O que os EUA aprenderam com Columbine?

Prevenção passa pela atenção a saúde mental dos alunos e a ações que indiquem interesse por armas e violência

Mães e pais de estudantes em todo o Brasil andam tensos com o que parece ser uma sequência de notícias de ataques a escolas em diversos pontos do país nas últimas semanas. Nos EUA, que registrou 181 tiroteios em escolas em média, por ano, nos últimos cinco anos, o problema já é estudado há décadas, em especial depois do Atentado contra Columbine, em 1999, que deixou 15 mortos e 24 feridos. O caso completará 24 anos no próximo dia 20 de abril.

Mas o que os americanos aprenderam com Columbine e os demais atentados violentos em escolas desde então? Muita coisa. Um documento em especial, o Relatório final de 2004 da Iniciativa Escola Segura resume muitas informações importantes para autoridades e a população em geral sobre ataques a escolas. A Iniciativa Escola Segura foi um trabalho conjunto do Serviço Secreto americano e o Departamento de Educação (o equivalente americano ao Ministério da Educação brasileiro) para estudar o fenômeno e elaborar diretrizes para o enfrentamento do problema.

Um dos principais alertas é que o agressor costuma ter um interesse cada vez mais crescente em armas, bombas e artefatos ligados à violência. E que não há um perfil psicológico ou de características sociais, familiares ou econômicas preciso de potenciais agressores. Segundo pesquisa de Robin Marie Kowalski e Mark Leary, ambos doutores em psicologia, registra que 95% dos atacantes são homens e 61% são brancos, “apesar de muitos deles se sentirem marginalizados”.

O texto chega a dez principais conclusões e suas implicações, que podem ser úteis para a situação brasileira, mesmo considerando as diferenças culturais, legais e econômicas entre os países. Para começar, o Brasil, mesmo com a abertura promovida nos últimos quatro anos, tem uma política muito mais restritiva de acesso a armas que os EUA. Nos EUA, ter arma é direito protegido do cidadão, enquanto no Brasil é privilégio de quem recebe autorização para tal pelo Estado.

No Brasil, essa diferença ajuda numa questão específica: a identificação de pessoas, em especial adolescentes, com interesse claro em armas e munição. Ao contrário dos EUA, aqui o uso ostensivo de armas em público é restrito às forças de segurança quando em serviço. Portanto seria, em tese, mais fácil de identificar situações como a de porte e exposição de armas por adolescentes.

Além disso, o acesso mais difícil a armas de grande poder de fogo faz os ataques em escolas brasileiras tenderem a ser menos violentos e terem menos casualidades que os americanos.

Conclusão 1 – Ataques em escolas raramente são repentinos e cometidos por impulso

Segundo o relatório, raramente que ataca uma escola age por impulso, nem depois de um “surto”. Os casos estudados pela Iniciativa Escola Segura tinham indícios de terem sido resultado de um processo que começa com uma ideia, passa a elaboração de um plano, continua em ações para conseguir os meios de realizar o ataque (aquisição de armas, munição etc) para então culminar no ataque.

No caso do ataque a Columbine, os dois responsáveis elaboraram o plano e se prepararam por um período de quase um ano antes de agir. Durante a investigação sobre o ataque inclusive se descobriu que Eric Harris falava sobre ataques em um blog que foi denunciado pela mãe de um colega de escola à polícia. Um dos artefatos usados por Harris para treinar as explosões previstas no ataque chegou a ser encontrado numa calçada.

Conclusão 2 – Outras pessoas sabem da possibilidade do ataque antes que ele aconteça

A pessoa ou pessoas que preparam um ataque tendem a falar sobre o assunto, fazer ameaças ou alusões a violência antes de agir. Segundo o relatório, é por isso que os estudantes são parte essencial da prevenção e devem ser estimulados a comunicar a situação a um responsável.

Conclusão 3 – a maior parte dos agressores não ameaçam diretamente seus alvos

Apesar de falar sobre o assunto, fazer ameaças veladas e referência a ataques, o agressor não ameaça diretamente o alvo. Segundo o relatório “esta conclusão reforça a importância de não esperar por uma ameaça antes de começar uma investigação”. A pesquisa aponta que é importante agir a partir de outros tipos de comunicações ou comportamentos, como um estudante que “é ouvido dizendo que irá levar uma arma para a escola”. “Os gestores da escola devem responder a todas ameaças feitas por estudantes. A falta de reação pode ser vista como permissão para continuar”.

Conclusão 4 – Não há um perfil preciso de estudantes que possam atacar escolas

Segundo o relatório, a personalidade, a história escolar, características sociais e familiares dos agressores variam bastante, de forma que é preciso ter muito cuidado para não estigmatizar estudantes injustamente. No caso de Columbine, uma informação equivocada reportada durante o ataque até hoje é repetida por veículos de comunicação: de que os dois adolescentes que realizaram o ataque eram vítimas de bullying e membros de uma “gangue do casaco preto”. Em Columbine, de Dave Cullens explica que a informação foi registrada ainda durante o ataque porque os estudantes que fugiram desesperados durante o tiroteio confundiram os casacos usados pelos dois agressores com de outro grupo de estudantes que nada tinham a ver com a situação.

Além disso, ainda durante o calor dos eventos a imprensa ouviu e reportou estudantes que diziam ter visto os dois agressores perseguindo atletas numa espécie de vingança. Não era uma informação verdadeira. Nem Eric Harris e Dylan Klebold eram vítimas de bullying, nem eles tinham como alvo atletas. O objetivo dos dois era matar todo mundo, sem um alvo específico.

Conclusão 5 – a maioria dos agressores tem certos comportamentos antes do ataque

O relatório aponta que os agressores em ataques a escolas analisados “não era estudantes ‘invisíveis’. Na realidade quase todos os estudantes se envolveram em comportamentos antes dos ataques que deixaram pelo menos uma pessoa preocupada, normalmente um adulto, e a maioria preocupou pelo menos três pessoas”.

Conclusão 6 – a maioria dos agressores tinha dificuldade de lidar com perdas ou falhas pessoais. Muitos contemplaram suicídio

O relatório aponta que a maioria das pessoas que mostram dificuldade com perdas ou falhas não vem a se tornar violenta. Mas estudantes agressores mostraram tal características, o que leva o texto a recomendar que a escola e demais serviços tentem encaminhar jovens nessa situação a serviços de atendimento. Isso vale especialmente para situações que provocam sentimentos de “desespero ou desesperança”. É importante também identificar situações que possam ser previstas e que possam provocar mudanças na vida de estudantes com problemas.

Conclusão 7 – muitos agressores se sentem agredidos, assediados ou perseguidos por outros antes do ataque

“A prevalência do bullying encontrado em estudos recentes deveriam servir de base para esforços para reduzir o bullying nas escolas americanas”, diz o relatório.

Conclusão 8 – a maior parte dos agressores tinha acesso e usou armas antes do ataque

Nos EUA o acesso à armas é comum e até cultural em algumas áreas. Mesmo assim o relatório aponta que qualquer esforço ou interesse em comprar, estudar, se aprimorar no uso de armas pode ser importante e deveria ser investigado. O mesmo vale para o interesse e esforço para aprender a fazer bombas ou comprar os ingredientes necessários para tal.

Conclusão 9 – Em muitos casos há outros estudantes envolvidos no ataque

Voltando a Columbine, mais uma vez, pelo menos uma aluna e dois adultos ajudaram os dois agressores a comprar armas e munição. Os dois adultos, Mark Manes and Philip Duran, foram condenados pelo papel que tiveram no massacre. Criar formas de permitir denúncias e alertas de outros estudantes é essencial no esforço de prevenção, destaca o relatório.

Conclusão 10 – a maior parte dos ataques é interrompida por vítimas, sem intervenção das forças de segurança

Segundo o texto, a maior parte dos ataques é de curta duração e termina antes que as forças policiais possam reagir. Por isso que a reação de vítimas acaba sendo a principal causa de interrupção do ataque. Por isso a importância da prevenção.

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