Lovers rock é um subgênero musical jamaicano, próximo do reggae e feito para se dançar coladinho. O ritmo foi criado em meados dos anos 1970 e chegou com força no Reino Unido, sobretudo na comunidade negra, em seus guetos e festas. Tem como características ser apolítico e romântico. Surgiu como uma resposta às músicas do movimento rastafari, esse sim, extremamente engajado.
Lovers Rock é também um telefilme que integra a série Small Axe, produzida pela BBC One e dirigida pelo inglês Steve McQueen. Com cinco títulos que tratam de histórias de imigrantes negros entre os anos 1970 e 1980 no Reino Unido, Lovers Rock é o segundo título da série e se passa inteiro entre a preparação e o término de uma festa, atravessando a noite, suas delícias e horrores.
São muitos os personagens do longa, que se apresenta quase como um filme coral (quando acompanhamos diversos arcos narrativos). Vemos a preparação da festa, os Djs montando o som, as cozinheiras fazendo as comidas, os convivas chegando e pagando sua entrada. Vemos a casa sendo tomada de gente, música e dança. A jornada noite adentro é esmiuçada pela mise-en-scène de McQueen com o ritmo e os humores daquela noite. Impressiona o domínio de linguagem do cineasta, que sustenta a narrativa com quase que nenhuma escapadela da festa; que faz política sem falar de política; que fala de pulsão de vida e de potência da negritude sem discursos ou palestras. Impressiona, inclusive, porque essa é a antítese do seu famoso 12 Anos de Escravidão, obra nada sutil e lacrimosa que ganhou o Oscar de Melhor Filme em 2014.
O fiapo de enredo fica a cargo da protagonista, Martha (Amarah-Jae St. Aubyn), uma jovem que vai à festa para comemorar o aniversário de sua amiga. Ali ela irá dançar, se enamorar e fugir do assédio violento de um outro frequentador. Martha nos ajuda a atravessar a noite, mas vamos sendo apresentados a vários outros personagens. E por mais que estejamos em uma festa, há uma tensão que se arrasta para dentro da casa, como que nos lembrando que para aquelas pessoas, é mais difícil ter uma noite de lazer. A tensão vem pelo assédio, pela passagem fortuita (ou não fortuita) da polícia, pela presença de vizinhos racistas, pela entrada de um arruaceiro no ambiente. É como se a violência estivesse sempre pronta para surgir, simplesmente porque aquelas pessoas são negras. É uma característica dos guetos, que surgem para dar mais segurança ao extravasamento desse ou aquele secto, mas que justamente por reunir tantos em um só lugar, podem deixá-los contraditoriamente mais expostos.
Um ponto de destaque para Lovers Rock são as canções que, de forma quase que ininterrupta, atravessam os seus 68 minutos de duração. Os muito estilos e ritmos ajudam a pontuar os blocos do filme, entre o romântico e o violento, a crônica e o político. Tanto que seu clímax acontece quando os personagens cantam à capela Silly Games, de Janet Kay, música que é apontada como uma das mais populares dentro do ritmo lovers rock. As canções são, também, o elo agregador daquelas pessoas e o lado mais à mostra de uma cultura que era (ou é) vista por muita gente como menor. O orgulho com que os rastafaris presentes na festa entoam seus gritos e louvores a Jah, o deus popularizado por Bob Marley, é um outro lado do valor do gueto para a perpetuação do que é mais caro àqueles imigrantes.
Aliás, Small Axe é uma referência a uma música de Bob Marley, que diz: “Se você é uma grande árvore / Nós somos o pequeno machado (small axe) / Afiado para cortá-la / Pronto para cortá-la…”.
Sobre o/a autor/a
Aristeu Araújo
Cineasta e crítico de cinema. Dirigiu oito curtas-metragens e há vinte anos escreve sobre filmes.