Pandemia e diaristas: o risco de estar todo dia numa casa diferente

Elas precisam conquistar o salário diário, mas muitas acabam contaminadas pela Covid-19

Há exatamente um ano, faleceu no Rio de Janeiro a primeira vítima da Covid19 no Brasil. Cleonice Gonçalves, de 63 anos, era diarista e contraiu a doença da patroa, que esteve numa viagem à Itália. Hoje, o país bate recordes no número de mortes e infectados. Na situação das trabalhadoras do lar, em Curitiba, nada mudou: mesmo que não inclusas no serviço essencial dos decretos da Prefeitura da Capital, muitas mulheres precisam colocar suas vidas e de suas famílias em risco, em razão da sua condição financeira e social.

“A patroa de Curitiba parece que vai me pagar pelos dias em que estou afastada. É bem complicada a situação financeira agora que eu e meu marido estamos doentes”, conta Célia Juk, 47 anos, diarista há mais de 20. Ela, o marido e dois, dos três filhos, estão infectados com a Covid-19.

A história da Célia é a história de tantas outras curitibanas. Sem vínculo empregatício, ela trabalha em várias casas, se revezando entre lares da Região Metropolitana. Sua residência fica em Quatro Barras, mas ela se desloca até a Capital alguns dias da semana para trabalhar.

“A gente não faz ideia de onde pegou a covid. A gente estava trabalhando normal”, conta Célia. “Eu trabalho em várias casas. Vou alternando, tem umas que vou uma vez por semana, outras a cada 15 dias”. Ela também conta que usa o transporte coletivo para trabalhar. “Os ônibus estavam algumas vezes cheios, com algumas pessoas em pé, mas não chegou a ser lotado”, observa.

O marido, que tem 49 anos, trabalha numa empresa de recapagem de pneus de ônibus e caminhões, e está positivado para Covid desde o dia 8 de março. Agora, está internado no Hospital Angelina Caron, em Campina Grande do Sul, com quadro de pneumonia. “O hospital liga toda tarde para passar as informações”, conta Célia. “Fico muito ansiosa. É muito ruim essa situação. A recuperação dele tem sido bem lenta, ainda precisa do oxigênio.”

Célia, que testou positivo na última semana, conta que está fazendo seu tratamento em casa, porque seu caso não é tão sério. “Eu só tenho um ponto de inflamação no pulmão e estou tomando remédio e usando bombinha”, disse.

Mas, para sua preocupação, na terça-feira desta semana (16), os dois filhos que moram em sua casa, um de 16 e outro de 27 anos, também testaram positivo. No momento, também estão em casa e observando possíveis sintomas. “Meu coração de mãe fica preocupado”, afirma Célia.

Com o “coração preocupado” também está a mãe de Célia. Dona Ederli de Jesus Bastos Juk, igualmente diarista. Ela, que já pegou Covid em 2020, conta que se preocupa com a situação do núcleo familiar da filha. “O meu coração está aflito sabendo que minha filha e meu genro estão com Covid.”

Quando questionada sobre ter que trabalhar em meio à pandemia, Dona Ederli diz: “Eu me cuido bastante. Só estou trabalhando com famílias que há muito tempo que frequento. Uma delas há 23 anos e outra há 20 anos.”

Thais Luisa Deschamps Moreira, de 30 anos – que faz parte de uma das famílias que empregam tanto Célia, quanto Dona Ederli – conta que no começo da pandemia, defendia que os salários das duas empregadas fossem pagos para que elas ficassem em casa. “Eu tinha medo que elas ficassem doentes.”

Ainda segundo Thais, a questão é delicada, “porque existe uma certa mentalidade de que as pessoas não gostam de receber sem trabalhar. Com a Ederli, por exemplo, acho que minha mãe pagou para ela ficar em casa, quando ela ficou doente, por umas duas ou três semanas; na terceira ou quarta semana, ela insistiu que queria vir trabalhar”, explica.

“Ao contrário do que geralmente se fala, eu acho que muitos brasileiros sentem culpa de receber sem trabalhar e evitam isso ao máximo, especialmente quando as relações de empregador-empregado são bem pessoais, como costuma ser o caso de diaristas ou empregadas(os) domésticas(os)”, completa Thais.

Pouco reconhecimento

Para Letícia Kreuz, advogada, doutora em Direito do Estado e Presidenta do Instituto Política Por.De.Para Mulheres, a situação precisa ser encarada com uma “perspectiva multidimensional”, já que, segundo ela, o trabalho das diaristas “é um trabalho de pouco reconhecimento, além de constantemente precarizado”.

Kreuz diz que sem o amparo do auxílio emergencial o problema se agrava. “Sem a contrapartida de um auxílio que garanta a vida digna, a subsistência dessas pessoas, estamos deixando todas elas à mercê de empregadores que muitas vezes não vão respeitar o decreto e, ainda, usam como desculpa uma falsa solidariedade para com essas trabalhadoras”, afirma. “Para as pessoas que vivem da diária ou do salário mínimo, o ‘ficar em casa’ é uma utopia, pois não põe comida na mesa.”

Já para Mario Avelino, especialista em Emprego Doméstico e fundador do Instituto Doméstica Legal, que auxilia empregadores e trabalhadores domésticos no cumprimento e na garantia dos seus direitos, a questão do auxílio emergencial também é primordial. “Com o agravamento da pandemia, as pessoas estão perdendo a esperança e estão demitindo. E o governo não está tomando uma atitude.”

Para Avelino, com a certeza do auxílio, acordos poderiam ser feitos entre as partes. “O empregador poderia liberar a funcionária, sabendo que ela vai receber algo. Ou mesmo reduzir a sua jornada, minimizar ao máximo o ir e vir dela e de sua exposição”, diz. “Além de poder dar férias antecipadas ou licença remunerada.”

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3 comentários em “Pandemia e diaristas: o risco de estar todo dia numa casa diferente”

  1. Lucida visão! Parabens pelo txt Bruna. Regiao de sombra q necessita luz da opiniao publica. Neste momento é necessario as pessoas participem compassivamente para que estas mulheres ( frequentente reaponsaveis pela renda do lar) possam ficar em casa com os seus e permanecer recebendo seus salarios.

  2. Jaqueline Balthazar Silva

    Excelente reportagem.
    No nosso condomínio, no início da pandemia dispensamos a diarista de vir trabalhar e continuamos pagando. Revezavamo-nos para a limpeza dos corredores e das escadas.
    Passados alguns meses ela voltou. Agora ela está com covid. Novamente mantivemos o pagamento demos as garantias de receber.

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