Segurança tem mesmo orçamento da Saúde, metade do da Educação, mas nada da cobrança

Segurança teve maior aumento de despesas nos últimos dez anos sem qualquer avanço nos sistemas de controle, transparência ou mesmos índices de eficiência

O Paraná investe, por ano, cerca de R$ 4,9 bilhões em Saúde, outros R$ 4,7 bilhões em Segurança Pública e R$ 9,3 bilhões em Educação. Mas enquanto a Saúde e a Educação têm centenas de indicadores de resultado que vão desde a atenção básica até os atendimentos mais complexos, a Segurança Pública divulga um único relatório trimestral com dados de crimes registrados no estado.

A discrepância é um dos muitos indicativos de que ao contrário do investimento em Saúde e Educação que está sempre sob grande escrutínio, a Segurança Pública tem ganhado cada vez mais atenção e recursos, sem o mesmo controle. De 2013 a 2023, a Segurança foi a área, entre as três, que teve maior aumento de recursos: 98%, enquanto na educação o avanço foi de 72% e na saúde, 55%.

A evolução dos recursos da educação e saúde tem amparo legal, uma vez que parte das receitas são calculadas com base no número de cidadãos atendidos (atendimentos realizados nas unidades de saúde, alunos matriculados, população estimada) e a definição legal do mínimo constitucional que é de 12% para a Saúde e 25% para a educação.

A segurança pública não goza da mesma prerrogativa, mas tem recebido aumento de recursos por pressão social alavancada pela preocupação da população com a violência. A generosidade do Governo do Paraná com o setor, porém, não foi acompanhada pelo aumento de índices de avaliação das práticas da Secretaria Estadual nem de mais transparência.

Na realidade, o setor tem resistido a iniciativas que aumentam a transparência, como a adoção de câmeras corporais para registro de abordagens no policiamento. A impressão é que não está claro nem para as instituições da Segurança afinal qual a função que devem exercer. É o que se tornou evidente no episódio dos protestos golpistas e sua comparação com ações violentas da polícia como o massacre de professores em 29 de abril de 2015.

Não se sabe, como no Sistema Único de Saúde (SUS), quantos atendimentos são feitos por cada delegacia e/ou delegado, nem o índice de resolução de crimes. A população não tem qualquer informação sobre processos administrativos contra policiais, nem dados sobre o número de casos de má conduta investigados e punidos.

A síntese estatística divulgada pela SESP não inclui metodologia, nem notas explicativas, o que é problemático, considerando que a instituição não disponibiliza os dados brutos para análise independente nem explica a natureza dos dados usados. A falta de transparência na liberação dos dados os coloca sob suspeita e impede a análise independente.

Na realidade, as maiores fontes de informação sobre a área são externas a Secretaria, como o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e os dados do sistema público de saúde que contabilizam mortes violentas e atendimentos a vítimas de violência. Nesses locais, os dados disponíveis mostram problemas graves na condução da área. Por exemplo: de 2012 a 2020, o Fórum aponta um aumento de 105% no número de mortes causadas por policiais civis e militares em serviço ou não no Paraná.

O aumento é inferior aos 152% da média nacional, mas mesmo assim um forte indicador de que os policiais que deveriam proteger a população estão matando cada vez mais pessoas. Mas mesmo sabendo disso a SESP não tem nenhuma iniciativa que aborde o problema. A secretaria, na realidade, nem reconhece que existe um problema.

Recentemente o Plural noticiou problemas na escola de formação da Polícia Militar, críticas que foram ignoradas pelo comando da Polícia Militar. A PM e a Polícia Civil do Paraná também falharam em conter os protestos criminosos que fecharam rodovias, ocuparam ruas e provocaram prejuízo e incomodou o direito de ir e vir dos cidadãos paranaenses. O então Comandante da PM, coronel Hudson Leôncio Teixeira, foi flagrado admitindo prevaricar diante da ordem do Supremo Tribunal Federal (STF) e depois ignorou uma convocação do ministro do STF, Alexandre de Moraes, para ir a Brasília se explicar.

Por outro lado, na Educação, o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) reúnem diversos indicadores tanto da estrutura quanto do desempenho das escolas e dos professores. Sabe-se, por exemplo, a qualificação profissional de cada professor da rede de ensino pública e a relação dessa com as disciplinas na qual ele atua.

A educação também tem a previsão legal de estruturas de participação popular na fiscalização e acompanhamento do trabalho realizado, como as Associações de Pais e Professores, conselho escolar e os conselhos municipais e estadual de Educação.

Igualmente, no SUS, o governo do Paraná é obrigado a manter atualizado os dados do estado no Datasus que inclui cada atendimento realizado pela rede, valores pagos, qualificação de profissionais, atendimentos feitos, desfecho dos casos atendidos, etc.

A falta de dados na Segurança não é um desserviço apenas à população, mas também ao próprio corpo profissional das instituições. Sem dados é impossível para a população avaliar a efetividade dos investimentos feitos, bem como os gargalos do setor. Profissionais com bom desempenho podem passar despercebidos.

Apesar da completa falta de informações, o governador do Paraná, Ratinho Junior, usa suas redes sociais para fazer propaganda das forças de segurança com números que não querem dizer absolutamente nada sobre a efetiva qualidade do serviço. Caso da postagem em que o governador diz que o serviço 190 fez 2 milhões de atendimentos em 2022.

Na prática, esse dado diz que o 190 atendeu 2 milhões de ligações durante o ano (e nem é um ano completo, uma vez que o dado foi divulgado antes do fim de dezembro). Não há informações sobre quantas dessas ligações resultaram efetivamente em atendimento à população. O Paraná, para efeito de comparação, tem 11,8 milhões de habitantes.

Em Curitiba, que tem 1,8 milhão de habitantes, o serviço 156 da prefeitura recebeu no mesmo período 10 milhões de solicitações. O 156, claro, inclui mais que a segurança pública. O 156 também conta com um banco de dados público que inclui a resposta recebida pelo cidadão, o que não é o caso do 190.

É meio temerário que o governador de um estado como o Paraná ache que atender o telefone seja indicador de qualidade numa área que recebe mais de R$ 4 bilhões em recursos públicos. A população do estado merece mais do que ficar ao telefone quando precisa de ajuda.

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