Guarda Municipal de Curitiba passou a agir como polícia. Um dos resultados: 15 pessoas morreram

Instituição respondia originalmente pela proteção patrimonial, mas causou mortes atendendo ocorrências policiais, como assalto e tentativa de homicídio

Reportagem atualizada às 11h38 do dia 2 de agosto. Trechos modificados em destaque

Esta é a primeira de uma série de reportagens que o Plural publica sobre a Guarda Municipal de Curitiba.

Todas as mortes causadas pela Guarda Municipal (GM) de Curitiba nos últimos 17 anos ocorreram enquanto a instituição atendia ocorrências que não têm a ver com sua função original. Dados obtidos pelo Plural via Lei de Acesso à Informação (LAI) mostram que a GM, criada para proteger bens, serviços e instalações do município, matou 15 pessoas na capital desde 2006. 

De acordo com o documento encaminhado pela Secretaria de Defesa Social e Trânsito (SMDT) de Curitiba, a “natureza do delito” que causou a morte de 15 pessoas envolve casos de roubo, dano, disparo, agressão, tentativa de homicídio, lesão corporal, tentativa de roubo a veículo, assalto, tumulto/rixa, abordagem a veículo e abordagem à pessoa. Isso significa que nenhum caso está relacionado à função original da GM de proteção patrimonial do município.

“Há um desvirtuamento das funções das guardas municipais e isso é um problema nacional. O que se percebe pelos dados das mortes é a guarda municipal atuando como se polícia fosse. Nenhum dos delitos se trata de crimes praticados contra o patrimônio da prefeitura”, afirma o mestre e doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Giovane Matheus Camargo.

Guarda Municipal

Para o sociólogo, que também integra o Centro de Estudos em Segurança Pública e Direitos Humanos da UFPR (CESPDH/UFPR), grupo multidisciplinar que pesquisa o fenômeno da violência e da punição, o problema desse desvio de função é que o serviço que deveria ser feito pelas guardas acaba ficando sem execução. Por isso o especialista defende uma melhor regulamentação das GMs, que só poderia vir, segundo ele, por meio de uma mudança constitucional. 

Leia mais: Guarda Municipal agora prende mais; e cuida menos da escola, do posto de saúde…

“A guarda municipal não é, constitucionalmente, uma força de segurança pública. Mas a gente percebe que ela sempre teve esse papel muito mais de ‘policiamento'”, destaca o doutor em Direito e professor de Criminologia e Sociologia Jurídica da Escola de Direito e Ciências Sociais da Universidade Positivo (UP), Flávio Bortolozzi Junior. 

De acordo com o jurista, no contexto brasileiro, o desvirtuamento da função constitucional das guardas municipais se dá numa tentativa de “solucionar” o problema da segurança pública do país por meio de uma política de militarização dessa instituição.

Bortolozzi Junior destaca que esse distanciamento da atribuição das guardas municipais tem esbarrado em impasses judiciais, na medida em que Tribunais Superiores passam a rever decisões com base no entendimento de que os guardas estariam incorrendo nas atribuições das polícias militares.

“Em âmbito judicial, a ação das guardas municipais é bastante questionada. Forças policiais têm competência para fazer revista em uma pessoa. A guarda não é força policial portanto não pode fazer isso. Se um guarda revista, qualquer tipo de prova que dali possa se ter é uma prova ilícita, porque ele não tem competência para tal.”

“Polícia comunitária”

Ao Plural, o Sindicato dos Servidores da Guarda Municipal de Curitiba (Sigmuc) informou que a instituição “sempre atuou na proteção da população, bens, serviços e instalações do município” e que executa “atividade de segurança pública essencial ao atendimento de necessidades inadiáveis da comunidade”.

O Sigmuc afirmou que, “por estar mais próxima do cidadão, a Guarda Municipal tem o reconhecimento de ‘polícia comunitária'” e que por meio do patrulhamento preventivo presta “relevantes serviços à sociedade”, seja pela atuação direta em atendimento de ocorrências em flagrante delito ou em cooperação com as polícias militar, civil e rodoviária federal, “contribuindo desta forma, ativamente na pacificação dos conflitos, redução das perdas e do sofrimento, provocados pela crescente violência e criminalidade”. 

Nos últimos cinco anos, a GM atendeu 221.709 ocorrências, sendo 47.608 apenas em 2022. O Sigmuc destacou o atendimento das medidas protetivas de urgência a mulheres vítimas de violência doméstica (foram 8.190 atendimentos pela Patrulha Maria da Penha da GM em 2022), as 1.124 ações de Defesa Civil e as 1.034 ocorrências de fiscalização durante a pandemia de covid-19.

O Plural deixa aberto o espaço à SMDT e ao Sigmuc caso queiram contextualizar os dados sobre as mortes causadas pela Guarda Municipal de Curitiba.

Em 31 de julho deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5780, proposta pela Associação Nacional dos Agentes de Trânsito do Brasil (AGTBRASIL), e entendeu ser constitucional a atribuição às guardas municipais do exercício de poder de polícia de trânsito.

Na decisão, o ministro Gilmar Mendes, relator da ADI, manifestou que as guardas têm a possibilidade de atuar “como atividade de segurança pública ostensiva ou polícia judiciária” com base no inciso 8º do artigo 144 da Constituição, que diz que “os municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei. (Vide Lei nº 13.022, de 2014)”. Por sua vez, a Lei nº 13.022, citada na Constituição e conhecida como Estatuto das Guardas Municipais, afirma que “no exercício de suas competências, a guarda municipal poderá colaborar ou atuar conjuntamente com órgãos de segurança pública da União, dos Estados e do Distrito Federal ou de congêneres de Municípios vizinhos”. 

Sobre o/a autor/a

20 comentários em “Guarda Municipal de Curitiba passou a agir como polícia. Um dos resultados: 15 pessoas morreram”

  1. Inspetor Frederico

    Dra Cecilia Zarpelon, gostaria de parabenizar pelo conteúdo da matéria. Assunto importante para se debater academicamente, com o propósito de se construir uma nação mais, justa segura e solidária.
    Gostaria de sugerir a estimada jornalista uma leitura minuciosa e criteriosa Inteiro Teor do Acórdão ADI 5780/DF – Decisão: “O Tribunal, por unanimidade, conheceu da presente ação direta e julgou improcedente o pedido, para reconhecer a constitucionalidade da Lei Federal 13.022, de 8 de agosto de 2014, que dispôs sobre o Estatuto Geral das Guardas Municipais, nos termos do voto do Relator. Plenário, Sessão Virtual de 23.6.2023 a 30.6.2023”.
    Reforço que seja feita a leitura das 47 (quarenta e sete) laudas que compõem Decisão proferida na presente ADI 5780/DF, não se limitando apenas ao verbete acima descrito.
    Ainda, a fim de agregar maior conteúdo a este pertinente debate, indico para uma leitura complementar o livro de Claudio Frederico de Carvalho, sob o Título: A Evolução da Segurança Pública Municipal no Brasil, Editora Intersaberes, 2ª Edição, 2020.
    Atenciosamente,
    Inspetor Frederico

  2. Com todo respeito a jornalista e seu ponto de vista, mas ela está muito equivocada. Hoje as GCMs estão devidamente inseridas no sistema de segurança pública do país dando segurança nas ruas e aos cidadãos brasileiros que são o maior patrimônio público de uma nação. A Lei 13.022 é muito clara e dá o poder de polícia a essa instituição; ficar contra as GCMs na proteção ao cidadão é apoiar o crime.
    É claro que as vezes acontecem raros excessos com profissionais não tão qualificados quanto deveriam, assim como acontece em todos os órgãos de segurança pública, mas defender bandidos e criticar GCMs que estão dando as suas vidas pra lutar contra o crime me parece bastante desproporcional.

  3. Meu caro De. Guilherme, admiro o Sr publicar uma matéria sem ler ou ao menos pesquisar sobre a Guarda Municipal. O Sr afirmou que a Guarda Municipal não faz parte da Segurança Pública. Trazendo desinformação para os leitores. Leia por favor as Leis 13022/2014 e a 13675/2018, por favor.. Também leia a ADI 5538/DF.
    E depois peça desculpas aos leitores pelo erro. Quero parabenizar todos os os Guardas Municipais do Brasil, que vem prestando um serviço de excelência a população. E para aqueles que se acham estudiosos em Segurança Pública, sem jamais ter trabalhado em um órgão, é fácil dar opiniões. Mais uma vez parabéns aos Guardas Municipais, que protegem os bens, serviços, instalações e ainda protegem os municipes e visitantes.

  4. Umas das competências da guarda municipal é patrulhamento preventivo,
    e preservação da vida, então tecnicamente ela poderia ajudar a pessoa que estava sobre a ameaça de homicídio caso a polícia militar não estivesse disponível.

  5. Boa noite, existe um desconhecimento tanto da imprensa, quanto da sociedade em relacao as atribuições das GCMS, dizer que elas são instituições de segurança patrimonial não é uma inverdade, mas está na classe das meias verdades, pois a elas cabem também a proteção dos serviços. A paz social, o ordenamento público, o trânsito, o comércio e um transporte público seguro são serviços de responsabilidade municipal, basta lerem (Maria Zanelli Di Pietro, Celso Bandeira de Mello, Hely Lopes Meirelles, entre outros) quanto dizer que as guardas não são instituições de segurança pública por não estarem nos incisos do art. 144 o STF já reconhece que todas as instituições do art.9°, da lei 13675/18 são integrantes do sistema de segurança pública e que os incisos do artigo não são mais o rol taxativo, mas exemplificativo, o novo rol taxativo é o artigo citado da lei 13675, o mesmo STF em uma ADC decidiu que toda lei 13022/14 é constitucional quanto a letalidade causada em ocorrências atendidas pela GCM de Curitiba é um ato de legítima defesa da sociedade, o que se deve fazer após essas ocorrências é uma investigação da corregedoria da instituição, uma fiscalização do MP e uma investigação da polícia civil, estando a legalidade das ações comprovadas não há de se falar em letalidade
    e sim, em legítima defesa, o jornalismo sério informa, e para isso tem que pesquisar, espero que as próximas matérias sejam embaladas no conhecimento jurídico a fim de trazer informação e não confusão, o artigo 5° da lei 13022/14 coloca como uma atribuição da GCM o atendimento à ocorrências emergenciais e fragranciais dando o término da ocorrência a apresentação do detido à autoridade policial civil
    Se assalto em andamento não for ato de flagrante é o quê? outra em.um dos.comentarios a matéria se parabeniza a jornalista e se diz que gcm não é polícia, para dizer isso, deve- se saber a definição do substantivo polícia e tanto no Aurélio, como.no ordenando jurídico as gcms se enquadram nesta definição.

  6. Nota 0 para a página, com títulos e descrições que da a entender que a guarda municipal é assas**** colocando a população contra as guardas

    1. Rosiane Correia de Freitas

      Caro Kaique, todo serviço público é sujeito a críticas. Inclusive a guarda municipal. Por que deveria ser diferente? Outra coisa, a interpretação de que chamar a guarda de assassina é sua, assim como a de que a crítica a guarda coloca a população contra ela. Se não quer estar sob escrutínio público, não trabalhe no serviço público. Att, Rosiane

  7. Guarda não é Polícia. Porém, a população de bem não quer saber disso. Precisou, vai chamar a Guarda, a Policia Militar, os Bombeiros ou qualquer órgão relacionado a seg. Publica. Se a atuação das Guardas esta errada, porque os flagrantes são aceitos nas respectivas centrais e os processos relacionados a eses flagrantes são aceitos pelo poder Judiciário? Vamos parar com essa hipocresia e aceitar o serviço das Guardas Municipais.

  8. A Usurpação de Função iniciou com as PMs na confecção de TCs que é competência da Polícia Judiciária (PC), posterior a PRF invadindo atribuições da PF na investigação e acaba nos Guardas Municipais que querem ser tudo menos Vigilante Patrimonial do Município. E o mais grave é o Estado de Anomia das Leis onde o STF que é o Guardião da CF é o primeiro a jogá-la no lixo. O Brasil não tem mais solução.

  9. alexandre barros

    Eu não entendo porque tanto investimento na guarda se juradicamente ela não pode exercer papel de polícia na minha opinião o guarda deveria trabalhar em escolas e postos de saúde aonde seriam mais úteis por ter legalidade em sua função.

  10. Marcelo Ricardo Moreira Pereira

    Gostaria de saber, daqueles que criticam a atuação da Guarda Municipal como preservação da ordem pública, de que forma a guarda municipal poderia atuar na proteção de um bem público de uso comum do povo, como uma uma praça por exemplo, ao se deparar com um grupo pessoas brigando nesse local sem poder intervir para garantir a proteção população que se encontra nesse local? Podem me explicar?…

  11. Fico indignado com uma reportagem dessas sem nenhum critério e informação coerente.
    As gms estão na luta pra serem inseridas na constituição Federal.
    Porém esse meio de comunicação não sabe de nada ou não procura passar informações corretas referentes às guardas.
    Vamos ler e interpretar a lei 13022 meus nobres.
    E por que as guardas estão atendendo as devidas ocorrências.
    E outra qualquer pessoa pode agir em legítima defesa dela ou de outras em determinadas situações,agora imagina a guarda,na maioria das cidades que tem guardas municipais elas dão e fazem o papel de polícia sim e também auxiliam as outras forças de segurança .
    Os municípios que criaram as guardas e por que querem melhorar sua segurança e ajudar a suprir a falta de efetivo de outras polícias.
    E poucas guardas no Brasil que atuam somente cuidando patrimônio público como prédios e outras instalações municipais.

  12. elaine rodrigues

    Fico imaginando, o que leva um meio de comunicação fazer algo desse tipo?
    Primeiro induz ao leitor acreditar que o guarda municipal está em desvio de função, o que me parece equivocado, uma vez que o estatuto da guarda municipal prevê tal atuação e foi declarado constitucional em decisão recente pelo STF.
    No mesmo artigo logo após relatar equívocos por parte dos guardas, diz que deve haver alterações na Constituição Federal, ou seja, o artigo que não condiz com a Constituição Federal, pois ele mesmo diz ter que haver alterações.
    Não informa ao leitor quais são os patrimônios públicos, como por exemplo os bens de uso comum, no caso as ruas.
    Nem vou me estender, mas aparentemente alguém não gosta de guarda municipal e resolve fazer um artigo totalmente tendencioso.
    Lamentável, nosso país precisa melhorar muitooo, o que não acredito que irá acontecer enquanto sites como este propagarem tais informações que ao meu ver estão equivocadas.

  13. edilson ferreira lustosa neto

    As vezes as guardas municipais querem fazer o trabalho das Policias Militares e até das Policias civis, sendo que Constitucionalmente, compete fazer trabalhos voltado para o patrimônio, pois é uma corporação de Defesa social e Cidadania. As competencias já estão previstas na CF/88 e lei 13022/ 14.Quando se refere a proteção da população , é a população que utilizam os bens , serviços e instalações do Municipio; como praças, parques, escolas,bibliotecas e outros bens públicos.Manutenção da ordem pública cabe as Policias Militares conforme estabelece o texto Constitucional.Acredito que as guardas, ainda entrarão no rol das Policias no texto Constitucional, mas como Policia de Defesa social e patrimônio e não como Policia de manutenção da ordem pública, a qual competência já está estabelecida as Policias Militares .

  14. Deputado Renato Freitas é mestre em direito justamente nessa área. Ele já vem denunciando essas coisas desde que era vereador de Curitiba.

    Em um evento recente sobre terrorismo nas escolas, organizado pela vereadora Maria Letícia, o guarda municipal responsável pelas escolas, sequer sabia p que são INCELs ou como lidar com inteligência. E ainda encheu a boca pra falar que Curitiba é bom exemplo nacional 😔.

    Se não são polícia, são organização criminosa. Por zanzarem por aí fantasiados de policiais com 9mm na cintura e matando pessoas inocentes como Mateus Noga e Caio José Lemes. Não existe meio termo. A profissão “capanga do Rafael Greca” só é regulamentada dentro da bancada dele na câmara municipal de Curitiba.

    Que 2024 chegue rápido! Quero poder votar no Renato Freitas pra prefeito, nossa cidade precisa desesperadamente dele no comando! Playboy só governa pra playboy. Renato é povo e precisamos de povo no poder 💃🏻🏹👻

  15. Quantos mais segurança melhor para população , tem que se atualizar quanto a lei 13022 .
    Esse tipo de reportagem e realmente um desserviço a toda população.

  16. Que desserviço com a população. Hoje, o papel da guarda já não é como antigamente, ela evoluiu muito em favor da sociedade, a guarda tem um valor importante perante a sociedade, enquanto a PM não consegue atender todas as ocorrências, a guarda vem para somar e proteger o cidadão de bem. Diz a matéria que totalizaram 15 mortes desde de 2006, ou seja, passados 17 anos e 15 mortes, menos de UMA morte por ano, não sendo um número expressivo para tamanha comoção.

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