Curitiba está à beira de homenagear um antissemita notório, dizem intelectuais judeus

Grupo de intelectuais enumera textos antissemitas de Olavo, que Câmara decidiu tornar cidadão honorário de Curitiba

Um grupo de intelectuais judeus está denunciando a homenagem aprovada nesta semana ao autointitulado filósofo Olavo de Carvalho. Por 14 votos a 9, os vereadores de Curitiba aprovaram em segundo turno a cidadania honorária ao guru do bolsonarismo.

Segundo o grupo, denominado Judias e Judeus Sionistas de Esquerda, Olavo escreveu diversos textos antissemitas, inclusive comparando os judeus a seus algozes nazistas. Integram o grupo Jean Goldenbaum, Mauro Nadvorny, Michel Gherman, Milton Blay, Nelson Nisenbaum, Pietro Nardella Dellova e Tânia Maria Baibich.

O Plural reproduz abaixo, na íntegra, o manifesto do grupo.


A Câmara Municipal de Curitiba aprovou em segunda votação o projeto de lei que concede cidadania honorária a Olavo de Carvalho. Na primeira votação, na semana passada, o projeto recebeu apenas oito votos favoráveis, dos 38 vereadores, mas mesmo assim continuou tramitando, uma vez que apenas sete vereadores votaram contra.

Na segunda votação, nesta segunda 10/04, o número de votos a favor do projeto aumentou para 14, e os contrários foram nove. Outros quatro vereadores que estavam em plenário preferiram se abster da votação. Com isso, o projeto, de autoria do vereador de ultra direita Eder Borges (PP) segue para sanção do prefeito Rafael Greca (PSD).

Antes da votação, vários vereadores apontaram tanto as falas criminosas do astrólogo e autointitulado filósofo Olavo de Carvalho, falecido no ano passado. Falas racistas, misóginas e homofóbicas marcaram a carreira do homenageado, que ficou conhecido por cursos sobre suas ideias e por posts histriônicos na Internet. No fim da vida, Olavo ficou célebre pelo apoio a Jair Bolsonaro (PL) e pelo negacionismo durante a Covid.

Olavo de Carvalho também foi um antissemita notório. Num livro de 2012, intitulado “Os EUA e a nova ordem mundial”, uma compilação de um debate entre ele e o escritor neofascista russo Aleksander Dugin, Olavo de Carvalho denunciou uma organização judaico-globalista (que ele denominava Consórcio) composta por “grandes capitalistas e banqueiros internacionais, empenhados em instaurar uma ditadura mundial socialista”.

A discriminação aos judeus vinha no meio de um pacote de teorias da conspiração, num emaranhado paranoico que ia do terraplanismo ao marxismo cultural, passando pela Pepsi Cola, que usaria células de fetos para fabricar adoçantes. Olavo de Carvalho denunciava:

1) A presença de banqueiros judeus nos altos círculos do Consórcio;

2) A de militantes judeus na elite revolucionária que instaurou o bolchevismo na Rússia.

Para o pseudo-filósofo, era óbvio que esses dois grupos de judeus – banqueiros e militantes comunistas – colaboraram entre si para a “desgraça do mundo”. Eles continuaram colaborando até a época em que Stálin desencadeou a perseguição geral aos judeus e a KGB começou a devolver a Hitler os refugiados judeus que vinham da Alemanha. Segundo ele, a colaboração dura até hoje.

3) O barão Rothschild é dono do Le Monde, o jornal mais “esquerdista” e anti-israelense da grande mídia europeia, assim como a família judia Sulzberger é dona do diário americano que mais mente contra Israel. Quanto a George Soros, teria ajudado os nazistas a tomar as propriedades de outros judeus, além de financiar tudo quanto é movimento anti-americano e anti-israelense do mundo.

Em quinze linhas, o ex-guru da Virgínia acumulou fake news; confundiu o jornal Le Monde com Libération, que em 2005 teve capital da família Rothschild. Le Monde nunca foi um jornal esquerdista. Quanto ao adolescente Soros, foi perseguido pelos nazistas durante a Segunda Guerra e ao final do conflito tinha apenas 15 anos de idade. Por pouco o pequeno George não foi enviado para os campos de extermínio.

As acusações de Olavo de Carvalho aos judeus não passam de mentiras antissemitas tiradas dos “Protocolos dos Sábios de Sião”, dentre as quais a mais antiga e disseminada – a de que fazem parte de uma conspiração para dominar o mundo, controlando a economia e a mídia.

Quanto à relação entre os judeus e o bolchevismo revolucionário russo, só mesmo o antissemitismo explica. Afirmar que “militantes judeus” estiveram por trás da revolução que instaurou o comunismo na Rússia em 1917 remonta a uma mentira utilizada pela propaganda do partido nazista para instigar o ódio contra seus dois principais inimigos: judeus e comunistas.

Se é verdade que alguns revolucionários russos, como Leon Trotsky e Grigorii Zinoviev, eram de fato judeus, a imensa maioria tinha origem cristã.

No mesmo texto, Olavo deixou ainda mais claro o seu preconceito: “Alguns judeus merecem proteção; enquanto outros, falsos e impuros, devem ser demonizados. Quando se trata desses, eu abraço o antissemitismo.”

Dos textos antissemitas de Olavo, talvez o mais surpreendente tenha sido sua comparação entre judeus e nazistas.

Num artigo de 1995, publicado no livro “O imbecil coletivo”, ele criticou Jeff Lesser, brasilianista que acabara de publicar uma pesquisa sobre o antissemitismo durante o Estado Novo:

“Ou aderem ao modernismo ateu, ou, quando se apegam à religião, é para rebaixá-la a um fundamentalismo rancoroso, fanático e assassino. Quanto a esta última alternativa, cabe lembrar: ninguém neste mundo está imunizado por garantia divina contra a contaminação de uma mentalidade nazifascista, muito menos aqueles que ontem foram vítimas dela. O homem perseguido, seviciado e traumatizado tende, por uma compulsão inconsciente quase irresistível, a incorporar os traços do seu perseguidor, disfarçando-os sob um discurso contrário.”

Olavo de Carvalho foi ainda mais explícito numa crônica publicada em O Globo, em 1997:

“Entre o fim da 1° Guerra e a ascensão de Hitler, ninguém foi mais excluído e discriminado que os alemães — e vejam só a porcaria que depois eles fizeram a pretexto de enderechar entuertos. Os judeus copiam na Palestina a meleca germânica, e os pretos já começam a bater no peito com demonstrações ostensivas de orgulho racial, nostálgicos talvez do tempo em que, faraós no Egito, desciam o chicote no lombo semita.”

Este foi Olavo de Carvalho, auto-intitulado filósofo, que conheci no Estadão como jornalista astrólogo, guru do bolsonarismo. Através dele, entende-se melhor as ligações estreitas entre a família Bolsonaro e o nazifascismo, que parece englobar também os vereadores curitibanos, que estão prestes a homenageá-lo.

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7 comentários em “Curitiba está à beira de homenagear um antissemita notório, dizem intelectuais judeus”

  1. A Câmara de Vereadores já deu provas de seu racismo ao tentar cassar o ex-vereador Renato Freitas; agora, ao coroar um medíocre astrólogo e um fascistóide de quinta-categoria, guru de bolsonaristas e professor de curitibanos de largo costado, a Câmara mais uma vez mostra que não está pra brincadeira. Pretos, Judeus, quem serão os próximos perseguidos?

  2. Que perda de tempo e energia isso tudo. O homenageado já morreu, não tinha ligações com nossa cidade, motivos públicos para a homenagem não haviam.
    Espero que o prefeito vete, do que eu não acredito que venha a acontecer.

  3. Armando Petrelli Coelho

    Galindo…faço coro com esse movimento….um sujeito que autodomina-se filósofo, que fez parte da “trupe” bolsonarista, não tem mérito algum para receber essa comenda…..Como diria o historiador Eduardo Bueno…CANALHAS!!!!

  4. Maristela Gavelaki

    Pergunta ao Senhor Prefeito Rafael Greca: vai vetar essa lei ou vai sancioná-la, mesmo sabendo das barbaridades que Olavo de Carvalho pregava.
    Se não vetá-la, será uma VERGONHA!!

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