“Tudo” poderia ser diferente no festival de teatro de Curitiba

Para Leandro Knopfholz, a indiferença da prefeitura com o Festival de Curitiba dificulta bastante a realização do evento

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A 31ª edição de 2023 do Festival de Curitiba tem números impressionantes. Não é para menos, pois o evento é o maior de artes cênicas da América Latina. Neste ano, mais de 200 mil pessoas assistiram à programação que teve 350 atrações espalhadas por 65 espaços diferentes na cidade, e mais de 1.500 artistas participaram do evento.

Empregos e geração de renda

Além dos dados que para o grande público podem parecer ligados somente aos aplausos, outros mostram claramente como a cultura é importante para a economia: mais de 2.600 empregos diretos e indiretos foram gerados. Em entrevista coletiva para a imprensa, os diretores do Festival de Curitiba, Leandro Knopfholz e Fabíula Passini, falaram sobre esses números e da importância do evento para Curitiba, e também sobre o quanto de apoio é preciso para colocar o Festival em cena.

“Quem não conhece vê uma pessoa, mas tem dois operando na frente, atrás do público [luz e som]; dois operando na coxia, um contra regra e uma camareira; e a pessoa no palco”, diz Knopfholz ao explicar como as artes cênicas geram postos de trabalho. E continua: “Então, um monólogo precisa de cinco pessoas, fora quem pendurou a luz, quem carregou o cenário, quem criou tudo etc.”. 

Quanto custa?

Entre outros fatos, esse cálculo ajuda a entender por que o Festival de Curitiba custa R$ 8 milhões, valor apresentado pelo diretor como orçamento do evento. Contudo, mesmo carregando o nome da cidade, não houve contribuição do município, nem financeira nem institucional, segundo informação dada por Knopfholz no discurso de abertura dos 14 dias de programação e reiterada na entrevista ao fim do festival. Em resposta à pergunta do Plural sobre o que poderia ser diferente com o apoio da prefeitura, ele responde: “Tudo.”

Boicote da prefeitura

Por exemplo, o Teatro Paiol, o Memorial de Curitiba (com o Teatro Londrina e um palco externo coberto) e o Solar do Barão ficaram fora da programação de 2023. No passado, esses e outros espaços públicos geridos pela prefeitura receberam muitas atrações do Festival. Neste ano, o Paiol estava previsto e foi cancelado, algo recorrente ao longo dos últimos anos da gestão do prefeito Rafael Greca. “Ninguém é dono dessas salas, elas são administradas pela gestão municipal. A gestão municipal não é dona, ela não pode tirar, mas eles tiraram [do evento]”, diz Knopfholz. 

A prefeitura também finge que não vê a importância do Festival de Curitiba. Na agência de notícias e nas contas do município em redes sociais, é como se o evento não existisse. O governo de Curitiba ignorou o Festival de Curitiba. Completamente.

O dinheiro não pinga na conta 

Hoje o cenário das finanças do festival é o seguinte, conforme conta Knopfholz: os patrocínios cobrem 80% do orçamento. Dessa parcela, 90% é verba incentivada (captadas por meio da Lei Rouanet junto à iniciativa privada); montante confirmado apenas ao final do fechamento fiscal das empresas, ou seja, no fim do ano. Só que o festival é em março, assim a produção é feita levando em conta o histórico e o relacionamento desenvolvidos com os incentivadores. “Mas algumas empresas disseram, no final do ano, que ‘não ia rolar’; a prefeitura não tem essa questão. Ela poderia dizer amanhã que, nos próximos três anos, ela nos patrocina com um valor X”, diz o diretor. 

Isso prejudica a saúde do evento e impede parcerias, como montagens de espetáculos negociadas com antecedência, como ocorre em eventos culturais de importância internacional como o Festival de Edimburgo. É preciso declinar propostas, mesmo vindas de diretores fantásticos, para produzir espetáculos que serão apresentados daqui a dois ou três anos, como explica ele. “Eu não sei se [o Festival de Curitiba] vai acontecer em 2024.” 

A diretora Fabíula Passini complementa dizendo que a programação é fechada em 15 de janeiro. Porém, no dia 31 de dezembro do ano anterior, mesmo com o tamanho do festival ainda incerto, a organização vai se comprometendo com algumas peças. “É insano”, afirma ela destacando a importância do investimento da prefeitura para a produção ter mais segurança.

O que mudou

O intrigante é que esse apoio acontecia anteriormente, segundo Knopfholz. “Sempre existiu, inclusive na primeira gestão do Greca [na prefeitura, de 1993 a 1997]”. Ele classifica a postura atual da gestão municipal, com a falta de incentivos ao Festival de Curitiba, como quebra da impessoalidade na administração pública. “Esse cara está entrando num certo desvio de conduta, na minha leitura.”

Trecho da entrevista coletiva de encerramento do Festival de Curitiba. (Imagens: Luciana Nogueira Melo e edição: Tami Taketani/Plural)

Festival de Curitiba 2023

O evento foi realizado entre os dias 27 de março e 9 de abril, com programação dividida entre mostras e eventos paralelos. A Mostra Lúcia Camargo, a principal, apresentou 32 espetáculos, com seis estreias nacionais e uma internacional e 41 sessões com ingressos esgotados. No Fringe, foram 280 atrações e 40 espetáculos gratuitos, divididos em 15 mostras e um circuito independente. 

Para conferir a cobertura do Festival de Teatro feita pelo Plural, clique aqui. Outras informações no site oficial do evento.

Sobre o/a autor/a

8 comentários em ““Tudo” poderia ser diferente no festival de teatro de Curitiba”

  1. Perfeitamente: perdeu a impessoalidade. Trata-se de uma inclinação para um lado que não só não valoriza, como deprecia a arte e os artistas. Tempos difíceis esses últimos anos e o presente ano, ainda.

  2. Mirella Cavalcante

    Coisa de governante com cabecinha de terceiro mundo. Tipo de prefeito que vai pra Europa, paga 1000 euros no melhor lugar para assistir operas e filarmônicas e se deslumbra e ainda solta um: “nossa, bom mesmo é a Europa…tão evoluída e civilizada”. Por que será, né?

  3. Problema se a prefeitura decidir privilegiar o FTC, retirando o pouco incentivo que oferece aos artistas locais através do Programa de Incentivo ã Cultura. FTC tem a Lei Rouanet e nome suficiente para arrecadar os milhões que usa todos os anos. Dever da prefeitura é investir na produção local e na descentralização das atrações artísticas. Se a prefeitura investir no FTC, vai estrangular as pequenas produções.

  4. Lamentável para nossa cidade não haver uma gestão que “dê apoio , incentivo e estimule “ a Cultura . Sou imparcial quanto a política mas sei que essa mesma gestão já fez e faz muito pela Cidade , mas nesse aspecto deixou muito a desejar . Espero que os próximos anos o Festival de Curitiba seja mesmo de Curitiba e receba o incentivo financeiro , também a divulgação merecida e apoio para o mesmo

  5. Em 2021 o cara que diz amar Curitiba, mas não o ser humano, me decepcionou demais criando projeto para multar quem distribuísse comida para pessoas carentes e talvez seja isso, proibir ou menosprezar alimento cultural, aliás começou a treinar no ano passado com a reforma ridícula do teatro paiol, que conforme a mídia o custo foi de R$ 645 mil aos cofres públicos, mas virou meme nas redes sociais . O primeiro a estar a frente de um evento tão maravilhoso como esse festival, deveria ser o prefeito.
    Agora ninguém pode negar que ele é um grande ator, pois na televisão é uma pessoa, mas suas ações…

    1. Bem lembrado, o Teatro Paiol foi uma barbeiragem enorme. Depois disso veio o projeto do prédio da Câmara Municipal.
      Acho que deve ser o projeto de ‘enfeiamento’ da nossa cidade.

  6. Rafael Greca, a cada dia que passa perde o respeito por Curitiba e pela Cultura das Artes. Isso porque, uma pessoa que fez sua carreira política levantando a bandeira da Cultura das Artes e agora nada faz, é no mínimo duvidoso. Ao se abraçar com o Requião inimigo declarado mostra exatamente o caráter desse energúmeno disfarçado de intelectual.

  7. O nosso prefeito, que anos atrás foi ministro da Cultura, certamente sabe da importância do festival para a cidade. Deveria vir a público para explicar os motivos para não apoiar esse grande evento.

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