O dia em que ‘Mamãe Falei’ foi parar na delegacia em Curitiba

Em polêmica que pode custar seu mandato na Assembleia Legislativa paulista, Arthur do Val foi à Ucrânia e disse que ucranianas “são fáceis porque são pobres”

O deputado estadual de São Paulo Arthur do Val conseguiu uma façanha na semana passada: uniu praticamente o país todo em repúdio a suas falas sexistas a respeito das refugiadas de guerra ucranianas. Desde que os áudios foram divulgados, no dia 4, o parlamentar vem colecionando derrotas: renunciou à pré-candidatura ao governo de São Paulo, foi desautorizado por aliados, como o ex-ministro Sérgio Moro, e a cassação de seu mandato é dada como praticamente certa. Nesta terça-feira (8), perdeu o partido. O Podemos anunciou que aceitou seu pedido de desfiliação.

As polêmicas do “Mamãe Falei”, apelido pelo qual Arthur do Val é conhecido desde quando era apenas um youtuber que corria em manifestações, começaram muito antes de ele conquistar uma vaga na Assembleia Legislativa de São Paulo, em 2018. Popular no YouTube e integrante do MBL (Movimento Brasil Livre), Arthur do Val fazia ao seu estilo a “cobertura” de atos e manifestações: sempre crítico a quem protesta e à esquerda em geral, com falas editadas e cortadas para passar a impressão de que os manifestantes nunca sabem o que os leva a protestar.

Em outubro de 2016, ao fazer uma dessas “coberturas”, Arthur do Val esteve em Curitiba e foi parar na Delegacia da Mulher por supostamente importunar uma adolescente. Naquele mês, estudantes secundaristas ocupavam escolas para protestar contra a reforma do ensino médio apresentada pelo governo de Michel Temer. No Paraná, cerca de 300 escolas foram ocupadas em algum momento.

O resultado da cobertura do “Mamãe Falei” está em dois vídeos que o deputado ainda mantém no ar em seu canal no YouTube: falas rápidas e editadas, muitos cortes e diálogos em que a palavra final sempre cabe ao entrevistador. Desde o início os manifestantes são tratados como “foras da lei”, por supostamente impedirem o seu direito de ir e vir.

O segundo vídeo mostra o youtuber sendo retirado à força do colégio por estudantes. A advogada Tânia Mandarino, que prestava assistência aos estudantes durante as ocupações, diz que a retirada dele do local nada teve a ver com a filmagem. Tanto que um grupo seguiu diretamente dali para a Delegacia da Mulher com o youtuber.

Segundo uma estudante que na época tinha 17 anos, Arthur do Val provocou os manifestantes com palavras chulas e de conotação sexual e gravou apenas as reações. A certa altura, ele teria se aproximado e passado a mão ao lado do seio e na cintura da adolescente. Neste momento os estudantes teriam retirado Mamãe Falei à força do colégio. Um advogado que estava no local levou o grupo para a delegacia, onde o youtuber continuou fazendo filmagens.

No boletim de ocorrência, datado de 19 de outubro de 2016, consta que Arthur do Val chamou as estudantes adolescentes de “gostosas” e que se dispôs a beijá-las. “Vocês são todas gostosas. Se me achar bonito é só chegar, posso beijar todas”, teria dito. Ele negou. A conduta foi classificada como importunação ofensiva ao pudor, na época uma contravenção penal (desde 2018 tipificada como crime de importunação sexual, com pena máxima de 5 anos), e o caso foi encaminhado para o Juizado Penal Especial Criminal. Como o Ministério Público do Paraná decidiu não oferecer denúncia contra Arthur do Val, o caso foi encerrado.

Dois anos depois, quando já tinha atingido a maioridade, a estudante que registrou o boletim de ocorrência foi notificada: estava sendo processada por Mamãe Falei, que pedia R$ 15 mil a título de indenização moral. A Justiça entendeu que não houve má-fé da estudante e o processo foi arquivado.

Processos em série

No dia 15 de fevereiro deste ano, o líder do MBL, Renan Santos, e o deputado federal Kim Kataguiri (União Brasil-SP) anunciaram os nomes de 18 pessoas ou veículos de imprensa que seriam processados “na primeira leva”, segundo matéria publicada no site do movimento. Os alvos eram críticos de Kataguiri, que dias antes havia declarado em um podcast que a Alemanha errou ao proibir a existência de um partido nazista.

Para Tânia Mandarino, a tática de buscar o processo já estava presente nos vídeos feitos por integrantes do MBL na época das ocupações. “Acho que isso é uma técnica. Ele (Mamãe Falei) pausa o vídeo e provoca a garota mais quieta que estava ali (no Colégio Estadual), e quando vem a reação ele volta a gravar”, diz a advogada.

Na ação em que pedia R$ 15 mil de indenização, Mamãe Falei alegou que a estudante o acusou de estupro (ele chegou a publicar a informação em seu perfil no Twitter), o que não consta do boletim de ocorrência. “Era uma adolescente. Ele fez isso de caso pensado, sabia que os celulares dos estudantes estavam guardados”, diz Tânia Mandarino. Arthur do Val negou todas as acusações na época.

Arthur do Val, segundo ele, fazendo coquetéis molotov na Ucrânia. Foto: reprodução/Instagram.

O fim

Em vídeo publicado em seu canal nesta terça-feira (8), Arthur do Val mostrou ter pouca esperança de manter seu mandato na Assembleia Legislativa de São Paulo após dizer que as refugiadas ucranianas “são fáceis porque são pobres”, entre outras frases machistas e sexistas. “Vou ser cassado em três dias. Vai ser o recorde histórico de tempo”, disse.

No vídeo de aproximadamente 12 minutos, intitulado “Acho que é o fim – obrigado por tudo”, o deputado anunciou seu desligamento do MBL e disse que está “introspectivo”. “Estou tirando esse tempo para ficar um pouco mais introspectivo, para refletir, para aprender, para amadurecer um pouco, às vezes coisas que você nem sabe que tem de deficiência”.

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3 comentários em “O dia em que ‘Mamãe Falei’ foi parar na delegacia em Curitiba”

  1. Me revolta , o jeito com que ele ” vira o jogo”, se fazendo de vítima. Me revolta , a maneira como saiu impune depois de assediar uma menina. Me revolta mais ainda quem vota nesse tipo de político, quem defende.

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