DNIT abriu mão de sistema de câmeras em trecho percorrido por caminhão desgovernado

Câmeras poderiam, segundo a PRF, ter ajudado a localizar o caminhão antes que ele entrasse em Curitiba

Os trechos das BRs 277 e 376 por onde um motorista sob efeito de drogas conduziu em ritmo desgovernado um caminhão no último sábado (15) está sem sistema de câmeras de segurança rodoviária. Com o fim dos contratos do pedágio, o videomonitoramento nas estradas estaduais do Paraná passou a ser de responsabilidade do Departamento de Estradas e Rodagem (DER), e nas federais, da autarquia de Infraestrutura de Transportes, o DNIT.  

Mas ao menos no trajeto de BRs percorrido pelo motorista – um dos mais movimentados do Paraná, o órgão federal não manteve a rede em operação, segundo informou a Polícia Rodoviária Federal (PRF).

Para a corporação, o acompanhamento em tempo real do percurso do caminhoneiro poderia ter dado outro fim à ocorrência.

“O videomonitoramento neste trecho [BRs 277 e 376, entre Ponta Grossa e Curitiba] era feito com câmeras da concessionária. Com o fim do pedágio, todo esse patrimônio foi destinado aos entes estaduais e federais, mas deixou de existir. Neste trecho não há mais câmeras”, disse ao Plural o porta-voz da PRF no Paraná, Fabiano Moreno. “Sem dúvida, [as câmeras] teriam nos ajudado na localização deste caminhão antes que ele entrasse na cidade de Curitiba”.

O motorista Nilson Pedro dos Santos, de 35 anos, só foi preso depois de percorrer cerca de 140 km. Ele deixou Ponta Grossa com uma carga de engradados de cerveja no início da manhã de sábado, após quase 24 horas ininterruptas de trabalho e sob efeito de drogas que ele próprio confessou ter ingerido. Em estado de alucinação, entrou em alta velocidade no perímetro urbano de Curitiba, onde provocou dezenas de acidentes enquanto dirigia pela cidade.  

A viagem até a chegada na capital poderia ter sido registrada pelas câmeras antes espalhadas pelos trechos das BRs. E agora poderiam ser um auxílio às investigações da Polícia Civil, já que boa parte do deslocamento foi em área rural e de poucas propriedades equipadas com os recursos de vídeo.

Até a publicação desta reportagem, o DNIT não havia respondido aos questionamentos, enviados ainda na segunda-feira.

Caso chocante

O que se viu chocou o país e foi suficiente para levantar questionamentos sobre a dinâmica dos órgãos responsáveis. Antes de chegar à capital paranaense, o caminhão passou por dois postos das PRF, mas o efetivo curto não foi suficiente para deter o motorista. Dentro da cidade, a Polícia Militar e a Guarda Municipal também não conseguiram impedir o veículo, que só parou por causa de uma falha mecânica.

A Polícia Rodoviária alega que a primeira passagem de Santos por um posto da corporação foi logo após o início da viagem e não havia, até então, queixas relacionadas ao veículo. Os primeiros vestígios de carga derramada começaram a aparecer nas proximidades do parque de Vila Velha, 20 quilômetros depois do primeiro posto, e a denúncia inicial só teria chegado à PRF quando o caminhão se aproximava da unidade de São Luiz do Purunã, na entrada da região metropolitana de Curitiba.

Moreno admitiu haver um efetivo policial insuficiente para controlar a situação e disse que, pelos protocolos da PRF, nem todas as alternativas eram viáveis diante da condição do condutor.

“O número [de policiais] foi suficiente? Não foi suficiente porque o caminhão conseguiu evadir das viaturas policiais e não ser mais localizado. Mas ele entrou cidade onde nós temos também grande contingente da Polícia Militar e da Guarda Municipal e também não foi parado”, disse o porta-voz em entrevista ao Plural. “Nós tínhamos um motorista que estava com estado de consciência bastante alterado, que afirmou à polícia não ter visto os veículos nos quais bateu. O veículo tinha 50 toneladas ou mais, e qual o aparato para se parar uma carreta dessa? Parar um veículo deste em alta velocidade é extremamente difícil e um desafio para qualquer força de segurança.”

Nesta segunda, o Plural mostrou que a PRF não comunicou a ocorrência para a Polícia Militar – responsável pelo patrulhamento urbano e pelas rodovias estaduais. Segundo a PM, as equipes foram informadas da situação pela população, por meio de ligações feitas no 190.

O acionamento do helicóptero da PRF também foi descartado, pois, de acordo com Moreno, dependia de condições mais “planejadas” – embora o uso da aeronave seja comum em situações imediatas.

Junto ao monitoramento de imagens em tempo real, a aeronave da corporação ajudou a conter situação semelhante registrada em trecho da BR-116 na Grande Curitiba, em 2019. Naquela ocasião, o motorista, também drogado, passou a seguir em zigue-zague e a jogar o caminhão para cima de veículos em trânsito na rodovia. Ele foi detido depois de ter os pneus atingidos por tiros em ação conjunta da PRF e da PM – o que não ocorreu desta vez.

O helicóptero da PRF no Paraná retornou à corporação em dezembro. Até então, havia sido deslocado pela gestão de Jair Bolsonaro para ações nacionais da corporação.

Nos últimos quatro anos, o estado também perdeu bases da PRF. São agora 33 postos no estado – antes eram 38. Três destas unidades fechadas eram da região metropolitana de Curitiba. Uma delas, no km 99 da BR-277, por onde o caminhão desgovernado passou na manhã do último sábado.

Sem intervalo

Preso na Delegacia de Delitos de Trânsito, Santos teve a prisão em flagrante convertida em prisão preventiva a pedido do Ministério Público do Paraná. Por isso, deve ficar preso até pelo menos a conclusão do inquérito policial ou nova decisão da Justiça.

No rol dos delitos investigados, estão o de tentativa de homicídio; deixar prestar socorro em acidente com vítima; trafegar em velocidade alta e dirigir sob efeito de drogas ou álcool.

À Polícia Civil, o motorista disse ter usado drogas para se manter acordado. De acordo com a PRF, em 24 horas Santos saiu de Ponta Grossa, foi até Embu das Artes, em São Paulo, retornou à cidade dos Campos Gerais, onde carregou o veículo para nova viagem a Curitiba, sem respeitar a lei do descanso, que estabelece, a cada 13 horas de percurso, 11 horas de descanso, sendo oito ininterruptas.

Em 2022, a PRF multou 4 mil motoristas no Paraná por não cumprir as normas.

“O que a gente vê também é a falta de políticas públicas para punir rigorosamente esse tipo de conduta”, defende Moreno. “Há um enfraquecimento da fiscalização e também uma questão de falta de consciência do motorista porque as drogas cobram o preço na saúde e trazem risco em potencial. Mas também tem responsabilidade do embarcador. O mínimo que se tem que fazer ao deixar sua carga sair do pátio é ver motorista tem condição de segurança. Nesse caso, um simples teste do bafômetro teria impedido toda essa situação”.

A reportagem aguarda retorno de contato feito com a Rodo Drive, transportadora responsável pela carga embarcada por Santos.

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2 comentários em “DNIT abriu mão de sistema de câmeras em trecho percorrido por caminhão desgovernado”

  1. Maria Helena Silveira

    A Polícia Rodoviária Federal deveria mandar um alerta à Polícia Militar e responsáveis pelo trânsito de Curitiba. Evacuar todas as vias, acompanhar com drones, enfim, pagamos incompetentes para nos proteger!

  2. O que dizer de tudo isso?
    Várias coisas, mas o comentário ia ficar muito extenso.
    Então, pra resumir: agentes de segurança pública, transportadoras, governos estadual, federal, e administrações municipais.
    Parem de querer se justificar, e tomem todas aquelas providências óbvias para que isso não se repita.

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