Sensibilidade de policial do Ceará promove reencontro de um filho com as ideias de sua mãe, no Paraná

Crônica da jornalista Rosemary Lopes Pereira foi encontrada por um policial do Ceará

Flávio Holanda estava saindo do trabalho, na sede da Polícia Rodoviária Federal no Ceará, quando avistou uma folha amarelada voando pelo estacionamento. Ele esperou que o papel tocasse o solo, apertou os olhos e leu que se tratava da crônica “Fascina-me a Coragem”, de Rosemary Lopes Pereira, do Paraná. Curioso, botou o texto no bolso e entrou no Uber.

Dias depois, o policial compartilhou o achado com um colega de trabalho e os dois se puseram a pesquisar sobre a autora. Descobriram, então, que era uma jornalista de Apucarana, falecida em 2015. Foi quando resolveram contar a história para o filho dela: Luís Fernando Lopes Pereira, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR). 

Foto: arquivo da família

Luís estava dando aula, no meio da semana, quando recebeu a mensagem de Flávio pela internet. “Ele me disse: oi, aqui é fulano, policial rodoviário, e eu pensei que era multa, rs. Mas quando me despedi dos alunos e consegui ler melhor, quase caí de costas. Foi difícil segurar a emoção, né? Eu sempre choro muito quando leio os textos da minha mãe”, conta.

Fascínio e coragem

Rosemary nasceu em Irati, no interior do Paraná, e começou a escrever crônicas na juventude, nos jornais fundados pelos irmãos. “Ela fez a escola normal, passou a dar aulas e manteve tanto as aulas quanto as crônicas, mas o jornalismo falava mais forte. Tanto que quando se mudou para Ponta Grossa, em 1959, começou a comandar um programa de rádio ao vivo, com auditório”, narra o filho. O sucesso foi tamanho que rapidamente ela foi convidada para assumir a direção da rádio em Apucarana, em 1967, onde foi viver com o marido.

Já em Apucarana, o casal decidiu dar um passo mais largo e fundou primeiro o jornal, O Debate, que não durou muito. Em 1970, eles fizeram uma nova tentativa com O Radar – e aí deu certo. “Ela era muito ativa, escrevia o jornal de cabo a rabo, e com posições políticas bastante progressistas, uma coisa surreal para uma cidade conservadora como aquela”, fala Luís. “Isso fica evidente na crônica, mas creio que se trata de um texto mais antigo, porque ela radicalizou o discurso com o passar do tempo. Isso fez com que ficasse mais complicado sustentar o jornal, que era custeado por contribuições espontâneas da própria comunidade.”

Equipe do jornal O Radar. Foto: arquivo da família

Coragem, no entanto, era a palavra de guerra de Rosemary – e ela manteve o jornal vivo até o ano de sua morte. “Tem uma cena que eu não me esqueço… Na Câmara de Vereadores, um vereador desacatou a minha mãe e ela jogou um copo d’água na cara do sujeito. Também já teve manchete do jornal que dizia assim: prefeito prepotente, arrogante e desonesto. Processo contra O Radar era coisa comum”, relembra aos risos.

Foto: arquivo da família

A jornalista também levava sua coragem para as ruas da cidade, muitas vezes como ativista em causas ambientais. “Havia árvores ao redor da praça central de Apucarana. Certa vez, a prefeitura fez um projeto para derrubada (que efetivamente aconteceu) para ampliar o tráfego na praça. Ela subiu em uma árvore e ao menos fez barulho, o que adiou a derrubada.”

O mistério da folha amarelada

Rosemary nasceu no dia 2 de outubro de 1926. Sua crônica foi encontrada uma semana antes de seu aniversário de 95 anos, e se mostrou “cruelmente atual”. Como foi parar no Ceará ainda é um mistério, mas Luís tem uma pista: a jornalista costumava se corresponder com alguns colegas do Nordeste. 

Foto: arquivo da família

“O texto foi redigido em uma máquina de escrever que está aqui em casa, volta e meia o meu filho brinca com ela. Mas o mais incrível é que chegou até mim pelas mãos de um policial extremamente sensível. Que coisa, não? Até depois de morta ela nos ensina que a realidade é mais complexa do que imaginamos, e que o mundo não é binário”, diz o filho orgulhoso.

Sobre o/a autor/a

3 comentários em “Sensibilidade de policial do Ceará promove reencontro de um filho com as ideias de sua mãe, no Paraná”

  1. Sulamita Botteri Surjus

    Por muitos anos convivi com a Rose e nos reuníamos em minha casa para fazer o jornal. Sempre me senti um pouco responsável por sua posição progressista, pq naquele período discutiamos muito as questões sociais. Tanto eu como ela éramos muito ligadas às Igreja Catolica de Apucarana. Maravilhosa a atitude do Policial e da mídia responsável pelo encontro, com o Luiz Fernando e com os admiradores da jornalista Rosemarie Lopes Pereira.

  2. A melhor forma de prestar homenagem a alguém é lembrando de algo que ela fez ou disse. Este texto presta homenagem tanto à maravilhosa Rosemary quanto aos policiais que foram capazes de um gesto tão delicado.

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