Tradutor lança em Curitiba nova versão de “As Metamorfoses”, de Ovídio

Clássico vertido do latim por Rodrigo Tadeu Gonçalves será lançado em evento nesta quarta

Quanto tempo leva traduzir 12 mil versos do latim? Para Rodrigo Tadeu Gonçalves, que acaba de encarar o clássico “As Metamorfoses”, de Ovídio, foram necessários dois anos. Fazendo uma conta de padeiro, são 500 versos por mês, reescritos em hexâmetros datílicos – é trabalho pra ninguém botar defeito.

Rodrigo, professor de literatura clássica na UFPR, já é conhecido como tradutor de “Sobre a natureza”, de Lucrécio. E agora engata a terceira obra colossal em seguida: a “Eneida”, de Virgílio.

Nesta quarta, a nova versão de Ovídio, lançada pela Penguin/Companhia das Letras, será lançada em Curitiba com direito a conversa com o tradutor, festa e muita música da banda Pecora Loca (veja o serviço depois da entrevista).

Confira a conversa que o Plural teve com Rodrigo sobre a tradução.

Por que você decidiu fazer “As Metamorfoses”? Como foi o (longo) trabalho?
Eu já tinha traduzido o “Sobre a natureza” das coisas do Lucrécio, que demorou uns 6 anos, e também fiz em hexâmetros datílicos. Queria algo maior e mais divertido, então pulei pras Metamorfoses. Deixei a “Eneida” pra depois, que é o que estou fazendo agora. A tradução eu acabei fazendo mais rápido, em menos de dois anos, pois a Penguin topou publicar e me deu um prazo mais curto. Foi um pouco insano, mas parte da pandemia eu passei traduzindo esse poema de 12 mil versos.

O que o livro tem a dizer hoje, dois mil anos depois, numa época em que nos não acreditamos mais em mitologia?
O livro fala muito mais pra gente hoje do que imaginamos. Ovídio tem um olhar para a mitologia greco-romana que claramente faz com que ela fale dos problemas de seu tempo através de alegorias. Os deuses muitas vezes são cruéis e humanos demais, um pouco como os de Homero, mas também representam problemas estruturais muito mais amplos, como o abuso da autoridade, a violência das classes dominantes sobre os súditos, a inalterabilidade do poder terreno (sob Augusto, o primeiro imperador romano, sabe-se que Ovídio foi exilado, mas não se sabe bem por que). Então vemos muitas cenas de violência perpetrada pelos deuses contra ninfas ou mortais, quase sempre mulheres.

O padrão é tão descarado que não precisa de muito para identificar traços do próprio imperador nos deuses que usam seu poder de forma mais cruel e violenta, como, especialmente, o pai dos deuses, Júpiter (o Zeus grego). Figuras provenientes das classes populares e oprimidas, como Aracne, têm a vida destruída por divindades ciumentas e fúteis — nesse caso, a fiandeira vence a deusa Minerva num concurso de tecelagem e é espancada por ela, tenta se enforcar e é transformada em uma aranha, que vai tecer e fiar pro resto dos tempos.

Pra além das mensagens revolucionárias, o poema é bonito pra caramba, muito divertido, e tece centenas de histórias de transformações umas nas outras, meio como uma história sem fim, que ele mesmo chama de “poema perpétuo”, que vai da criação do universo até seu presente histórico, com a morte recente de Júlio César.

Vi que você decidiu manter o verso original, hexâmetros datílicos. Em outros momentos traduziram como prosa ou dodecassílabo. Por que essa escolha?
Eu acho que é possível fazer soar a poesia épica como encantamento, como cântico, como ritual, como um poema falado. A prosa transmite bem o sentido do texto de partida, o dodecassílabo funciona muito bem como verso da nossa tradição poética, mas eu ouço um eco mais próximo da poesia como era entoada e recitada de Homero a Ovídio nesse ritmo datílico que eu aperfeiçoei de modelos vernáculos como os de Carlos Alberto Nunes, no Brasil, Voss e Klopstock, na Alemanha, Philippe Brunet e Guillaume Boussard, na França e muitos outros que fazem mais ou menos o mesmo desde o Renascimento. É pra ler em voz alta, que o ritmo emerge sem muita dificuldade, sem necessidade de treinamento nenhum (risos).

Ovídio, como tantos grandes, foi censurado e até exilado. O que você diria que ainda estarmos vendo censura (como no caso do Jeferson Tenorio), com o eterno argumento de que isso pode “perverter os jovens” nos ensina sobre literatura e sociedade?
Ovídio foi exilado para as bordas do mundo conhecido, com alegações vagas e imprecisas de “indecência”, foi parar na beira do mar Negro, e decidiu queimar o manuscrito das Metamorfoses antes de partir. O poema termina com a percepção amarga que ele será lido por todos enquanto durar o império e a língua latina (e estava certo), enquanto tudo que tentava o atingir naquele momento pereceria com a matéria. Morreu no exílio anos depois da morte de Augusto, amargurado e depois de escrever uma longa obra poética retratando os muitos anos em que não pôde voltar para casa. O poeta, aqui, sofreu e ganhou em troca a vingança cósmica da fama perene, de ser um dos maiores escritores de todos os tempos.

Se tem algo que mostra que censura e exílio burros por alegações vagas e imprecisas de “indecência” não funcionam é a reação imediata das pessoas em quererem ler e perpetuar a obra exilada. O tiro sai pela culatra. O livro vira o mais vendido da Amazon. Evoé.

Serviço
Lançamento de “As Metamorfoses”, de Ovídio, com o tradutor Rodrigo Tadeu Gonçalves
Show da banda Pecora Loca
Pepita Tapas y Vinos
Quarta-feira, 13, a partir de 18h
Saldanha Marinho, 1.230

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