LUME é espaço de reflexão sobre as feridas da ditadura em Curitiba

Lugar de Memória é um espaço que evita ocultação dos fatos ocorridos durante os anos de repressão e tem visitação gratuita

O antigo presídio do Ahú, em Curitiba, que recebeu presos políticos durante a ditadura militar, hoje abriga o LUME – Lugar de Memória, espaço voltado à preservação da memória dos anos de repressão (1964-1985) e de resistência.

O espaço foi cedido pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) e a criação do LUME é uma ação concreta dos apontamentos feitos pela Comissão Estadual da Verdade – Teresa Urban, que encerrou os trabalhos e entregou o relatório final em 2017.

A instalação do LUME se deu por meio do Comitê Estadual Memória e Verdade de Justiça (CEMVEJ), que manteve a base da equipe da Comissão.

O LUME reúne acervo com livros, fotografias e informações sobre os anos de ditatura. Também são parceiros do espaço o Ministério Público do Paraná (MPPR) e a Secretaria Estadual de Justiça e Cidadania.

Para Claudia Cristina Hoffmann, coordenadora do LUME, historiadora do MPPR e doutoranda pela Universidade de Campinas (Unicamp), a perspectiva é não apenas lamentar o que ocorreu durante a ditadura militar, mas trabalhar na educação e conscientização para que regimes autoritários não voltem a acontecer.

“O LUME não é para a gente ficar só chorando em cima da tortura que aconteceu, dos traumas que aconteceram, mas um lugar de vida, um lugar de educação, um lugar que a gente possa promover conhecimento, continuar as investigações”, analisa.

Patrimônios difíceis

Muita gente confunde os lugares de memória com museus, mas há diferença. Segundo o Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), lugares de memória são instrumentos de proteção. “Ainda que um bem cultural tenha perdido sua integridade e autenticidade, em consequência da ação humana ou do tempo”, diz o Instituto em seu site oficial.

Lugares de memória existem para dar referências aos acontecimentos históricos. Quando estes espaços tratam de temas doloridos como foi a ditadura militar, os historiadores adotam o termo “patrimônios difíceis”. Sobre isso, Hoffmann destaca: “A ideia do lugar de memória é a gente conseguir ter a delicadeza de chamar atenção, propor a consciência e sensibilizar a pessoa com poesia, com cores, com informações”.

No Paraná, de acordo com o grupo Tortura Nunca Mais, a estimativa é de que 4 mil pessoas tenham sido presas e ao menos mil torturadas durante os anos de chumbo.

Área interna do prédio que hoje abriga o LUME, bem diferente da época em que era um presídio | Foto: Cecília Zarpelon/Plural.

Um dos presos foi o advogado José Bonifácio Cabral Jr., que à época era estudante de Direito da Universidade Católica. Ele foi levado para o presídio do Ahú, onde hoje fica a sede do LUME. Em consonância com a ideia de não revitimização, Cabral tem uma postura de orgulho sobre a trajetória em defesa da democracia e rechaça o sentimento de medo.

“Não fiquei porque eu tinha consciência que tinha que lutar contra a ditadura, sabe?”, diz ao relembrar o período encarcerado.

Visitação

Desconstruir o imaginário popular de que no Brasil houve uma “ditabranda”, ou seja, que o período do regime militar “não foi tão ruim assim”, é um dos desafios do LUME.

Para a filósofa e jornalista Silva Calciolari, autora do livro “Depoimentos para a História – A resistência à ditadura militar no Paraná”, de 2014, políticas públicas e ações de educação são fundamentais para mudar as “versões oficiais”.

Presídio do Ahú recebeu militantes que lutaram contra a ditadura militar | Foto: Acervo/LUME

“A gente demorou muito para mudar a versão de que foi uma revolução. Foi um golpe, não uma revolução, foi o regime ditatorial, civil-militar”.

Ir a lugares de memória é uma dessas ações. Em Curitiba, no LUME, a visitação é aberta para de segunda-feira a sexta-feira, das 12h às 18h. Não é preciso agendar e a entrada é gratuita.

Serviço

LUME – Lugar de Memória

Avenida Anita Garibaldi, 750

Telefone: 41 3312-6075


Esta reportagem foi produzida como parte do curso “Jornalismo investigativo: da hipótese à construção da narrativa”, da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), com apoio da Embaixada e consulados dos Estados Unidos no Brasil. O texto contou com mentoria e edição de Mauri König.

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