Quatro em 10 crianças ainda não tomaram a primeira dose da vacina em Curitiba

Apesar do indicador ser um dos mais adiantados entre as capitais do país – é a quinta com melhor desempenho – há ressalvas de que ainda há como melhorar o ritmo

Quatro entre dez crianças de Curitiba ainda não tomaram a primeira dose da vacina contra a covid-19, isso um mês após a convocação do último grupo do público-alvo, o de cinco anos completos. Apesar do indicador ser um dos mais adiantados entre as capitais do país – é a quinta com melhor desempenho (veja ranking abaixo) – há ressalvas de que ainda há como melhorar o ritmo e reduzir a exposição a risco e a complicações entre a faixa etária, ainda longe do esquema vacinal completo.

Entre 18 de janeiro e o fim da manhã desta quinta-feira (10), a capital paranaense havia aplicado doses iniciais em 104.278 crianças de 5 a 11 anos. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) projeta 156 mil pessoas neste intervalo de idade.

Pelos dados da prefeitura, 59,4 mil foram da formulação específica da Pfizer. Desde o dia 26 de janeiro a capital maneja também doses da Coronavac ao público pediátrico, com intervalo menor, de 28 dias – a da Pfizer é de oito semanas. O grupo de seis anos, idade a partir da qual se recomenda o imunizante produzido em parceria com o Instituto Butantan, entrou no calendário de vacinação da cidade nos dias 7 e 8 de fevereiro e por isso já está apto para a segunda dose – liberada desde o dia 19 de fevereiro aos de 11 anos.

Mas até agora, apenas 17.784 crianças estão completamente imunizadas em Curitiba, ritmo que a prefeitura não disse se considera adequado e que especialistas condicionam a um contexto parcialmente abalado pela disseminação de notícias falsas.

“Considerando que maioria das crianças tomou a primeira dose da Pfizer, que tem intervalo maior, esse ritmo ainda é razoável para começo de campanha, da qual infelizmente fizeram parte um conjunto significativo de fake news”, diz a pediatra Heloisa Giamberardino, presidente da regional paranaense da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) e médica responsável pelo Centro de Vacinas do Hospital Pequeno Príncipe (HPP), referindo-se ao total de crianças já com segunda dose. “Eu acho que, com mais tempo, essas dúvidas vão sendo esclarecidas as dúvidas e é preciso seguir trabalhando para informar mais e estimular a vacinação”.

Segundo a médica, a rotina no hospital onde ela trabalha sugere que o cumprimento do calendário da campanha tem sido levado mais a sério por mães e pais que mesmo antes da pandemia já mantinha a carteira vacinal dos filhos em dia. No começo deste ano, conforme mostrou o Plural, uma leva preocupante de crianças contaminadas por covid-19 ocupando leitos de UTI e enfermaria do HPP também tinha relação com familiares não imunizados.

A chegada da Ômicron, uma cepa mais contagiosa que as anteriores, acelerou o ritmo das contaminações em todo o mundo desde o fim do ano passado, ainda que a taxa de cobertura da vacina contra o coronavírus tenha ajudado a barrar nova onda de colapsos nos hospitais. Público sem nem a primeira dose, o impacto nas crianças chamou a atenção.

Curitiba e região metropolitana começaram o ano sem nenhum leito SUS pediátrico. No dia 11 de janeiro, 4 das cinco vagas em enfermaria para crianças do Hospital Evangélico (HE) já estavam ocupadas. Um dia depois, já constavam como reabertos os cinco leitos intensivos no HPP – os quais tiveram lotação máxima em 26 de janeiro e levaram à reabertura de outros cinco no HE, onde também foram retomados mais dez de enfermaria. Em 1 de fevereiro a capital tinha 15 crianças internadas. No dia 25 de fevereiro, já eram 21, sendo cinco em UTIS, conforme histórico da Secretaria de Estado da Saúde do Paraná (Sesa).

Apesar de os números não indicarem um grande universo, preocupou: a nova variante se disseminou muito rapidamente no público em geral e, consequentemente, entre o infantil.

O cenário levou 15 pesquisadores a analisarem a estimativa do impacto potencial da vacinação infantil em meio à intensa circulação da nova cepa do vírus e ao aumento importante do registro de infecção em todo o Brasil. Baseado em um modelo matemático dinâmico de simulação, concluíram que o ritmo ideal de vacinação de 1 milhão de doses por dia, já atingido em outras campanhas, teria capacidade de evitar até abril deste ano cerca de 14 mil hospitalizações e 3 mil mortes por Covid-19 no país, das quais 5,4 mil e 430, respectivamente, poderiam ser evitada em crianças de 5 a 11 anos.

O estudo foi publicado pelo Instituto de Avaliação de Tecnologia em Saúde (IATS) e deve ter o resultado na íntegra compartilhado, em breve, em revista científica. Um dos autores, Ricardo de Souza Kuchenbecker, epidemiologista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), acrescenta que os resultados evidenciam uma velocidade de vacinação infantil no Brasil aquém do ideal, um prejuízo cujos efeitos impactam também em populações de maior idade ainda sem o esquema vacinal completo.

O mais recente boletim da Fiocruz sobre o cenário doenças respiratórias no Brasil, divulgado nesta quarta (9), mostra a persistência da vulnerabilidade das crianças em relação à Ômicron e reitera, dessa forma, a necessidade de acelerar o processo.

Enquanto o cenário de queda entre a população em geral se mantém, as últimas seis semanas resultaram no maior volume registrado entre crianças de até 11 anos anos desde o início da epidemia. Até o começo de março, diz o relatório, entre a população abaixo de 40 anos o público de 0 a 4 anos foi o que apresentou a maior incidência de casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), incluindo resultados positivos para covid-19.

“O ideal seria esse ritmo de vacinação de hoje ser quadruplicado, uma perspectiva já praticada em outros contextos, em caráter não pandêmico, endêmico, inclusive, e possível com as mais de 30 mil salas de vacinação espalhadas por todo o Brasil”, observa Kuchenbecker, um dos autores da pesquisa publicada na página do IATS. “Os estudos científicos nos dizem que vacinar essa população [de 5 a 11 anos] vai reduzir formas graves, internações e óbitos. Mas esse modelo matemático também sugere efeito indireto nas demais populações. É bastante provável que, vacinando mais rapidamente as crianças, a gente tenha também redução de óbitos de outras faixas etárias. Não podemos esquecer que, para a Ômicron, esquema vacina completo é de duas doses mais uma de reforço. Quando olhamos especificamente para duas vacinas e mais um reforço, observamos uma taxa muito menor, já começando pelos adolescentes. Isso, para o vírus, é uma oportunidade extra de circulação”, pontua o pesquisador.

Segundo o médico, dar relevância à campanha da vacinação contra o coronavírus para o público infantil não significa uma “mudança de ideia” da comunidade científica – em referência ao fato de, no início da pandemia, as variantes serem consideradas menos perigosas para as crianças. O fato, afirma o epidemiologista, é que excesso mundial de casos gerou em sequência as chamadas “variantes de preocupação, capazes de infectar mais e, em alguma medida, oferecer medos resposta às vacinas”, drenando a resistência de determinados grupos antes menos vulneráveis.

“O que nos preocupa é que toda essa desinformação que sobreveio no contexto da vacinação de crianças pode estar gerando muita dúvida em pais e mães. Mais uma razão para os médicos, os gestores, a sociedade organizada reforçarem que continua sendo muito importante vacinar as crianças”, diz o médico. “Mas quando falamos em ritmo de vacina, o ideal seria mesmo seria repetir o ritmo do que já foi feito até em contextos não pandêmicos”.  

Estratégias

Procurada, a prefeitura de Curitiba não respondeu se considera adequado o andamento da vacinação das crianças do município hoje. Mas citou as estratégias que adotou desde o início da campanha para o público infantil – colocando como destaque a retomada do “personagem Curitibinha, criado em 1993 pelo cartunista paranaense Marcos Vaz, para ser o tema das peças”

“As crianças vacinadas com a primeira dose recebem o “Certificado de Curitibinha Vacinado”, que parabeniza pela coragem de vencer o receio da agulha em prol da proteção. Também recebem adesivos de lapela. O personagem aparece, ainda, nos pontos de mobiliários urbanos (MUBs), incentivando pais, familiares e responsáveis a levar as crianças aos locais de vacinação”.

Ainda em nota, a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) relembrou ter separado unidades exclusivas para a vacinação das crianças de 5 a 11 anos, “onde as equipes decoram os pontos com temas infantis, como o de super-heróis, e há profissionais de Saúde que adotam adereços de personagens da ficção para interagir com os pequenos”, e acrescentou a elaboração de diversas campanhas de mídias sociais, como lives e vídeos de esclarecimentos sobre a vacina com a médica Marion Burger e também com a pediatra Mariângela Galvão, vice-diretora da Organização Mundial de Saúde (OMS).

Foram citadas ainda  um mutirão de vacinação exclusivo para aplicação da primeira dose do imunizante contra a covid-19 para o público infantil em 27 unidades de saúde cidade, no dia 5 de fevereiro, e a captação ativa das crianças de 5 a 11 anos dos grupos prioritários.

“As vacinas para crianças seguem sendo ofertadas  nos locais de vacinação, mesmo tendo atingido o chamamento de todo o público elegível com diversas convocações de repescagem, Curitiba segue oportunizando a vacinação dos pequenos para os pais ou responsáveis. Inclusive, com unidades de saúde abertas em todos os dias do período do Carnaval”, finaliza a nota.

Ranking 5 a 11 anos

Salvador70,14%
São Paulo80,50%
Belo Horizonte69,32%
Teresina68,95%
Curitiba63,19%
Porto Alegre60,33%
Rio de Janeiro56,78%
Aracaju55,10%
Brasília*54,50%
João Pessoa54,34%
Recife53,52%
Natal50,24%
Fortaleza48,59%
Maceió48,04%
Florianópolis46,08%
Goiânia44,69%
Campo Grande42,69%
Belém37,10%
São Luís35,99%
Manaus34,30%
Vitória33,35%
Porto Velho25,09%
Cuiabá4,10%
Boa Vista *
Macapá *
Palmas *
Rio Branco *
Fonte: Base de dados estaduais e municipais da vacinação contra a Covid-19 equivalentes à primeira dose
*Números específicos ao grupo entre 5 e 11 anos não encontrados

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1 comentário em “Quatro em 10 crianças ainda não tomaram a primeira dose da vacina em Curitiba”

  1. Uma vacina é feita para um virus X. Virus X deixa de circular e virus Y entra em ação. Governo quer vacina contra o Virus X. Precisa desenhar?

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