Os números por trás das mortes de trans no Brasil

Reportagem de alunas da UP mostra que 97,7% das vítimas de assassinato de transexuais são mulheres

Esta publicação faz parte do Festival de Jornalismo Literário, organizado em parceria pelo Plural e faculdades de jornalismo de Curitiba e Ponta Grossa. 

Em 2019, dos 124 assassinatos de pessoas trans registrados, 121 foram travestis ou mulheres trans e 3 de homens trans. Somente 11 casos tiveram os suspeitos identificados, e apenas 7% foram presos. A média da idade dessas vítimas é de 29,7 anos. 

Ao passo que a expectativa de vida de uma brasileiro cis é de 76,3 anos, a de uma pessoa trans é de 35 anos. Esses são dados divulgados no Dossiê de Assassinatos e de Violência Contra Pessoas Trans no Brasil, da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), de 2019.

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O número de mortes de pessoas trans no país é seis vezes maior em relação aos Estados Unidos.

O Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo: entre 2008 e 2019 foram 1.418 assassinatos. Como o gráfico mostra, no ano passado foi registrado o menor número de assassinato de pessoas trans e travestis dos últimos três anos.

Em contrapartida, a violência aumentou gradativamente. O crescimento foi de 800% nesse mesmo período, segundo levantamento da Revista Gênero e Número, o que siginifica 11 pessoas agredidas diariamente.

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Em 2019, 37 assassinatos aconteceram na região Nordeste, 11 no Norte, 10 no Centro-Oeste, 30 no Sudeste e 11 no Sul. Em 2018 foram 36 na região Nordeste, 12 no Norte, 11 no Centro-Oeste, 28 no Sudeste e 12 no Sul. E em 2017, 38 na região Nordeste, 11 no Norte, 8 no Centro-Oeste, 32 no Sudeste e 11 no Sul. 

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Já em âmbito estadual, São Paulo e Ceará lideram o ranking de vítimas de 2019 com 21 e 11 mortes, respectivamente. Em 2018, foram os estados do Rio de Janeiro, 16, e Bahia, com 15. E em 2017 Minas Gerais, 20, e Bahia, 17.

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Em sua maioria as pessoas trans assassinadas são negras ou pardas, representando 82%; em seguida pessoas brancas com 17%; e em 1% dos casos não há informações sobre a cor da vítima.

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Pornografia

Embora o país seja o que mais mata pessoas trans, é também o que mais consome pornografia com essas pessoas. As chances de pesquisar ‘transexuais’ no RedTube (site de pornografia) e encontrar conteúdo são de 89% quando se está no Brasil, segundo levantamento realizado pela ONG Transgender Europe.

Além disso, o termo estrangeiro usado em sites pornôs para busca de vídeos de pessoas trans, “Shemale”, está entre o quarto tópico mais buscado no país. Enquanto isso, no ranking mundial essa mesma pesquisa ocupa o nono lugar.

Entre os 30 termos mais pesquisados, no mesmo site pornô, no Brasil, estão “travesti” e “brazilian shemale”. Vídeos com a tag “travesti” acumulam mais de 450 milhões de visualizações.

Contexto econômico e formação 

Segundo dados levantados pela ANTRA, estima-se que apenas 4% de mulheres trans estejam em empregos formais, 6% em atividades informais ou subempregos e 90% tenham na prostituição uma fonte de renda. Em se tratando de formação acadêmica, em média 0,02% têm Ensino Superior, 72% Ensino Médio e 28% Ensino Fundamental.

Como a maior parte das travestis e mulheres trans acaba recorrendo à prostituição como forma de sustento, isso acaba se refletindo nos assassinatos. Em 2019, 67% das mortes foram direcionados a profissionais do sexo e 64% aconteceram nas ruas.

Já a formação dos homens trans ou transmasculinos é inversamente proporcional, 80% deles têm Ensino Médio completo e mais de 70% têm um emprego formal. Entretanto, não há números sobre eles na prostituição, porque a maioria dos atendimentos são privês. 

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O que são os Ts do LGBTQI+

Embora a sigla LGBTQI+ esteja sendo muito discutida ultimamente, algumas letras ficam de fora dos debates. A transexualidade não tem grande visibilidade no movimento, o que acarreta na não divulgação da violência sofrida por esse público, ou na divulgação de maneira equivocada.

São quatro identidades de gêneros, mulheres ou homens transsexuais e travestis ou transmasculinos. Em todos os casos essas pessoas se reconhecem com o gênero oposto do nascimento. A principal diferença é que os dois primeiros reivindicam a forma de gênero construída pela sociedade e os dois últimos não.

Por exemplo, uma mulher transexual reivindica as características femininas e o homem transsexual reinvindica caratecteristicas masculinas. Os dois podem ou não se submeterem a tratamento hormonal ou intervenção cirúrgica.

Já uma travesti se reconhece com o gênero feminino, tem expressões femininas, mas não tem a necessidade de assumir características físicas ditas femininas. O mesmo acontece com o transmasculino, ele tem expressões masculinas, mas não deseja ter características físicas masculinas.

Histórias reais 

Em Fortaleza (CE), Dandara Kettlyn de Velasques, mulher transexual, foi assassinada em plena luz do dia. Todo o ato foi filmado e publicado na internet, causando grande repercussão. O caso ficou famoso e, após Dandara, diversas ações e projetos para a população trans começaram a surgir.

Um deles é o aplicativo Dandarah, que tem como objetivo mapear as regiões de risco para população LGBTQI+. Elaborado pelo projeto Resistência Arco-Íris, Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), em parceria com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT), o aplicativo foi lançado no final de 2019 e está disponível para IOS e Android.

Mas existem casos com pouca repercussão como a de Veronica de Oliveira, 40 anos. Ela foi abordada por um homem no cruzamento em que costumava trabalhar, em Santa Maria (RS). Após discutirem por conta do valor do programa, Veronica foi morta a facadas por ele.

Em 2019, a travesti Quelly dos Santos, de 35 anos, foi brutalmente assassinada por Caio Santos de Oliveira, de 20 anos. Ela teve o rosto lesionado, o tórax aberto e o coração arrancado. No lugar do coração o agressor colocou a imagem de uma santa. Ao ser questionado do motivo do crime, Caio respondeu “Ele era o demônio, e eu arranquei o coração dele”. O caso ocorreu em Campinas (SP).

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1 comentário em “Os números por trás das mortes de trans no Brasil”

  1. Paulo Vinicius B Silva

    Triste! No entanto importante e excelente a reportagem.
    No gráfico de raça/cor estão as categorias do IBGE “pretas” e “pardas”, mas na descrição do gráfico mudaram para “negras” e “pardas”. Sugiro usar sempre as categorias em acordo com o IBGE e, conforme uso amplo e consagrado nas ciências sociais e por movimentos negros brasileiros, a categoria pessoas “negras” como correspondente ao agrupamento de “pretas” e “pardas”.

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