Ex-tenente da ditadura processa jornalista

Citado em documentos oficiais por envolvimento em sessões de tortura, ex-militar se diz vítima de danos morais por publicação de Aluízio Palmar

Aluízio Palmar é jornalista em Foz do Iguaçu, no Paraná. Ele atuou na resistência à ditadura militar e, ainda hoje, trabalha para evitar que crimes cometidos por agentes do Estado, naquele período, caiam no esquecimento. Sua luta na década de 1970 lhe valeu prisão, torturas e exílio. Muitos amigos morreram e a procura por seus corpos rendeu livro e respeito por órgãos representativos dos Direitos Humanos em todo o país. Recentemente, a luta de Palmar tem sido jurídica. Ele é acusado de causar danos morais a um ex-tenente do Exército, que ele cita, em um post no Facebook, como seu próprio torturador.

Na divulgação – na página do Centro de Direitos Humanos e Memória Popular – o jornalista lembra um protesto em frente ao prédio do ex-tenente, no qual dezenas de pessoas promovem um escracho público contra Mario Espedito Ostrovski. O post fala da atuação do então tenente no serviço secreto do Batalhão de Fronteiras de Foz e o coloca como torturador.

“Entre suas vítimas estou eu, a professora Isabel Fávero, o líder estudantil Andreas Fávero e outros. Isabel estava grávida de quatro meses quando foi presa e abortou em consequência das torturas a ela infringidas”, escreve o jornalista.

Denúncias sobre o envolvimento de Ostrovski em torturas já foram divulgadas no livro Brasil Nunca Mais (1985) e no Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade (2015 – páginas 638, 766 e 914). Em seu livro, Onde Foi Que Vocês Enterraram Nossos Mortos?’ (2005), Palmar denuncia as torturas e sintetiza sua busca pelos mortos da Chacina de Medianeira.

O jornalista mantém o site Documentos Revelados, associado ao Plural, que reúne um dos maiores acervos de documentos referentes ao período da ditadura no Brasil e na América Latina. “A luta é política. É luta da humanidade contra a barbárie. Esperei 40 anos para ter esta oportunidade, para que venha à luz os crimes de lesa humanidade praticados pela ditadura militar”, revela Palmar ao Plural.

Palmar em tempos de resistência à ditadura. Crédito da foto: Arquivo Pessoal

Repúdio

Após saber do processo movido pelo ex-tenente, entidades representativas apoiaram o profissional e repudiaram a ação do ex-tenente. A Associação Nacional de História (ANPUH-Brasil) emitiu nota de repúdio na qual lembra que, “em 2013, durante uma Audiência Pública da Comissão Nacional da Verdade (CNV) em Foz do Iguaçu, as denúncias de torturas infligidas à presos políticos pelo tenente Espedito Ostrovski voltaram à tona quando Izabel Fávero, Aluízio Palmar, Ana Beatriz Fortes e Alberto Fávero relataram as sevícias a que foram submetidos no referido Batalhão de Fronteira do Exército. Izabel, torturada, sofreu aborto na prisão. Todos e todas sofreram sequelas físicas e emocionais que carregam até hoje”.

O texto diz ainda que, “na ocasião, populares realizaram uma manifestação em forma de “escracho” em frente ao escritório onde Espedito trabalhava, fato que tornou-se de domínio público”.

A ANPUH ressalta que, na época, o ex-tenente foi intimado a comparecer à Audiência da CNV e se retirou do país. “Causa-nos indignação que esta denúncia em relação à prática de tortura durante a ditadura seja hoje objeto de uma ação judicial que busca responsabilizar Aluízio Palmar, que apenas publicizou uma denúncia amplamente noticiada à época. Temos clareza que isso se relaciona com a manutenção da impunidade, amplamente defendida pelo governo atual. Ao invés de cumprir as recomendações da Comissão Nacional da Verdade, o Estado vem acolhendo medidas que apagam a ditadura e transformam os algozes em vítimas.”

Segundo a entidade, “no Brasil, os algozes que escaparam de ser incriminados por crimes de lesa-humanidade, agora se sentem no direito de se portar como vítimas”.

Jornalistas

Para o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná (SindijorPR) e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) o processo é uma veemente tentativa do ex-tenente de calar um jornalista. “É inaceitável que um profissional seja processado por simplesmente divulgar informações que são públicas. Não aceitaremos esta tentativa de intimidação e de cerceamento do exercício profissional. Esta ação judicial merece nosso repúdio.”

Jornalistas da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) igualmente emitiram repúdio ao que chamam de perseguição ao profissional “que se dedica há décadas à preservação da memória deste período histórico e à busca pela justiça”. O processo de danos morais ingressado por Ostrovski é um “desrespeito à liberdade de expressão”.

“Responsabilizar uma vítima de tortura por denunciar a violação aos direitos humanos por meio de uma ação judicial constitui uma inversão completa da relação agressor/vítima representada pelos atos de tortura que caracterizaram o período.”

Os jornalistas ainda registram a indignação ao tratamento dedicado aos presos e perseguidos políticos da ditadura brasileira, “representado na ação ao ex-militar, e à impunidade dos responsáveis pela violência praticada durante o regime”.

Primeira edição sobre os mortos da Chacina de Medianeira foi em 2005

Sem resposta

O advogado Mario Espedito Ostrovski foi procurado pelo Plural e pediu para que as perguntas da entrevista fossem encaminhadas por email. Até o momento da publicação desta reportagem, as respostas de Ostrovski não haviam chegado.

No processo, uma ação de indenização por danos morais, Ostrovski diz que “há ausência de prova nos autos dos fatos imputados ao autor” e que “as ofensas ultrapassam o direito de crítica e de livre manifestação. Liberdade de expressão que não deve se sobrepor aos direitos fundamentais da honra e da imagem”.

O valor solicitado de indenização, por “dano moral proveniente das ofensas e imputações criminais em rede social”, é de R$ 39,9 mil.

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