Presos amontoados fazem greve de fome em Matinhos

MP quer interdição da Delegacia Cidadã. Ratinho e secretário vão pagar multa por superlotação

Os presos abrigados nas quatro celas improvisadas da Delegacia Cidadã de Matinhos, no Litoral Paranaense, recusam a alimentação oferecida desde ontem (29). A greve de fome chama atenção para um problema que começou logo após a inauguração, em 2017: a superlotação. A ausência de soluções levou o Ministério Público do Paraná a pedir interdição do local e cobrar multa direta do governador.

Sem estrutura para receber detentos, a delegacia aglomera uma média de 50 homens, mulheres e até idosos. Nesta segunda-feira, representantes de grupos ligados aos direitos humanos e à segurança realizaram uma nova vistoria.

“A situação é a mesma de sempre, 37 hoje, amontoados onde não deveria haver nenhum”, diz o vice-presidente do Conselho da Comunidade de Matinhos, Jakson Rebello. “A delegacia era pra ser cidadã, somente lavrar flagrantes e deixar os suspeitos sob custódia, não mantê-los presos . Mas a média é de 50 pessoas, em quatro celas totalmente desapropriadas, onde caberiam no máximo 16. Têm mulheres e até um senhor de 70 anos.”

Durante a visita, que contou também com representantes do Conselho de Segurança de Matinhos, Comissão dos Direitos Humanos da OAB-PR e representantes da UFPR, foram novamente contabilizados os problemas de infraestrutura, falta de colchões, cobertores e produtos de higiene, além da morosidade no andamento dos processos. “Vamos avaliar todas as denúncias e tomar as providências”, garante o presidente da Comissão da OAB, Nilton Ribeiro.

Faltam colchões e cobertores

Com uma população de 38 mil habitantes, Matinhos teve sua antiga cadeia desativada em 2017 para a inauguração da Delegacia Cidadã, a primeira do projeto Paraná Seguro, promessa de campanha de Beto Richa (PSDB).

“Essa nomenclatura prevê um serviço diferenciado da cadeia pública que tínhamos, mas nunca conseguiu cumprir, pois o número de presos está sempre acima do permitido. A estrutura não é adequada, tanto que em fevereiro tivemos um surto de sarna. As condições sanitárias são bastante precárias; é um local sem luminosidade, onde os presos não pegam sol, não têm seus direitos básicos garantidos”, avalia a professora Adriana Lucinda de Oliveira, coordenadora do projeto ‘Conselho da Comunidade em Ação’, da UFPR Litoral, que acompanha a situação dos detidos.

Precariedade sanitária e direitos desrespeitados

“Ficamos o tempo todo verificando uma afronta aos direitos humanos dessa população pois, independente do crime, eles têm direitos. Tem muito preso que não tem nem processo. São detidos e jogados ali. A justiça é extremamente morosa e isso dificulta. Essa situação deve ser de preocupação pública pois é uma condição subumana de detenção que atinge a própria lei”, ressalta Adriana, destacando ainda a segurança da população, já que a estrutura da delegacia precisou ser adaptada para evitar fugas.

Segundo Adriana, mesmo com a ação conjunta dos órgãos, há de se buscar estratégias para pressionar. “Não temos condições objetivas de enfrentamento disso.”

Jakson reforça a dificuldade na solução. “A todo momento, solicitamos transferência de presos condenados mas não atendem. Transferem a responsabilidade, ficam jogando de um pro outro e, quando conseguimos localizar o responsável, jogam novamente pra outro. Ninguém resolve nada. Oficiamos todos os órgãos e, na maioria das vezes, nem retorno. Há um desinteresse em resolver o problema”, acredita.

Segurança do prédio precisou de reforço

Mapa carcerário

A superlotação na Delegacia de Matinhos não é uma exclusividade, já que a falta de vagas no sistema prisional do Paraná é de 3.698. Por 33 Unidades Penais espalhadas pelo Estado (sendo 28 delas de regime fechado), estão distribuídos 22.213 presos – 9.291 só em Curitiba e Região Metropolitana. A maioria deles é homem (96%), de cor branca (61%), tem entre 25 e 29 anos (5,5 mil) e passa, em média, de 30 a 90 dias detida.

Os dados (de 30/04/19), do Departamento Penitenciário (Depen), são validados pela Secretaria da Segurança Pública e Administração Penitenciária do Paraná (Sesp), que confirma estar ciente do problema histórico de superlotação nas carceragens das delegacias. “Semanalmente, o Comitê de Transferência de Presos (Cotransp) autoriza a transferência de delegacias para o sistema prisional. No entanto, as vagas só são abertas com a saída de presos e, para isso, é preciso autorização do Poder Judiciário”, informa em nota, a Sesp.

Segundo a Secretaria, 11 presos (seis homens e cinco mulheres) foram transferidos da Delegacia de Matinhos nas últimas duas semanas. “A solução para o caso de superlotação são as obras de construção e ampliação de unidades prisionais do Estado, que já estão em andamento.”

Com elas, o governo promete abrir seis mil novas vagas. Outras 684 foram disponibilizadas com a instalação de celas modulares.

Celas modulares (shelters). Foto: Sesp

O trabalho de investigação também deve melhorar, já que 1,1 mil policiais civis foram liberados exclusivamente para o trabalho, após a transferência da gestão de 37 carceragens, administradas pela Polícia Civil, para o Depen.

“Além das medidas para combater o problema de superlotação, em todo e qualquer caso que os detentos precisem de atendimento médico, as unidades acionam a Secretaria Municipal da Saúde e a Vigilância Sanitária do município, que fornecem atendimento e medicamentos adequados. Informamos ainda que neste início de gestão está sendo realizado um mapeamento de todos os problemas das instituições correspondentes à Pasta. Posteriormente a este período, este planejamento estratégico deverá colaborar para solucionar o problema em médio e longo prazo”, finaliza o texto.

Resolve ou paga

A 2ª Promotoria de Justiça de Matinhos vem acompanhando o caso de perto. Em outubro do ano passado, apresentou ação civil pública contra o Estado pela superlotação. “Esta construção previa uma delegacia sem carceragem. O preso em flagrante ficaria na Delegacia Cidadã só pelo tempo da audiência de custódia e depois seria transferido para um estabelecimento adequado. Mas o modelo nunca funcionou desse jeito. Então, logo após a inauguração já começamos a receber presos e não conseguíamos a transferência deles. Aí foram adaptando as salas de custódia para poder receber os provisórios que estavam permanecendo”, revela a promotora Carolina Aidar de Oliveira.

Salas se tornaram celas

Com a temporada de verão, e uma quadrilha inteira de assaltantes, a situação piorou. “Pedimos e obtivemos a liminar para interditar e promover as adequações ou a transferência, mas o Estado não cumpriu. Houve a mudança de gestão e estamos tentando executar a multa, porém, também não estamos tendo sucesso”, explica Carolina.

A multa judicial estipula o valor diário de R$10 mil ao governador Ratinho Jr e também ao secretário de segurança pública, o general Luiz Felipe Kraemer Carbonell. “A multa é pessoal, não sai dos cofres do estado, mas pela mudança de gestão está bem complicado. Estamos aguardando manifestação”, aponta a promotora.

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