Fagner Zadra venceu um câncer e quer voltar a andar

Isolado no RS por causa da pandemia, comediante fala sobre problemas de saúde e projetos futuros

Fagner Zadra teve uma carreira meteórica: os vídeos do grupo Tesão, Piá em que ele surgia brincando com o comportamento e o jeito de falar do curitibano se tornaram clássicos da cidade e o transformaram em celebridade. Logo ele estava por toda a internet e nos teatros, fazendo rir com seu jeito tranquilo. Mas aí veio o acidente.

Em 2014, na abertura do Festival de Teatro, um enfeite de 300 quilos caiu em sua cabeça e o deixou tetraplégico. Demorou um pouco, mas ele voltou aos palcos, e ao YouTube. E continuou fazendo exatamente o que fazia. Embora, claro, com mais dificuldade.

Neste ano, em meio à pandemia, Zadra sofreu um novo baque: descobriu um câncer que exigiu a retirada de um rim. Na recuperação, precisou se isolar no Rio Grande do Sul para não contrair o vírus.

A entrevista abaixo é a primeira depois da boa notícia de que o câncer está superado (cuidados e monitoramento são necessários porque a doença sempre pode voltar).

E Zadra fala também sobre os implantes que fez e que podem, um dia, fazer com que ele volte a andar. O processo é longo e incerto, mas ele segue otimista.

As condições em que respondeu às perguntas abaixo dizem muito sobre Zadra: com uma escara aberta, ele está deitado de lado há meses. Sem conseguir sentar para escrever no computador com as órteses que inventou, ele precisa digitar usando o movimento do braço, que empurra o polegar até cada letra.

Mesmo assim, como você vai ver, a última frase da entrevista manda um recado bem à moda de Zadra: “Vamos que vamos, porque a vida é bela”.

Como você descobriu esse câncer? Como foi o tratamento?

Foi coisa de cinema! Aconteceu algo incrível e sobrenatural.

Fui para a emergência do Hospital Santa Cruz, com um quadro de dor aguda no corpo inteiro, me retorcendo por causa de espasmos musculares absurdos e pressão arterial tão alta que corria risco de ter um AVC. Rapidamente fui medicado e após algumas horas fiquei bem e estável. Então depois de uma bateria de exames que nada encontraram de errado, fui liberado. Já vestido, tentei sair, mas minha cadeira de rodas motorizada não funcionou e comecei a me sentir esquisito, como se algo estivesse me segurando ali.

Quando consegui sair, já indo embora, fui surpreendido por uma solicitação de última hora do médico que cuidava do meu caso. Dr. Felipe Bueno queria que eu repetisse o exame de imagem, mas dessa vez com contraste. Como esperado, o exame não mostrou absolutamente nada relacionado às dores, porém, num golpe de “sorte”, o exame revelou manchas anormais no rim esquerdo. Depois de alguns dias e de outros exames, descobrimos que eu estava com câncer.

Posteriormente conversando com o dr. Felipe, ele disse que só voltou para pedir aquele exame porque teve uma intuição, sentindo como se “algo” ou “alguém” tivesse induzido ele para voltar e fazer aquela solicitação. E esse ato foi essencial para salvar a minha vida, assim como os procedimentos dos outros médicos em seguida.

Então, depois de vários exames com o meu uro-oncologista, decidimos retirar o meu rim doente, para que o câncer não tivesse chances de se espalhar, assim diminuindo o risco de que eu morresse.

E assim a minha vida foi salva mais uma vez, e o responsável pelo diagnóstico preciso, cirurgia perfeita e acompanhamento exemplar, foi e está sendo o dr. Francisco R. Pegoretto, que assim como meus outros médicos não gosta muito de estar na mídia, mas como sou rebelde (risos) e acho importante ser grato às pessoas que nos ajudam, então faço isso publicamente.

Já dá pra dizer que você está curado?

Para ter certeza, vamos precisar acompanhar por alguns anos, pois não podemos afirmar que estou totalmente curado, mas existe uma chance de 90% de estar curado e o câncer não voltar mais. Mas, se voltar, com muita coragem vou lutar novamente para vencer o câncer de novo, com todo o auxílio da ciência médica e o talento e conhecimento dos médicos, enfermeiros e equipe hospitalar, com o fundamental apoio e força dados pela família, amigos e meus queridos fãs, com todas as minhas forças e com certeza com o auxílio de quem está cuidando de mim no céu, ou em outro plano, que não sei como é, mas que tenho muita fé de que existe.

Peço sempre ajuda e proteção à Santa Irmã Dulce, à Santa Rita de Cássia, a todas as pessoas queridas que estão no outro plano, e principalmente ao meu anjo da guarda – porque venho dando bastante trabalho para ele ultimamente (risos).

Respeito as pessoas que pensam diferente de mim, de qualquer religião ou credo, incluindo os ateus, cada um tem suas razões para suas crenças, mas mesmo eu acreditando no “outro lado”, não estou muito a fim de ir para lá tão cedo (risos).

Uma vez vi o Chico Anysio falando que todo mundo quer conhecer Deus, mas ninguém quer morrer e fazer isso logo!

Foto: Marcelo Cozzo.

Você passou por um monte de coisas difíceis. Como você lida com isso emocionalmente?

Utilizando o humor como ferramenta de transformação, tentando fazer graça com a desgraça para constantemente mostrar para os outros e para mim mesmo que a vida é um caminho tortuoso e muitas vezes difícil e doloroso, mas é a gente que escolhe se vai percorrer este caminho sorrindo ou reclamando.

E também admitindo que a gente precisa uns dos outros para diminuir este fardo.

Veja bem, de tanto acumular traumas por causa das inúmeras situações de quase-morte que passei, e nem lembro quantas de tantas que foram, após a cirurgia do câncer e ter passado mais uma vez por todo aquele medo de morrer, explodiu em mim o Transtorno do Estresse Pós-Traumático Tardio, que é aquilo que acontece muito com soldados que voltam da guerra. É algo extremamente terrível, pois cada vez que eu adormecia, ao acordar, e absolutamente acordado, eu me via lá no chão na hora do “acidente” que me deixou tetraplégico, como se voltasse para aquele dia, vendo exatamente tudo e todos que estavam ao meu redor, ouvindo os sons, sentindo tudo como naquele dia, ou seja, sentindo o pescoço quebrado e minha vida indo embora, inclusive parando de respirar. É como um pesadelo, mas acordado. É algo terrível e que me fez continuar internado no hospital, até que o dr. Carlos Sperandio, com sua expertise, descobriu que era isso e chamou o dr. Vinicius Motter, que me curou desta terrível situação, e logo voltei a fazer as pessoas ao meu redor rirem.

Isso só confirma o que eu disse ali acima, que na vida a gente precisa da ajuda uns dos outros para seguir em frente, e que a melhor forma de seguir é sorrindo.

Além de tudo, você continua fazendo humor. De onde você tira ânimo, rapaz?

Fazer humor não é uma questão só de ânimo, mas também de força de vontade. Penso que o humor é algo necessário para a vida humana, portanto se a minha função é trazer a alegria, faço de tudo para isso acontecer, mesmo quando às vezes eu esteja passando por um péssimo momento. Acredito que o humor mais verdadeiro é aquele que extrai a comédia da tragédia, principalmente das tragédias pessoais.

Eu faço um show chamado “Sit down comedy”, onde falo sobre problemas e deficiência, tanto a minha, quanto de outros, porém mesmo tratando puramente de tragédia, não agrido ninguém, apenas exponho as mazelas da vida de forma cômica, para que todos possam rir, tanto as pessoas “comuns”, quanto as que têm deficiência ou estejam passando por aquele problema. Falo muito sobre mim, mas quando falo de outras pessoas, minha pretensão não é rir das pessoas, e sim, rir com essas pessoas. Agora, também vou incluir o câncer. Ou seja, a cada tragédia que passo, tento fazer comédia daquilo, para deixar tudo mais leve, porque a vida já é dura por si só.

Mas também tem o fato de eu ser viciado em risadas. Como é bom ver alguém rindo de algo que eu fiz ou do que falei. Me alegra o coração, vendo a felicidade alheia, principalmente se for causada por mim.

Os problemas me afetam muito mais quando não são comigo, e sim com alguém que amo. Dos meus problemas, eu faço piada.

Recentemente você fez um implante na intenção de ajudar a recuperar movimentos. Qual a chance real de você voltar a andar?

Esse implante de neuroestimuladores na medula, voltados para motricidade, ou seja, para voltar a andar, é um protocolo de um estudo suíço, ainda inicial, mas que já está dando resultado em alguns pacientes na Suíça e nos EUA. Aqui, no Brasil, fui o primeiro implantado. O neurologista dr. Alexandre Novicki Francisco, que é o pioneiro desse estudo no Brasil, foi quem fez os implantes. Sabe-se que tem chances de dar certo. Porém, só dá resultado se for atrelado à muita fisioterapia específica para essa parte neurológica funcionar, e não é assim em pouco tempo, é algo que tende a levar muitos anos com muito trabalho de fisioterapia pesada e ajustes, e eu nem consegui iniciar direito, pois veio a pandemia e tive que parar tudo para vir me isolar no interior do Rio Grande do Sul, pois sou do grupo de risco e não estou querendo dar mais trabalho para meu anjo da guarda, pelo menos não por enquanto (risos). Como ainda tem pouca estatística sobre os resultados dos implantados, que somos pouquíssimos no mundo, então não temos ainda muito o que dizer sobre as chances, apenas sabemos que existe a possibilidade. Porém, já existem pacientes tetraplégicos dando alguns passos, ainda com muita dificuldade, mas isso é incrível e traz muita esperança.

Eu sou otimista, com o pouco de chances que eu tiver, vou fazer muito, não sei o tempo que vai levar, mas tenho certeza de que vai dar certo, pois vou dar o máximo de mim para isso acontecer. Na vida, a gente precisa persistir, acreditar e ter fé para as coisas funcionarem, mesmo que a gente esteja falando de um estudo científico. E para quem duvidar de mim, eu digo: “Minha medula, minhas regras” (risos).

Foto: Arquivo pessoal

Quando o pessoal vai te ver de novo no palco, nas telas?

No palco assim que tiver uma vacina contra o coronavírus e eu possa voltar com segurança total. Tenho várias peças e shows prontos para o público assistir, tanto com o Tesão Piá quanto projetos solo, como meu novo show solo especial de comédia. Nas telas, através da internet, já estamos gravando com o Tesão Piá, eles em Curitiba e eu daqui. Já tem vídeo lançado e logo terá mais. Também vou reestrear meu canal do YouTube que é o “Fagner Zadra, Sit Down Comedy” e também um outro canal que vai ser de conteúdo diferente. Nele, quero falar sobre questões da vida, mostrando meu lado mais filosófico. Mas tem mais coisa boa vindo aí, pois estou trabalhando na criação de um seriado, também em um projeto para a televisão e ainda trabalhando em outro projeto para o cinema.

Aliás, você mostrou ser um cronista de mão cheia. O pessoal já está sentindo tua falta. Verdade que deve ter livro?

Exatamente! O primeiro livro de crônicas de humor está pronto e a caminho da editora, logo vai estar à venda. E já estou terminando de escrever o segundo livro, que é na mesma linha. Pretendo me firmar cada vez mais como escritor, principalmente escrevendo crônicas de humor.

Também logo volto com as crônicas aqui no Plural.

Você escolheu Curitiba não só como casa, mas como tema. Qual é tua relação com a cidade?

É uma relação de puro amor. É a cidade que escolhi e pela qual fui escolhido. Curitiba, para mim, significa felicidade e já estou com uma saudade tremenda.

Manda um oi pra piazada.

Gente, eu voltei!!! E quero agradecer todas as pessoas que de alguma forma me mandam energia, que gostam de mim, que acreditam em mim, que torcem por mim, que oram por mim, que choram por mim e que riem de mim. Muito obrigado por estarem sempre comigo, vocês fazem muita diferença na minha vida!

E também agradeço muito ao dr. Felipe Bueno, ao dr. Francisco R. Pegoretto e ao dr. Francisco Carvalho e suas equipes, que foram exemplares cuidando da minha vida e da minha plena recuperação. Recuperação essa, que também devo ao dr. Carlos Sperandio, ao dr. Alexandre Novicki Francisco, ao Dr Vinicius Motter, a todas as equipes de enfermagem, nutrição e hotelaria do Hospital Santa Cruz, e aos meus enfermeiros e fisioterapeuta. Também foi muitíssimo importante o apoio dos meus queridos amigos. E o mais importante: o apoio, força e amor incondicionais dados pela minha família. Sem eles eu não seria nada, e não conseguiria superar todos os obstáculos que a vida me impôs.

Vamo que vamo, porque a vida é bela!

Sobre o/a autor/a

4 comentários em “Fagner Zadra venceu um câncer e quer voltar a andar”

  1. Parabéns Fagner pelo bom humor apesar de todas essas provações, tenho fé que vai dar tudo certo para vc e logo logo veremos o Tesão pia nos alegrando novamente.

  2. Adelia Muller Sztoltz

    Meus Deus que pessoa fantástica que é esse menino Fagner.
    Uma história emocionante…
    Admiro muito você Fagner.
    Vou rezar por você todos os dias.
    Admiro sua mãe também pela força e determinação, através do Facebook.

  3. Allan Bavoso Larocca

    A história do Fagner é incrível, e sua força para se recuperar é inspiradora!
    Tive w oportunidade de conhecê-lo pessoalmente, por meio de um de seus primeiros fisioterapeutas, Dr. Leonardo Grilo, que, por sinal, tb é meu fisioterapeuta (excelente profissional, cujo trabalho com o Fagner, sem dúvida, o deixaram muito melhor do que como no início).
    Além do mais, o Fagner e um cara muito gente boa, com um coração enorme!
    Que Deus o abençoe e te ajude a se recuperar muito mais queridão!

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