está ali, do lado dele, não pode parar a todo momento para atendê-la.

Algumas escolas inclusive estão enviando aos pais desafios/tarefas para que eles façam COM OS FILHOS. Como se os pais estivessem entediados, sem ter o que fazer.

Mas a realidade é que estamos sobrecarregados. As demandas de trabalho são muitas, a casa está mais suja e bagunçada, é preciso alimentar todo mundo (e criança come o tempo todo). Tudo isso toma tempo, e o tempo é escasso.

Parar tudo para cumprir uma tarefa da escola é mais um problemão. Algo que, muito embora bem intencionado e destinado a melhorar a qualidade da convivência entre pais e filhos, ignora o seguinte fato: estamos convivendo muito. E momentos de qualidade são aqueles em que não há demandas.

“Ah, mas o aprendizado não pode parar”. Quem disse? Estamos com pressa para quê? Nosso foco é manter as crianças saudáveis, seguras. Se elas vão conjugar verbos, aprender espanhol ou aprender a misturar cores, me desculpe, é secundário.

E crianças aprendem. Mesmo que fora do ambiente escolar e sem “desafios” para fazer com os pais. Só que não será o aprendizado que esperávamos.

Dito isso, meu apelo às escolas privadas é o seguinte: admitam que esse ano letivo já naufragou. Que o foco agora é salvar o que puder ser salvo. E sejam francos com os pais.

Sabemos que as escolas precisam das mensalidades para dar conta de suas obrigações financeiras, que não são poucas. Também sabemos que é importante manter empregados e remunerados professores e demais profissionais. Mas também é fato que vocês não vão cumprir com as obrigações contratuais que assumiram conosco.

Por que não negociar nestes termos? O Sindicato do Ensino privado e as escolas vão correr dizer que precisam de uma sinalização do estado para tomar qualquer iniciativa neste sentido. Não é verdade.

É realmente necessário aguardar decisões oficiais para definir calendário, alterações na carga horária, conteúdo etc. Mas o contrato entre escolas e pais vai além disso.

Por que não propor um acordo? Negociar reduções nos valores pagos?

Mais ainda: por que não deixar de tentar seguir o conteúdo e o calendário num formato que não é o ideal para crianças? As escolas podem sim ser parceiras dos pais e usar a tecnologia para promover momentos de interação social e de aprendizado sem criar novas demandas para os pais.

Ninguém quer ver a professora do filho sem emprego, mas também está sem entender porque está pagando o valor integral da mensalidade enquanto está tendo que dar conta de “ensinar” o filho além de todas as outras tarefas que já tem.

E no caso da educação infantil, o que o ensino on-line está deixando claro é que esse formato é incompatível com a criança e com o ensino. Não há EaD para pré-escola. Simples assim.

Quanto mais as escolas demoram para aceitar esta realidade, pior para todos. Um clima de antagonismo acaba se instalando entre pais e escola, e o caminho para acordos justos se torna mais difícil (ou inviável).

Pior ainda, a escola deixa de lado a oportunidade de conseguir ser parceira dos pais num momento em que precisamos, mais do que nunca, agir como uma comunidade. A pandemia é um problema social, as soluções para lidar com ela também precisam ser.

Talvez isso possa ser o grande aprendizado da pandemia: o de que podemos ser justos uns com os outros. Podemos assumir um ônus que podemos suportar se o bônus é não enfraquecer nossa comunidade. E as escolas podem ser as grandes promotoras desse momento. Que tal?

Sobre o/a autor/a

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O Plural se reserva o direito de não publicar comentários de baixo calão, que agridam a honra das pessoas ou que não respeitem níveis mínimos de civilidade. Os comentários são moderados por pessoas e não são publicados imediatamente.

Rolar para cima