O futebol que ajuda a gurizada dos bairros

Organização sem fins lucrativos promove inclusão desportiva por meio de práticas gratuitas de futebol e futsal

O Maestro da Bola é um projeto que objetiva promover oportunidades de inclusão desportiva para crianças e adolescentes em situações de vulnerabilidade por meio de atividades gratuitas de futebol e futsal. O projeto atua em dezenove Núcleos de atendimento no estado do Paraná, para inspirar as pessoas a adotarem o esporte como filosofia de vida e se desenvolverem como cidadãs e cidadãos.

Segundo a organização do projeto, a Associação Maestro da Bola foi criada no ano de 2017, a partir da ideia do ex-jogador Ricardinho. Depois que o atleta parou de jogar, o projeto começou a ser delineado a partir de conhecimentos de outros projetos sociais nos quais Ricardinho já havia sido chamado para participar como padrinho.

Após a formação da ideia, foi necessária muita pesquisa para ter conhecimento sobre instituições e entidades que já praticavam iniciativas semelhantes, de forma a abranger diferentes modalidades esportivas e assim estruturar o projeto. De acordo com a organização, nas pesquisas realizadas foi verificada a necessidade de ter uma sede própria para chegar até as crianças e adolescentes com uma ação que garantisse mais qualidade para o seu desenvolvimento.

Mas dentro do contexto apresentado surgiu um desafio, que é o da necessidade de recursos para a construção de uma sede e o desenvolvimento de pessoal. Também há a limitação de que o público-alvo do projeto teria dificuldades de se deslocar até as sedes, pois essas poderiam ficar em lugares afastados de seu bairro. Dessa forma, ocorreu a ideia de uma parceria com as prefeituras para o aproveitamento de espaços públicos e, para outros recursos, as parcerias são realizadas com empresas privadas.

Os projetos realizados

Hoje denominada Associação Maestro da Bola, a iniciativa conta com dois projetos: social e de paradesporto. O Projeto Maestro da Bola Social oferece atividades gratuitas de futebol e futsal para crianças e adolescentes de 7 a 14 anos que sejam estudantes de escolas públicas, com prioridade para o público que esteja em situações de vulnerabilidade social.

O Projeto Paradesporto, foi criado em 2018 e atua no desenvolvimento de equipes de Futebol de Cegos, que é uma modalidade destinada às pessoas portadoras de deficiências visuais. O projeto objetiva dar visibilidade ao paradesporto como forma de promover a inclusão social e propiciar aos atletas de alto rendimento a garantia de títulos em campeonatos mundiais.

A organização do projeto aponta como seus valores a educação, a equidade/igualdade, o respeito e o trabalho em equipe. Dessa forma, a iniciativa procura atender alguns dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Para saber mais sobre as especificidades do projeto nos Núcleos de atuação, o Plural entrou em contato com o Núcleo Boqueirão e com o Núcleo Vila Torres.

Maestro da Bola Núcleo Boqueirão

No Núcleo Boqueirão, as atividades do projeto ocorrem no Centro da Juventude Eucaliptos, no bairro Alto Boqueirão. Quem recebeu o Plural foi o professor Geo Pacheco, coordenador do Núcleo. Durante a conversa, uma equipe de crianças de 7 a 10 anos estava em treinamento.
Sobre o número de crianças e adolescentes atendidas (os), o professor Geo informa que os Núcleos sempre abrem com um número limite de cem vagas e que no Núcleo Boqueirão participam do projeto em torno de cinquenta a sessenta crianças e adolescentes, nos períodos da manhã e tarde.

Com relação à participação em competições, Geo informa que estão realizando a Copa Maestro, que teve início no dia 24 de agosto. Nesse campeonato, as equipes de todos os Núcleos de Curitiba estão participando, cada um com a sua sede. As equipes são divididas nas categorias sub-11, sub-13 e sub-15, representando respectivamente alunas e alunos de 11 anos, 13 anos e 15 anos. Os jogos são realizados entre os Núcleos, com alunos(as) regularmente matriculados(as) no Maestro da Bola. Trata-se de uma grande competição, que se iniciou em agosto e a previsão de término é para a metade do mês de dezembro, com jogos em todas as quartas-feiras. São ao todo noventa e sete equipes cadastradas, totalizando em torno de cento e oitenta, cento e noventa jogos.

“Mas fica mais restrito, não tem essa divulgação”, diz o coordenador.Sobre o funcionamento do Projeto Paradesporto, Geo Pacheco afirma que há a equipe de Futebol de Cegos, por enquanto somente com equipe adulta e masculina.

Contudo, já está em andamento uma equipe feminina de futebol de cegas. Os treinamentos são realizados no período da noite, todas as segundas, quartas e sextas no Ginásio do Tarumã. Na equipe, o professor Geo é o treinador de goleiros, que não são pessoas com deficiências visuais. Os jogadores de linha se dividem em pessoas com baixa visão e pessoas com cegueira, que jogam todos com uma venda nos olhos.

“Todos têm a proteção nos olhos e mesmo quem tenha uma visão parcial não consegue enxergar”, informa.

Os treinamentos de jogadores de linha e de goleiros são realizados nos mesmos horários e nos mesmos locais, contudo 70% do tempo separados. Somente os últimos 30% do tempo eles se juntam, para a finalização, como em uma competição.

O coordenador informa que as aulas são mistas, com meninas e meninos na mesma equipe. De acordo com a organização administrativa do projeto, antes da pandemia existiam algumas turmas exclusivamente femininas. No atual momento as turmas são mistas, abertas às inscrições de todos os gêneros. A ideia é a de que se inscrevam mais meninas, para formar turmas separadas. No Núcleo Boqueirão são poucas meninas, no máximo cinco, devido à baixa procura. Contudo, em alguns grupos têm muitas, como no Núcleo Uberaba, nas turmas de crianças de 7 a 10 anos.

Ao ser questionado se houve avanços no reconhecimento do futebol feminino, Geo Pacheco afirma: “Eu acho que avançou, mas ainda está muito longe do que deveria ser.” Ele que trabalhou por muitos anos em colégio, informa que havia a oferta de turmas femininas de futsal, assim como no projeto, mas ainda tem muito o que melhorar. Para ele, houve mais visibilidade para o futebol feminino porque a televisão está transmitindo alguns jogos. “Já é uma divulgação, a televisão ajuda muito, mas ainda acho que para o reconhecimento chegar próximo ao do masculino falta muito”, diz.

Para o coordenador, a atuação das federações conta muito nesse sentido. Ele informa que por lei toda equipe profissional de futebol precisa ter uma equipe feminina. “As equipes profissionais masculinas têm que ter uma equipe feminina jogando em competições. Também tem que ter uma categoria de base, isso é muito bom porque já incentiva novas equipes”, completa.

A professora de futsal Isabelle Costa com o coordenador do Núcleo Boqueirão Geo Pacheco. Foto: Silvana Bárbara

Sobre as limitações e os desafios enfrentados, Geo Pacheco afirma que é necessário comprar materiais. “Todo ano tem que repor bola porque estraga muito”, afirma. Há a necessidade de adquirir os kits dos(as) alunos(as), com custos muito altos. Então o projeto precisa de parceiros, pois quanto mais tiver a ajuda da iniciativa privada, se consegue novas realizações, como mais fortalecimento e abertura de novos núcleos para atingir mais crianças e adolescentes. Como há a limitação do número de vagas, o projeto não consegue atender a quantidade de pessoas que gostaria.

Mesmo com os desafios e limitações, o projeto, que começou de uma ideia familiar, está crescendo, e por isso é preciso de mais pessoas para ajudar, dar conta de tudo, tanto na parte administrativa quanto na parte mais técnica, que envolve coordenadores (as) e professores (as). “A iniciativa é para colocar a criançada para praticar o esporte, para que não fiquem ociosas nos seus tempos livres. Nós estamos conseguindo atingir e ajudar muita gente e vemos o reconhecimento dos pais também, que nos falam que o projeto modificou a situação da família. A ideia principal é essa, tentar fazer o bem, ajudar o pessoal”, fala Geo Pacheco.

Maestro da Bola Núcleo Vila Torres

Campo de futebol da Vila Torres. Foto: Mariana Pinheiro

“Não é só sobre futebol. O nosso objetivo inicial não é formar atletas profissionais, e sim cidadãos melhores.”, diz o professor responsável pela Vila Torres, Cleverson Luiz da Silva.

O ex-jogador Ricardinho tem um apego emocional com a Vila e o campo de futebol em que ocorrem os treinos. Desde pequeno ele passa pela região por ter estudado num dos colégios da rede privada que rodeiam a Vila. A vontade de jogar no campo da periferia permaneceu com ele e se manifestou quando o projeto ganhou vida.

Chegando na Vila das Torres no início de 2020, o projeto ganhou visibilidade e interesse rapidamente com 100 vagas disponíveis. Atualmente são 62 atletas participantes e os treinos são ministrados pelo professor Cleverson, com a assistência esporádica de estudantes do curso de Educação Física da PUC-PR, as participações são feitas via parceria da universidade com o projeto Maestro da Bola.

Mais que futebol

A prática de esportes é, para além de recreação e lazer, qualidade de vida e exercício de socialização saudável para as crianças e pré-adolescentes. As atividades do projeto são realizadas sempre no contraturno das aulas, e servem também como alternativa às horas, cada vez mais longas, que os jovens passam em contato direto com aparelhos eletrônicos dentro de casa.

É científica a comprovação de que os esportes contribuem positivamente na qualidade de vida, ainda mais em fases importantes de desenvolvimento. E os efeitos da prática do futebol são visíveis, tanto ao professor quanto para as famílias. Cleverson diz ser nítida a mudança positiva no comportamento dos atletas e isso deve ser creditado às crianças também, que enxergam no projeto uma chance de aprender coisas novas para além do futebol e constroem, juntamente da equipe profissional responsável, a identidade do projeto.

“O Derik (neto) está mais sociável, o desempenho dele na escola melhorou e em casa também, a gente consegue ver a diferença nele desde que entrou no projeto. Da animação por ter o treino no dia seguinte à melhora na sociabilidade”, relata Maria José, pedagoga e avó de um atleta mirim participante do projeto.

Âmbito social

Com parcerias importantes, o projeto ajudou também as famílias dos atletas durante fases críticas da pandemia de Covid-19 nos anos de 2020 e 2021. Foram distribuídas cestas básicas a todos os participantes mesmo nos períodos em que os treinos precisaram ser interrompidos. Também por meio de parcerias, todos que necessitam recebem material esportivo de qualidade para que continuem comparecendo e fazendo parte do projeto, além do uniforme completo que todos recebem no momento da inscrição. O projeto não tem custo algum para as famílias.

É reconhecido que um projeto social vai muito além de oferecer as atividades e esperar que a população receba, é preciso que haja uma movimentação entre setores em conjunto para fazer com que o acesso de quem precisa seja possível e um acompanhamento recorrente para que não haja defasagem dos jovens. O projeto conta com uma equipe pedagógica que faz a conexão com as escolas, conferindo sempre o fluxo de presenças e notas, quem gostaria de se manter ativo como participante do projeto, precisa levar a escola com a mesma seriedade e postura.

Cleverson, o professor responsável pelas turmas da Vila, acredita que uma das principais motivações para o funcionamento pleno do projeto nas comunidades é a busca por ampliar a visão de futuro e dar alternativas para os jovens que, em sua maioria, nascem e crescem na periferia, expostos a todo tipo de violência. Mesmo não sendo o objetivo único do projeto, é sempre possível que um jogador mirim se destaque e acabe abrindo para si mesmo novas portas de oportunidades de se profissionalizar dentro do esporte, por meio de olheiros e responsáveis por outras iniciativas, escolas e clubes que estão presentes nos torneios realizados entre os núcleos do projeto, por diferentes bairros de Curitiba e Região Metropolitana, e nos jogos da Copa Maestro, que teve início neste mês de agosto.

Esse texto faz parte do projeto Periferias Plurais, que convida seis jovens de Curitiba e região a falar sobre suas vidas e suas comunidades

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