Multa de R$ 5 mil por beber na rua: donos de bares na Trajano reclamam de decreto da prefeitura

Com clientes multados, estabelecimentos criticam política higienista do município

“A lei é seca só pra pobre?”, questiona o advogado Konrrado Sicalski, que atende alguns dos bares localizados na rua Trajano Reis, no bairro São Francisco. Sua queixa tem a ver com o Decreto Municipal 1.850, publicado no dia 4 de novembro, que prevê a operação de baladas, casas de show, estádios e cinemas com capacidade máxima de lotação. “A única proibição vigente é o consumo de bebida alcoólica em via pública, sob pena de multa”, comenta.

A medida proibitiva também faz parte da Lei 15.799, sancionada em janeiro deste ano, e se mostra uma ameaça para o comércio local devido à natureza dos bares estabelecidos na região central. Muitos são “portinhas” perto de praças ou vias onde tradicionalmente os clientes retiram a bebida no balcão e ficam socializando nas calçadas. “Ou seja: a proibição inviabiliza a atividade dos estabelecimentos que dependem do espaço público para operar”, diz.

De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), o problema é que nas ruas as pessoas ficam aglomeradas sem máscara, o que facilitaria a propagação da Covid-19. “Dentro dos estabelecimentos, por outro lado, os comerciantes têm a obrigação legal de exigir o uso da máscara e realizar o controle da aglomeração de pessoas”, argumenta.

Para o advogado, a avaliação do órgão é limitada, pois baladas não têm circulação de ar, o que testemunha contra o propósito da medida sanitária. “O que se observa é que o decreto tem como objetivo selecionar o tipo de bar que está autorizado a funcionar, pois favorece os grandes empreendimentos e inviabiliza os pequenos comerciantes de rua, que operam com preços mais acessíveis e populares”, infere. Sob essa leitura, as autoridades estariam selecionando também o tipo de pessoa autorizada a se divertir na cidade.

5 mil reais por beber vinho na praça

“Apenas na alameda Prudente de Moraes, foram lavradas mais de 200 multas com valor médio de 400 reais, não necessariamente sendo observado pela fiscalização o distanciamento mínimo entre pessoas, bastando o consumo”, aponta Sicalski.

Dia desses, a diversão de Mayla Fialla acabou em multa. Ela estava com alguns amigos em uma praça da rua Itupava, bebendo vinho e conversando, como costumava fazer antes de começar a pandemia. “Conforme os estabelecimentos foram liberados, findado o toque de recolher e as restrições de capacidade, por mera ignorância nossa, fomos retomar os velhos hábitos de lazer”, fala.

Segundo ela, por volta das 22h, equipes policiais chegaram rodeando os transeuntes e encaminharam todos da praça para a rua ao lado. “Imaginamos que seria para fazer uma busca pessoal, talvez relacionada a alguma denúncia de tráfico de drogas. Não possuindo nada de ilícito e convictos que não estávamos fazendo nada contra a lei, colaboramos em toda a abordagem.”

Após a revista, o grupo foi questionado sobre o resto de vinho que estava no chão. “Eu e a minha amiga informamos que era nosso, pois bebíamos juntas, e então perguntaram quem havia efetivamente comprado a bebida. A minha amiga disse que foi ela e teve a surpresa da lavratura de um auto de infração com a penalidade de multa no valor de cinco mil reais, por ingerir bebida alcoólica em via pública.”

O valor também pegou as amigas desprevenidas – inclusive Mayla, que é formada em Direito. “É totalmente desproporcional com a conduta criminalizada, inclusive porque não causou lesão a bem jurídico alheio. É desproporcional também com os rendimentos da minha amiga, que aufere um salário mínimo mensal, sendo impossível ela adimplir o débito sem que afete a subsistência dela”, afirma a advogada.

“Nós recorremos pedindo de forma subsidiária a diminuição do valor da multa aplicada, já que tem previsão na referida lei municipal e até o presente momento não foi julgado”, finaliza.

Mais de um milhão em multas

A Secretaria Municipal do Urbanismo (SMU) informa que a Ação Integrada de Fiscalização Urbana (AIFU) acontece a partir da união de esforços da SMU junto com os seguintes órgãos: Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SMMA), Secretaria Municipal de Trânsito (SETRAN), Guarda Municipal (GM), Polícia Militar (PM), Polícia Civil (PC) e Corpo de Bombeiros. Por isso, as abordagens costumam ser feitas por muitos fiscais juntos.

“Desde 5 de janeiro, quando entrou em vigor a Lei 15799, até o dia 7 de novembro, as ações vistoriaram 4.555 estabelecimentos, de diferentes áreas do comércio, nos bairros e na região central.  Destes, 1.061 foram flagrados descumprindo as medidas sanitárias obrigatórias e acabaram interditados e 2.252 autos de infração foram lavrados para pessoas físicas, empresas e comércios”, contabiliza a assessoria da SMU.

Ao todo, 246 autos de infração foram lavrados para pessoas flagradas consumindo bebida em via pública. “A soma destes autos é de R$ 1.230.000,00, uma vez que o auto de infração nestes casos é de R$ 5 mil. Para a lavratura do auto de infração, são consideradas questões como a gravidade do fato, os motivos da infração e suas consequências para a saúde pública, além dos antecedentes do infrator quanto ao cumprimento das normas de combate à pandemia.”

Curitiba foi um dos primeiros municípios do país a aprovar uma legislação que define as infrações administrativas derivadas de condutas e atividades consideradas “lesivas ao enfrentamento da emergência de saúde pública” decorrente da Covid-19.

“A lei foi aprovada para fortalecer a fiscalização do cumprimento das medidas sanitárias absolutamente necessárias para contenção da pandemia. Além da multa, a Lei Municipal 15799/21 prevê aos infratores outras penalidades como embargo e interdição de estabelecimentos, independentemente de notificação prévia, e a cassação do Alvará de Localização e Funcionamento”, explica a SMU.

Ainda de acordo com o órgão, os locais com maior incidência de multas são: rua Itupava, especialmente no Shopping Itupava; a esquina das alamedas Prudente de Moraes e Carlos de Carvalho; rua Raul Pompéia, na Cidade Industrial de Curitiba (CIC); av. Silva Jardim, no Rebouças; rua General Carneiro, no Centro; além de casas noturnas da região central e uma tabacaria do Campo de Santana.

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5 comentários em “Multa de R$ 5 mil por beber na rua: donos de bares na Trajano reclamam de decreto da prefeitura”

  1. Se estiver dentro do bar precisa usar máscara, correto? Dia 30/10 fui a um tradicional bar na Avenida Iguaçu. Usando máscaras, só eu e os funcionários e a julgar pela descontração dos presentes, a força tarefa pode chegar lá em qualquer dia e aplicar essas multinhas “a rodo”. Mas a quem interessa, né? De acordo com a política higienista da prefeitura a chance de contaminação é maior na rua que em ambientes fechados e lotados.

  2. Tomei essa multinha. Acredito que fui pego na primeira leva.
    Chegou um aparado descomunal com polícia militar, bombeiros, guarda municipal e agentes da prefeitura. Os policiais passaram de forma extremamente discreta tirando as pessoas para aplicação de multa.
    Ou seja, não teve nenhum intuito em dispersar as pessoas e informar sobre a ação da prefeitura para “conter” o covid.
    Enquanto isso os bares lotados e baladas funcionando.
    Já fiz a defesa, aguardo o desfecho.

  3. Enquanto votarmos em políticos imbecis, teremos sempre a mesma sanha arrecadadora do Estado.
    E, o pior: para onde vai esse dinheiro arrecadado?
    Vai servir para financiar alguma viagenzinha de algum político vagabundo.

  4. Incoerência de todos os lados. Como é que alguém abre um bar, sabendo que não vai ter espaço interno para os clientes, e esses vão ter que consumir as bebidas na rua? Por outro lado, as pessoas não podem beber na rua, pois ficam sem máscaras, se estivessem dentro do bar os proprietários obrigariam os clientes a usar esse equipamento. Mas espera aí, vai usar máscara dentro do bar? As pessoas vão comer e beber de máscara? Parem o mundo que eu quero descer!

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