Desvio de R$ 580 mil põe em risco proteção a adolescentes ameaçados de morte

Valor foi transferido do Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte

A segurança de dezenas de vítimas adolescentes sob tutela do estado do Paraná está em risco. O temor vem de um desfalque de R$ 580 mil que deixou à mingua o caixa do Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM) e colocou em situação de vulnerabilidade iminente mais de 40 jovens e familiares acolhidos. A retirada dos valores, cuja movimentação deveria correr sob o crivo da Secretaria da Justiça, Família e Trabalho (Sejuf), está sob investigação, mas apesar de negar o comprometimento das ações, o governo já vem suplicando verbas para cobrir o rombo e evitar danos ainda maiores.

Fontes ouvidas pelo Plural alertam que o desvio dos valores praticamente congela as atividades de proteção. Sem dinheiro suficiente, afirmam, o programa está impossibilitado de receber novos adolescentes ameaçados de morte e terá dificuldades de manter a estrutura operacional de apoio às vítimas já incluídas – muitas perseguidas pelo tráfico de drogas e por redes de pedofilia e exploração sexual.

O receio é justamente o destino dessas crianças e jovens diante do prejuízo de mais de meio milhão de reais, valor administrado pela Associação para a Vida e Solidariedade (Avis), instituição executora do programa no Paraná desde sua implantação, em 2010. A organização, conveniada ao Estado, alega não ter tido conhecimento imediato dos desvios e responsabiliza o então diretor-presidente da associação, Marino Galvão, pelo desfalque. A afirmação consta nos autos do processo movido pela entidade contra o agora ex-gestor, ao qual a reportagem teve acesso.

Segundo o documento, as transações ocorreram em sequência. Na primeira, em 19 de março, foram movimentados R$ 300 mil; e na segunda, em 23 de março, R$ 280 mil. Comprovantes mostram que o destino da quantia foi a conta de um empresário de Minas Gerais, operador de investimentos na bolsa de valores e no mercado de criptomoedas.

Em despacho publicado no último dia 14 de abril, o juiz Alexandre Della Coletta Scholz, da 5ª Vara Cível de Curitiba, determinou a inclusão do empresário no polo passivo da ação. Procurado, o trader disse não ter recebido, até hoje, nenhuma notificação para explicar a origem de depósitos recentes feitos em suas contas e afirmou que, de cabeça, não lembrava detalhes da operação questionada. No processo, a Avis ressalta não haver relação contratual entre o empresário e a entidade – da qual Galvão pediu desligamento cerca de duas semanas após os saques.

O cargo mais alto da instituição que opera o PPCAAM no Paraná ficou vago no dia 5 de abril, mesma data em que o Conselho Gestor do programa foi comunicado da movimentação suspeita dos valores. Em carta ao órgão – formado por representantes de diversas instituições, entre eles o Ministério Público, o Poder Judiciário e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), e que funciona como uma ponte entre a executora e o Estado –, a coordenadora-geral da Equipe Executiva da Avis reconheceu “transferências irregulares” da conta que hospeda as verbas do convênio.

O ex-presidente da organização não quis conversar com a reportagem. Por telefone, Galvão afirmou não ter nada a dizer e falou que pediria a seus representantes legais para retornar o contato – o que não ocorreu até a publicação desta reportagem. No entanto, em carta enviada aos membros da diretoria da associação, o ex-gestor alega ter sido “vítima de um crime” e justifica sua saída como uma “medida recomendável para a melhor apuração dos fatos”.

A Avis também se recusou a repassar detalhes no momento, mas disse estar tomando todas as medidas cabíveis. No processo instaurado contra Marino Galvão, a organização pede o ressarcimento integral do dinheiro desviado e mais R$ 100 mil por danos morais, alegando que o desfalque gera “grave ofensa” contra os funcionários e a própria instituição.  

“O certo é que se não fosse o ato praticado pelo Requerido, o Programa de Proteção não estaria em risco de acabar no Estado do Paraná, e, da mesma forma não estariam em risco de ficar na sarjeta as mais de quarenta pessoas e familiares protegidas, sem falar nos nove funcionários da Requerente que perderam seus empregos e se encontram com uma mão na frente e outra atrás, sem qualquer expectativa de tornar receber salários e sobreviver com dignidade”, diz trecho dos autos.

Impactos

O Governo do Paraná, contudo, nega que o PPCAAM esteja sofrendo consequências do desfalque. Paulo Sena, coordenador do Departamento de Promoção e Defesa dos Direitos Fundamentais e Cidadania (Dedihc), ao qual o programa está vinculado, não quis ceder entrevista, e a Sejuf se manifestou por meio de nota.

“Para a continuidade da proteção às vítimas, o programa segue com suas atividades e a SEJUF, desde que identificou o problema, assumiu a condução da gestão do programa, mantendo a equipe técnica e buscando alternativas de recursos”, respondeu a pasta.

O teor da nota enviada à reportagem segue em direção oposta ao que profissionais advertem sobre o futuro do programa.

No texto de esclarecimento, a secretaria confirma que só restaram no caixa do programa cerca de 250 mil reais. Segundo o Plural apurou, o valor é insustentável até para as ações a curto prazo do PPCAAM, motivo pelo qual o governo recorreu ao Fundo Estadual para a Infância e Adolescência (FIA) e solicitou a liberação de R$ 700 mil para evitar o colapso das atividades.

Fontes ainda disseram que o Conselho Gestor do programa chegou a recomendar que o governo cobrasse a devolução de todo o dinheiro em caixa antes do fim da vigência do contrato, em dezembro, e alguns dizem ainda não compreender o motivo pelo qual, até agora, a Sejuf não tomou medidas legalmente previstas contra a Avis – que teve o convênio com o PPCAAM postergado até o próximo 11 de agosto. A prorrogação consta no Diário Oficial da União de 31 de dezembro de 2020.

Entre abril de 2017, data da última renovação, e maio do ano passado, o Governo Federal, responsável pelo repasse de 80% das verbas de manutenção do PPCAAM, destinou R$ 4,1 milhões para a execução do programa no Paraná. Com a contrapartida de R$ 1,08 milhão do Executivo estadual, cerca de R$ 5,1 milhões entraram nos cofres da associação para atender crianças e adolescentes ameaçados de morte.  

Somente no ano passado, a organização – que também executa programa de proteção de adultos vítimas de ameaça no Paraná, o Provita – recebeu 2,67 milhões da Sejuf. Este ano, já foram repassados 392 mil. A tabela dos pagamentos disponibilizada no Portal da Transparência não discrimina o destino final de cada montante.  

A Sejuf não respondeu se, mesmo com o rombo, a associação tem estrutura organizacional e financeira para continuar executando a proteção das crianças e adolescentes ameaçados, mas disse que está em processo de tramitação documental para viabilizar a formalização de um novo convênio, “sendo que o chamamento público só poderá ser iniciado a partir da efetivação do processo documental”. O novo diretor-presidente da Avis, Paulo Pedron, integrava o corpo diretor chefiado por Galvão.

Quanto à fiscalização, a pasta esclareceu que a entidade mantinha uma rotina de prestação de contas equivalente à modalidade do contrato por meio do qual prestava os serviços. “Existe um comitê gestor. Com membros da sociedade e de outros poderes. O acompanhamento de toda e qualquer ação da OSC [Organização da Sociedade Civil] se dava através de prestação de contas, feita trimestralmente”, respondeu a secretaria.

A Sejuf esclareceu só ter tomado conhecimento “do possível crime” no dia 6 de abril, duas semanas depois dos saques, e que, após saber do rombo, provocou as esferas administrativas, civis, criminais e de controle, com envio de ofícios a órgãos distintos, entre eles o Ministério Público do Paraná (MPPR) e o Tribunal de Contas do Estado (TC). “Adicionalmente, a secretaria requisitou à PGE [Procuradoria-Geral do Estado] a adoção de medidas judiciais e criminais que assegurem a responsabilização e o ressarcimento do erário público”.

Por se tratar de um programa federal, o Ministério Público Federal (MPF), o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Advocacia-Geral da União (AGU) também foram comunicados.

A continuidade do PPCAAM, bem como as medidas práticas para reaver o dinheiro desviado estão na pauta de uma reunião extraordinária do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (CDECA), marcada para esta quarta-feira (28). A expectativa é de que uma comissão técnica se manifeste sobre os detalhes da ocorrência.

O encontro acontece já sob uma nova configuração da Sejuf. Após o episódio, a pasta passou por uma dança das cadeiras, com designação de novos servidores para responder pelo Sistema Integrado de Transferências de Prestação de Contas; pela Central de Convênios, e pela Gestão de Fundos da secretaria. O PPCAAM e do Provita ganharam um novo gestor de convênios.

Leia a nota da Sejuf íntegra

O governo estadual complementa o valor repassado pelo governo federal e fazia o repasse para a conta da pessoa jurídica / OSC.

Existe um comitê gestor. Com membros da sociedade e de outros poderes. O acompanhamento de toda e qualquer ação da OSC se dava através de prestação de contas, feita trimestralmente.

Assim que a secretaria tomou ciência do possível crime, no dia 06 de abril de 2021, foram adotadas todas as medidas cabíveis, tanto nas esferas administrativas, civis, criminais e de controle, com envio de ofícios a aos órgãos afins: MPPR, GAECO, TCE, TCU, MMFDH, AGU, MPF, PGE.

Para a continuidade da proteção às vítimas, o programa segue com suas atividades e a SEJUF, desde que identificou o problema, assumiu a condução da gestão do programa, mantendo a equipe técnica e buscando alternativas de recursos.

Adicionalmente, a secretaria requisitou à PGE a adoção de medidas judiciais e criminais que assegurem a responsabilização e o ressarcimento do erário público.

Reitera-se que a continuidade do programa é prioridade, sendo que restaram no caixa aproximadamente 250 mil reais.

Houve prorrogação do convênio até Agosto/2021 do governo federal com o governo do Paraná conforme publicado no Dioe da União no dia 31 de dezembro de 2020 nº 250 na seção 3.

A Secretaria está em processo de tramitação documental para viabilizar a formalização de um novo convênio, sendo que o chamamento público só poderá ser iniciado a partir da efetivação do processo documental.

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