Neste dia, pais

O que faz um pai é a honestidade das boas intenções e a capacidade de assumir que nunca seremos mães

Neste dia, todos os pais deveriam ligar para as mães dos seus filhos e cumprimentá-las, porque mãe é 110% mãe e 75% pai. No mínimo. Depois deveriam ligar para seus filhos e pedir para que eles nunca repitam os erros que os pais cometem quando acham que estão acertando. Só assim a descendência poderá melhorar. Ser pai é um aprendizado, diz o clichê. O que não diz é que somos analfabetos funcionais.

Nesse dia, todos os pais ausentes deveriam brilhar em uma cor de caneta marca texto. Imaginem, 24 horas brilhando para que todo mundo possa ver ali uma pessoa que não soube cumprir a mais básica de suas responsabilidades. Que não negou o desejo, mas soube negar o amor. E foi pai da tristeza, da solidão, do desamparo. Agora brilhem, para que todos saibam a escuridão que foram capazes de espalhar pelo mundo.

Nesse dia, todos os pais que batem ou bateram em seus filhos deveriam sentir a dor do susto e da incredulidade de ver ódio nos olhos que deveriam trazer apenas admiração e de ver nas mãos que deveriam acarinhar, os músculos e nervos crispados de quem parece querer fazer sumir sua matéria e que destrói para sempre a sua inocência.

Nesse dia, todos os pais que importunam seus filhos e filhas deveriam ficar nus de sua prepotência e narcisismo, nus de sua imagem de “chefes de família” e serem vistos por todos como a miséria humana que de fato são. E quando quiserem falar em sua defesa, que suas vozes ecoem como gritos agudos e indecifráveis, incapazes de comunicação, como um rato encurralado.

Esse seria um dia dos pais necessário para esses farsantes cheios de pose e que, alimentando-se da ignorância alheia, sustentam sua efígie como se tivessem carne e osso e sentam prazerosos na ponta da mesa e recebem os afagos constrangidos dos filhos e filhas que remoem memórias amargas.

Um pai é uma trilha de erros. O que faz um pai é a honestidade das boas intenções e a capacidade de assumir que nunca seremos mães, mas que podemos chegar, com atenção e esforço, a imita-las a contento.

Um pai é exemplo quando, como Dédalo, faz asas para o filho voar e dá instruções de voo, sem impedir que o Sol chame mais forte e que a queda seja um aprendizado do filho e não uma maldição do pai.

Um pai é uma recordação boa quando é como o garçom experiente que nunca importuna a mesa, nem se ausenta do salão, mas está ao alcance de um chamado, de um pedido de ajuda. E que ajuda sem acrescentar ou tolher, mas oferendo o espaço de seu corpo e de seu espírito como pista de lançamento ou de pouso, como terreno macio para o descanso , montanha íngreme para o exercício ou vale de ecos para o desafogo.

Um pai não deve se orgulhar de um filho ter saído como ele. Um pai deve se orgulhar com um filho que lhe negue e supere, que alcance lugares que ele jamais havia sonhado para si, que fale línguas que você não compreenda, que crie planos que não o incluam, mas que sente, de vez em quando, na mesa da janta e lembre momentos da infância e ria gostoso dessas histórias comuns.

Aí, você, pai, poderá dizer: afinal, não atrapalhei muito e, com sorte, ajudei um tantinho.
Pra você, baixinho, sem ostentação, com a modéstia que todo pai deveria aprender a ter, digo: feliz dia.

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