Gallardo, Sanchez e mundos colidindo

Entre a autora e a tradutora de Eisejuaz, me vi dividida: sobre qual falar?

Na panela do pobre, tudo é tempero.

Guimarães Rosa escreveu isso numa carta a respeito de Sagarana (tirei da tradutora de Eisejuaz). Para mim, a frase é condensadora de literaturas que têm interessado a mais gente num país latino-americano como o nosso – onde boa parte do povo, tristemente, assumiu renegar a América Latina em prol dos EUA e do fascismo.

Sim, somos América Latina. Como somos.

A frase de Rosa é da nota de Mariana Sanchez, tradutora de Eisejuaz. A obra traz uma mescla de idioma indígena argentino (Wichí) com espanhol coloquial. Numa fala concisa e potente do(s) protagonista(s) – ele é um, ele é vários. 

Desassossego linguístico é outra frase, essa da própria tradutora, que me chamou a atenção.

E assim, entrei numa picada de terra que termina em outras duas estradinhas. 

Uma da autora, Sara Gallardo, e sua obra excepcional. Outra de Mariana Sanchez, conhecedora e tradutora das obras de escritoras argentinas. Ela domina a tradução desse livro maravilhosamente bem (simultaneamente li outro livro de Gallardo, que não é tão bom quanto Eisejuaz, onde a tradução também não é das melhores).

Nada não havia. Pérola. 

Tão grandemente muito. Outra joia. 

Se vamos a morir todos, traduzido, Nós tudo vai morrer

Ela escreve, também na nota, que o livro é um romance sobre a enunciação. “Não basta dizer, é preciso anunciar que se diz, em primeira ou em terceira pessoa”. 

Mariana levou três anos para concluir o trabalho.

Ela me contou que “havia muitas referências bíblicas no périplo de Eisejuaz, incluindo os títulos dos capítulos”. “Usei verbos não tão usuais, como ‘turbado’ ao invés de ‘perturbado”.

Eisejuaz traz um choque entre a cultura local e o cristianismo, expresso na figura do narrador, Lisandro/Eisejuaz, um homem que atende a um chamado de deus e não pertence mais nem ao mundo que o originou nem aquele que o colonizou. 

O que resta desse homem? 

Itamar Vieira, em Torto Arado e nos contos de Doramar, traz os dois mundos – o reino africano e o Brasil dos portugueses – em embate dentro dos personagens. Paralelo? Não sei. A leitura de Eisejuaz é difícil e demorada. Faz pensar.

Sara Gallardo diz sobre doenças, mortes, bruxarias, amaldiçoamentos, sonhos. Forças que vem e que vão de Eisejuaz/Lisandro. 

“Anjos mensageiros dos paus, fiquem em mim, façam seus fogos, pendurem suas redes no coração de Eisejuaz”.

“Cinco vezes uma voz falou pra me desacorçoar”.

Gallardo foi jornalista, cronista e ficcionista.  Conheceu um wichí numa viagem a trabalho para a revista na qual escrevia. Não precisou ir longe: o indigena lavava pratos no hotel em que ela se hospedou, na província de Salta. 

Eisejuaz foi publicado em 1971 e foi redescoberto pelo autor Ricardo Piglia. Mais não falo, porque o livro, Gallardo e Sanchez não precisam de palavras.

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