Curitiba não está preparada para inundações mais graves, afirmam especialistas

Alagamentos são problema antigo na cidade e afetam mais expressivamente as regiões periféricas

Apesar de não serem exclusividade do século XXI, as inundações urbanas passaram a ser cada vez mais comuns e intensas à medida que as consequências das mudanças climáticas afetam o planeta. Em Curitiba não é diferente. Mesmo considerada uma cidade planejada em termos de saneamento e hidrografia, especialistas afirmam que a capital paranaense não está preparada para enfrentar cheias decorrentes de eventos climáticos extremos, que serão mais e mais frequentes. 

Segundo o geógrafo Marciel Lohmann, professor adjunto da Universidade Estadual de Londrina (UEL), os alagamentos urbanos estão diretamente ligados à formação e ao desenvolvimento das cidades, tendo como um dos principais fatores causadores a impermeabilização do solo.

“Quanto maior for a taxa de crescimento das cidades, maiores vão ser as ocorrências desse tipo de desastre. Quando há mais asfalto, mais calçadas, mais prédios, mais casas, você tira áreas de infiltração da água da chuva. Essa água vai para as galerias pluviais que a levará para os rios. O problema é que, quanto maior for essa taxa de impermeabilização do solo, mais água chegará até os rios em pouco tempo. Não tendo para onde escoar, essa água chega até a superfície das galerias gerando os alagamentos”, explica Marciel, que também foi pesquisador no Instituto Tecnológico SIMEPAR.

O geógrafo ainda esclarece que o que acontece em Curitiba é uma associação de dois fenômenos que podem ocorrer simultaneamente: as enchentes (ou inundações) e os alagamentos. Ainda que usados como sinônimos, os termos se diferenciam à medida que o primeiro decorre da cheia dos rios – em épocas de chuvas frequentes, os rios extravasam para além de suas margens e acabam ocupando a planície de inundação, que é uma área natural de extravasamento das águas – enquanto o segundo se dá em função do acúmulo de água dentro da própria cidade, vinculado a entupimento de canais, bocas de lobo e falta de infraestrutura adequada em termos de dissipação das águas pluviais.

“Apesar de Curitiba ser uma cidade considerada planejada, nós temos muitos problemas com inundações e alagamentos.”

Marciel Lohmann, GEÓGRAFO e professor adjunto da Universidade Estadual de Londrina.
Mapa demonstra a evolução da ocupação urbana de Curitiba de 1654 a 2012. Imagem: IPPUC

Além da impermeabilização do solo, o arquiteto e urbanista Carlos Hardt, professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), destaca outras três causas das inundações em Curitiba: a canalização dos córregos, a destinação inadequada de resíduos e a mudança climática.

“Antes, quando chovia, a água caía nas folhas, que caía na grama, que infiltrava uma boa parte, e outra parte ia para os córregos. Com a vinda da cidade se eliminou a floresta, se impermeabilizou grande parte dessa superfície e se canalizaram os córregos. Agora a água cai no piso, na rua, e muito rapidamente corre até a galeria de águas pluviais que a joga para os tubos de canalização. Isso acontece muito rápido e aquela quantidade de água precisa escoar num curto espaço de tempo. Como o sistema não está bem dimensionado para isto, ele enche e as ruas inundam.”

Carlos Hardt, ARQUITETO E URBANISTA e professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

Carlos defende que é preciso pensar em ações que abarquem o acontecimento cada vez mais frequente de eventos climáticos extremos. “Curitiba ainda não está preparada para isso. São mudanças muito rápidas e a cidade vai sendo construída ao longo das décadas.”

Locais mais impactados 

De acordo com dados do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano (IPPUC), Curitiba tem seu território quase totalmente ocupado por seis bacias hidrográficas compostas pelos rios Atuba, Belém, Barigui, Passaúna, Ribeirão dos Padilhas e Iguaçu, dentre outros riachos que atravessam a cidade em diferentes direções. 

Por conta do relevo de Curitiba, todas as bacias correm do norte, onde há maiores altitudes, para o sul do município, desembocando as águas no Rio Iguaçú. Isso significa que, as regiões situadas ao sul têm maiores possibilidades de serem afetadas por alagamentos e cheias.

De acordo com a pesquisa de doutorado de Marciel0 do Atuba e do rio Belém. 

Conforme o estudo, do total de ocorrências registradas pela Defesa Civil entre 2005 e 2010, 44,5% foram de alagamentos e inundações. Em cinco anos, foram registrados 2.353 alagamentos, sendo 796 na bacia do rio Barigui, 642 no rio Belém e 471 no Atuba.

Locais em que os alagamentos se repetiram entre os anos de 2005 a 2010 em Curitiba. Imagem: Marciel Lohmann

Diante da falta de dados cartográficos, meteorológicos e hidrológicos locais, a ideia do estudo de Marciel era justamente criar uma base de materiais que pudesse ser usada a fim de antecipar medidas para que fossem evitados problemas decorrentes das chuvas mais intensas como os alagamentos. “Com a pesquisa, nós pretendíamos elaborar um mapa de planejamento das ações. Ou seja, se eu sei onde eu tenho os problemas de alagamento eu sei onde eu preciso atuar. E essa atuação vai desde a fiscalização, até a perspectiva das medidas estruturais [obras de drenagem e barragem, por exemplo], para evitar o acúmulo de água no meio da cidade”, diz.

Ocupações

Não são apenas as regiões no sul de Curitiba que são mais impactadas pelas cheias urbanas. Segundo o mapa de áreas inundáveis do IPPUC, de 2001, as zonas periféricas da capital se enquadram também nas que têm mais probabilidade de inundar.

Estudos mostram que Curitiba passou por processos de planejamento urbano de caráter segregacionista que excluíram parcelas da população de determinados espaços. Diante do aumento populacional que resultou em um processo de urbanização desordenado, foram pensados planejamentos excludentes e seletivos.

Com o aumento gradativo da situação de vulnerabilidade dessa parte da população, muitas pessoas precisaram procurar moradia em áreas que se caracterizam pela deficiência dos serviços urbanos básicos, precária situação sanitária e habitações inadequadas, muitas vezes em situação irregular: as ocupações. Isso as torna expostas a desastres naturais, principalmente os relacionados ao sistema climático.

“Os efeitos de urbanização de uma região faz com que o centro de uma cidade que está todo impermeabilizado escoa a água e a mande para os rios. Os rios precisam levar a água para algum lugar, em geral mais à jusante, e lá é onde estão morando as ocupações mais irregulares. Eles não são os responsáveis pelos efeitos, mas eles sofrem os efeitos e os danos das cheias urbanas.”

Cristóvão Fernandes, professor do Departamento de Hidráulica e Saneamento da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Na comunidade do Parolin, por exemplo, os moradores relatam que sempre que chove na cidade, as ruas do bairro ficam inundadas e as casas tomadas por água. No último temporal que atingiu a comunidade, em 15 de janeiro, cerca de 150 famílias foram prejudicadas. 

A moradora Sirley Andrade da Silva conta que aquela foi a terceira vez que perdeu tudo por conta dos alagamentos na casa. “Não é fácil ver a água levar tudo. Pia, fogão, guarda roupa, foi tudo. Perdi meu cachorro afogado, se eu fosse tentar salvar eu ia junto na correnteza.” 

Segundo dados da Defesa Civil de Curitiba, entre 2019 e 2021, cerca de 12 mil pessoas foram atingidas por inundações na capital.

Para atenuar as consequências, é preciso se adaptar

O professor da UFPR explica que a fim de mitigar os efeitos das inundações nas cidades, é preciso ter um sistema ou um planejamento de drenagem urbana que seja compatível com os potenciais excessos de água e que possa dar vazão a ela sem provocar danos na cidade. Mas além disso, as cidades devem ser capazes de se adaptar ao longo dos anos.

“O problema é que os nossos sistemas têm um limite e nós corremos riscos. Os sistemas que nós planejamos foram concebidos para falharem uma vez ou outra num determinado horizonte de projeto ou de tempo. O que está acontecendo agora são efeitos extremos que estão testando a capacidade dos nossos sistemas planejados e se eles estão dando conta do que está vindo em excesso. Isso chama-se adaptabilidade e resiliência urbana para administrar esses efeitos de crise”, destaca.

Para Cristovão, a solução para as enchentes deve ser pensada de forma integrada e global. É preciso conciliar a taxa de absorção dos efeitos de eventos extremos causados pelas mudanças climáticas, com a identificação dos pontos mais críticos que se possa atuar especificamente para a minimização de impactos. Tudo isso integrado ao papel da sociedade como um ator que auxilia no controle das cheias – através da educação ambiental e conscientização da população em relação ao lixo. “Pensando na cidade como um todo é sempre preciso ter planos diretores inteligentes, sustentáveis, modernos para a nova realidade que nós vamos ter que enfrentar. Isso vai ser mais comum daqui para frente”, alerta. 

Ações governamentais contra as inundações

Procurada pela reportagem, a prefeitura de Curitiba informou que existem várias ações de prevenção de cheias que estão sendo tomadas pela gestão – grande parte presentes no Plano Diretor de Drenagem Urbana de Curitiba. O Programa Curitiba Contra as Cheias, por exemplo, realiza obras de macrodrenagem para minimizar os impactos das chuvas e aumentar a capacidade de extravasamento dos rios e córregos.

No ano passado, a prefeitura concluiu as intervenções no bairro Bacacheri, de perfilamento e contenção de taludes no Rio Bacacheri Mirim; perfilamento e bacia de contenção no Rio Bacacheri; implantação de galerias de águas pluviais na Rua Lodovico Geronazzo (Boa Vista) e ruas José Mendes Sobrinho, Ludovico Zanier e Nelson Borba (CIC); contenção lateral no Córrego Jardim Natália (Cajuru), e obra de perfilamento do Rio Pilarzinho, entre a rua Júlio Perneta e o Rio Belém (Mercês/Bom Retiro).

Existem outras seis obras de macrodrenagem em execução atualmente. No Rio Pinheirinho, a intervenção ocorre em três grandes lotes: Rio Vila Guaíra e Córrego do Curtume (Guaíra e Parolin), Córrego Henry Ford (Lindoia, Guaíra e Fanny), Córrego Santa Bernadethe e Rio Pinheirinho (Fanny e Parolin). São oito quilômetros de obras que devem ser entregues até o dia 31 de dezembro de 2022.

Além disso, os trabalhos estão em curso para implantação de bacia de detenção na sub-bacia do Ribeirão dos Müller (CIC) que deve terminar em maio deste ano; galerias de detenção em concreto no Rio Juvevê e galerias celulares (Alto da XV) com previsão de término em agosto de 2022; e execução de bacia de detenção no Rio Mossunguê (Campo Comprido), prevista para novembro deste ano.

O governo municipal também monitora os rios e córregos da cidade, fazendo a limpeza constante dos cursos de água. Em 2021, foram retiradas mais de 33 mil toneladas de resíduos de rios e córregos.

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