Desembargador condenado por agredir irmã voltará a julgar casos de Família

STJ condenou Luís César de Paula Espíndola por lesão corporal em contexto de violência doméstica e determinou volta imediata ao cargo

Um desembargador do Paraná condenado por agredir a irmã durante uma discussão familiar retomará o cargo no Tribunal de Justiça do estado (TJPR), justamente numa das Câmaras que têm atribuição para julgar casos de família. O caso do desembargador foi julgado no último dia 1 pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Por unanimidade, os ministros da Corte consideraram Luís César de Paula Espíndola culpado por crime de lesão corporal em contexto de violência doméstica, e a maioria deles decidiu pelo retorno imediato do magistrado às atividades, das quais ele estava afastado desde 2018.

O mesmo magistrado já havia sido acusado de lesão corporal por uma mulher em 2016, mas foi absolvido no processo por falta de provas. Na ação penal recém-julgada, contudo, ele foi condenado a dois meses e quatro dias em regime aberto. A pena foi substituída por dois anos de trabalho comunitário. A defesa do desembargador não retornou ao pedido de contato da reportagem, apesar da insistência do Plural.

A decisão também deu a Espíndola respaldo para reassumir de pronto suas funções na 12ª Câmara Cível, onde está lotado, de acordo com o Portal da Transparência do TJPR. O regimento interno da Corte define que tanto à 11ª como à 12ª Câmara Cíveis cabe a competência do julgamento de ações relativas a Direito de Família, união estável e homoafetiva e também as relacionadas ao Estatuto da Criança e do Adolescente e ao Direito de Sucessões.

A ação movida pelo Ministério Público Federal (MPF) acusou o desembargador de ter dado socos no rosto de uma das irmãs durante discussão sobre a demissão de uma das cuidadoras da mãe. A idosa também chegou a ser atingida por engano pelo magistrado ao intervir e tentar apartar a briga entre os filhos. Direitos e deveres de filhos em relação aos pais é uma das causas tratadas nas Câmaras que julgam casos da área da Família.

Por parte do MPF, o subprocurador-geral da República Carlos Frederico Santos sustentou durante o julgamento que o magistrado teria dito que “arrebentaria a irmã” e então avançou sobre ela. Áudios gravados pelo celular da vítima teriam ainda indicado a ocorrência de agressões verbais pelo menos três meses antes do fato e, por isso, para o subprocurador, a ameaça e a agressão tonaram “patente intenção deliberada, o dolo, de Luís César de Paula Espíndola, que realmente se valeu da forca física para demonstrar seu poder de resolver a querela doméstica”.

As mídias apresentadas pela acusação não foram aceitas como provas oficiais por não terem sido periciadas, mas os ministros acataram laudo do Instituto Médico Legal (IML) que atestou as lesões corporais na irmã e na mãe. O documento as provas testemunhais colhidas nos autos foram considerados suficientes pela Corte para demonstrar a materialidade e a autoria do crime.

Segundo o relator da ação, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, testemunhas teriam relatado ser frequentes as brigas entre os irmãos, principalmente no âmbito de assuntos relacionados aos pais. Ao concluir o voto, o relator pediu a condenação e a manutenção do afastamento do desembargador do cargo até trânsito em julgado – ou seja, até findados todos os recursos. “A agressividade demonstrada pelo condenado é incompatível com a dignidade, a integridade, a prudência o decoro e a serenidade exigidas para o bom exercício da função julgadora”, afirmou o ministro, alegando descompasso das atitudes de Espíndola em relação à Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman).

Outros cinco membros da Corte acompanharam o voto. Ao decidir por manter o desembargador afastado até o fim dos recursos, a ministra Laurita Vaz também considerou que “o acusado não tem conduta social adequada”.

Por outro lado, oito ministros formaram maioria para liberar a volta imediata de Espíndola ao trabalho. O ministro João Otávio de Noronha, que abriu a divergência, votou pelo retorno sem tardar por considerar que o afastamento imposto não deveria ser considerado parte da pena. “Melhor que volte, já que está recebendo”, disse.

O total de rendimentos bruto de Luís César de Paula Espíndola referente a fevereiro deste ano foi de R$ 63.795,09.

O TJPR não comentou o caso. Em nota, afirmou que “aguarda o trânsito em julgado da decisão e que, atualmente, o magistrado encontra-se em licença médica”. A licença foi concedida por um mês, entre os dias 22 de fevereiro e 23 de março. Já o Conselho Nacional de Justiça disse não ter qualquer competência para tratar da questão, por se tratar de uma “situação pessoal e não da atuação dele enquanto magistrado”.

Garantia constitucional

Em entrevista ao Plural, a vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), Maria Berenice Dias, desembargadora aposentada do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, explicou que existem prerrogativas legais para que, mesmo com a condenação, o desembargador seja mantido no cargo.

Por definição constitucional, magistrados e membros do Ministério Público não podem ser removidos dos cargos para os quais foram designados, exceto por motivo de interesse público. O princípio da inamovibilidade, como é chamado, é uma das garantias associadas aos princípios de independência e imparcialidade dos juízes e serve, segundo a jurista, também como garantia do próprio jurisdicionado.

“Pode até causar certa estranheza, mas a Justiça não poderia ter adotado outra solução. São vários aspectos [a serem considerados]. O quanto seria oneroso para o Estado simplesmente por essa condenação definir ‘ah, então você não pode mais julgar’? Ou então se aplicada a pena disciplinar da aposentadoria compulsória porque ele não pode ser exonerado”.

A desembargadora aposentada ressaltou ainda que, apesar de a agressão ter começado por um assunto familiar, Espíndola foi condenado por um delito cuja competência não é da Vara da Família, e sim do Juizado de Violência Doméstica.

“Concordo que eticamente ele fica em uma posição pouco confortável. Ele pode pedir remoção para outra Câmara, mas não pode ser obrigado”, afirma. “O que tem no reverso nessa moeda é que, ainda bem, o Tribunal condenou um dos seus pares”, avalia.

Defesa do desembargador

A reportagem buscou conversar com defesa do desembargador. Foram feitas tentativas nesta segunda (13) e terça-feira (14). O advogado Renato Cardoso de Almeida Andrade não foi localizado em seu escritório e não retornou ao pedido de ligação deixado, mas, pela secretária, repassou recado de que “não fala sobre casos em andamento”.

Durante o julgamento na Corte, Andrade contestou as alegações do MPF e disse que Espíndola não agrediu, mas tentou se defender. Segundo ele, as duas irmãs do magistrado “agiram para criar uma situação constrangedora e comprometedora, que culminou com o fato”.

A tese da defesa foi de que não houve agressão e de que, se ele fosse agressivo como relatou a vítima, “o irmão já teria a cassação da curatela e assumido ela [a irmã] própria a responsabilidade por cuidar da mãe, coisa que nunca fez”.

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2 comentários em “Desembargador condenado por agredir irmã voltará a julgar casos de Família”

  1. O Desembargador em questão tem um histórico de agressão contra a família e mesmo assim o Tribunal de Justiça do Paraná o mantém em uma Câmara de Família… Um absurdo!!

  2. Fátima Mirian Bortot

    Parabéns pela matéria Angiele e Jornal Plural. Ampla e ouvindo todos os lados da notícia. A questão de fundo é ética. E o próprio desembargador deveria optar por outra Câmara Cível. A OAB precisa se manifestar sobre o caso.

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