É desde sempre que os povos dos tamanduás e os das formigas têm problemas entre si; afinal, a base da alimentação do tamanduá é justamente a formiga, e convenhamos, ninguém gosta de ser devorado, nem as formigas.
Cansadas de tanto medo e de sofrer tanta opressão, umas formigas operárias resolveram fazer uma paralisação dos trabalhos, até porque são elas que ficam mais expostas ao perigo em campo aberto e era muito pequeno o contingente de formigas-soldado que acompanham o grupo daqueles insetos em fila indiana, que são responsáveis pela descoberta, logística e transporte de toda a alimentação do formigueiro. A situação estava insustentável; por isso, pararam e se reuniram dentro do formigueiro.
Um grupo de formigas protestava:
– Não dá mais! Abaixo a rainha! – Gritava uma formiga enfurecida.
Outras juntas cantavam alto:
– Formiga, unida, jamais será comida!
– Formiga, unida, jamais será comida!
– Formiga, unida, jamais será comida!
Tinha formigas segurando cartazes e faixas com os dizeres: “FORA RAINHA”, “PAZ’, “QUEREMOS SEGURANÇA”. Também tinha formiga segurando bandeiras vermelhas da CUF (Central Única das Formigas), organizadora do protesto.
Uma formiga da CUF gritava frases de ordem e as outras repetiam uma parte em coro:
– Chega de barbárie!
CHEGAAA !!!
– Chega de correr perigo!
CHEGAAA !!!
– Chega de guerra com os tamanduás! Queremos paz!
QUEREMOS PAZ !!!
A manifestação começou a crescer e tomou conta do formigueiro, e logo quase todos os setores aderiram à paralisação, que se tornou geral. As operárias, as jardineiras, as acasaladoras, enfim todas, menos as soldadas que estavam apoiando a rainha, que com isso se obrigou a abrir uma linha de diálogo. Um pequeno grupo com um representante de cada setor foi chamado, inclusive um da CUF, e se reuniram no gabinete da rainha.
A reunião nem bem começou e uma já deu um soco na mesa e falou alto:
– A gente não aguenta mais! Não tem mais condições de sair do formigueiro! Queremos nossos direitos! Abaixo quem manda neste governo incompetente!
– Cala essa boca, é ridícula esta sua reivindicação.
– E por que seria ridícula?
– Porque a rainha é você!
– Ah, verdade.
– Viram??? Temos uma rainha estúpida! Já não basta o acordo com os gafanhotos que, como todo mundo previa, estão destruindo todas as riquezas do nosso território!
– E o que vocês sugerem?
– Queremos diálogo com os tamanduás.
– O melhor que temos a fazer é usar a nossa Formiga Atômica e acabar com os tamanduás de uma vez por todas – disse a formiga general do exército.
– Mas a gente quer paz, chega de guerra! – disse a líder operária, que continuou – Nós temos a Formiga Atômica só por precaução, o objetivo nunca foi usar de fato, é o que vocês sempre nos disseram.
– Sim, exatamente. Rainha, o que devemos fazer?… Rainha?… Rainha?… Puta que pariu, para de escrever merda neste insetwitter e presta atenção aqui pô!
– Desculpe, qual era o problema mesmo?
– Rainha, o problema é que vão acabar comendo todo mundo, inclusive você! – disse a líder operária.
– Ninguém vai me comer não! Isso é coisa de vocês! Minha bunda é a maior daqui, mas ninguém vai comer ela não!
– Tudo bem que você é tanajura, mas só pensa em bunda? Que fixação! Se liga, estamos falando dos tamanduás que vão comer todas nós formigas!
– Ah tá, sei lá, General, o que você sugere?
– Então sugiro a gente enviar uma formiga alada para tentar um diálogo com os tamanduás, se eles não aceitarem, acionamos a Formiga Atômica.
Todos concordaram e a formiga alada voou até o inimigo e negociou com o líder dos tamanduás, voltando rapidamente com a resposta.
A condição para que os tamanduás não comecem mais as formigas era elas desativarem o programa nuclear. Todos concordaram, menos uma, que ficou indignada e falava alto e esbravejando.
– Não façam isso! A idéia de termos a Formiga Atômica não é para jogarmos ela nos outros, mas para que os outros não nos oprimam!
– Calma, você está muito exaltado, Enéas.
Mesmo com a insistência da formiga barbada, que usava óculos, as outras concordaram com o trato, dispensaram a Formiga Atômica, que voltou para Hollywood, e a Rainha marcou uma data para apertar a pata do Tamanduá Rei e selar a paz.
Na data marcada, todas as formigas estavam em festa fora do formigueiro, inclusive a Rainha. Bandeiras brancas, formigas se abraçando, foguetório e uma enorme sensação de paz, que já era uma realidade para todos, tomou conta do ambiente. O líder das operárias tinha até trocado o boné da CUF por um com um desenho de tamanduá. Umas usavam camiseta com desenhos de um tamanduá abraçando uma formiguinha, envolto de um coração, escrito paz. A alegria tomou conta das milhares de formigas.
– Olhem lá, eles estão vindo!!!
ÊÊÊÊÊÊÊÊÊ!!!
O tamanduá acenou de longe e a Rainha das formigas fez um sinal para ele se aproximar. O Rei dos tamanduás, por sua vez, silencioso e sorridente, veio calmamente andando até as formigas e quando a Rainha estendeu a patinha em direção ao gigantesco tamanduá, ele olhou para a formiga, sorriu, aí comeu todo mundo.
NOTAS DO ESCRITOR:
* Como moral da história, fica o trocadilho: “Tamanduá não dá bandeira”.
* Os setores de um formigueiro são na realidade castas. É assim que é a divisão social de um formigueiro, e também da Índia.
* Os tamanduás não comem indianos.