Justiça determina titulação de todo o território quilombola Paiol de Telha

Processo de demarcação do local, que fica no Paraná, corre desde 2004. Comunidade moveu ação por conta da morosidade na regularização do território

A 11ª Vara da Justiça Federal determinou que a União e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) adotem medidas para viabilizar a titulação de toda a área do quilombo da Comunidade Invernada Paiol de Telha, em Reserva do Iguaçu, no Paraná. Ainda cabem recursos na sentença. 

A decisão, proferida em 31 de março, ocorre no âmbito da Ação Civil Pública (ACP) movida em 2018 pela Paiol de Telha. A ação exige o pagamento de indenização por danos morais coletivos à comunidade, pela morosidade do Estado em assegurar e regularizar o território coletivo – processo que teve início em 2004. 

“Essa sentença aponta para a estabilidade da ocupação quilombola tradicional em seu território, transmite segurança jurídica à comunidade que não precisa mais temer despejos repentinos em relação às áreas parcialmente tituladas, mas ainda há um longo percurso jurídico e político para garantir a titulação integral do território”, destaca Kathleen Tie, assessora jurídica da Terra de Direitos, organização que auxilia a comunidade Paiol de Telha no processo.

A titulação de Paiol de Telha

O processo de titulação de Paiol de Telha teve início em 2004 e, um ano depois, a comunidade quilombola foi reconhecida pela Fundação Cultural Palmares. Em outubro de 2014, o Incra assinou a portaria de reconhecimento de 2.959,2371 hectares de terra pertencentes à Paiol de Telha. 

Uma das últimas etapas no processo da titulação, a assinatura do decreto de desapropriação, foi realizada em junho de 2015, quando a então presidente Dilma Rousseff (PT) determinou a aquisição de 1.460 hectares do território.

Em maio de 2019, uma decisão liminar resultante da ACP movida pela comunidade concedeu o domínio coletivo de 225 dos cerca de 2,9 mil hectares que correspondem ao território quilombola. Como trata-se de um título parcial, ou seja, não corresponde pela totalidade da área reconhecida como de direito da comunidade, as famílias seguem em reivindicação. 

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Para a moradora da comunidade e integrante da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), Ana Maria da Cruz, a ausência do título da totalidade da área expõe uma parte significativa das cerca de 300 famílias de Paiol de Telha a condições de miséria. Isso porque, sem a regularização do quilombo, há insegurança sobre a permanência na área e a impossibilidade de o Estado ofertar serviços essenciais, como luz e saneamento básico.

“Temos famílias que ainda vivem em situação de miséria. Chegaram no território, mas sem condições alguma de construir uma moradia digna, sem acesso à água e energia elétrica – o mínimo que as pessoas precisam. E há também o medo permanente, de anoitecer e amanhã ter uma ordem de despejo”, destaca.  

Imagem: Terra de Direitos

Orçamento 

Um dos argumentos apresentados pela União e pelo Incra na ação movida pela Paiol de Telha, de que não há recursos públicos suficientes para dar continuidade ao processo de titulação, foi contestado pela Justiça Federal. A mesma justificativa já havia sido refutada em 2019, uma vez que a efetivação de direitos não deve ser condicionada à decisão política de gestores públicos sobre direcionamento de recursos. 

“É de conhecimento deste juízo que o orçamento da União é limitado, possui destinações certas. Mas a questão aqui tratada não é meramente orçamentária, mas de respeito a direitos constitucionalmente previstos, há muito tempo, direitos de moradia e de dignidade da pessoa humana. O direito dos descendentes de quilombolas a terras remanescentes está garantido desde 1988, e até então eles não têm a almejada efetividade da norma”, diz um trecho da sentença.

A ausência de priorização de recursos para a regularização fundiária quilombola é evidenciada na exclusão das comunidades do Plano Plurianual (PPA) 2020-2023. De acordo com um levantamento realizado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), a execução financeira para titulação quilombola foi praticamente reduzida a zero entre os anos de 2019 e 2021.  

*Com informações da organização Terra de Direitos

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